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Contributo para uma leitura da devoção e espiritualidade marianas: aproximação teológico-prática

2. A espiritualidade cristã: a oração e a intercessão como motivos intrínsecos à festa de Nossa Senhora das Candeias

3.3. O Plano Pastoral de 1995-96: “Com Maria, comunidade solidária”

Portugal sempre tem sido a Terra de Santa Maria. Nasceu sob a protecção de Maria, cresceu como nação louvando e invocando Maria com o título de Imaculada Conceição, dois séculos antes da definição dogmática e, pelos tempos fora, tem-se mantido fiel na sua devoção mariana. Nos tempos hodiernos, embora nem todas as instituições oficiais ou privadas reconheçam Nossa Senhora como sua padroeira, a comunidade portuguesa conserva no seu coração a fé em Deus e a devoção a Maria.

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Este Plano Pastoral é uma proposta de acção quadrienal de pastoral cujo enquadramento vai centrar-se numa eclesiologia de comunhão, tal como propunha já o Concílio Vaticano II, que pretende ser uma realidade efectiva, vivida pelos cristãos “capazes de estabelecer entre si um relacionamento caloroso, simples e fraterno, ao nível dos pequenos grupos que favorecem o diálogo e a partilha da fé e da vida e promovem a personalização da fé”. Como objectivo geral: Levar a comunidade cristã ao

aprofundamento da fé e da solidariedade cristã, a partir do exemplo de Maria.72

Relativamente aos objectivos específicos foram traçados três: 1) Aprofundar o significado teológico de cada um dos passos da vida de Maria, à luz do Evangelho; 2) Levar as comunidades e os grupos a assumir os compromissos de solidariedade, decorrentes da mensagem evangélica reflectida e celebrada; 3) sensibilizar os movimentos eclesiais para que, sem perder a sua especificidade, sejam em conjunto uma expressão da unidade da Igreja. Os principais destinatários são os adultos e jovens,

porém é de registar os dezassete temas propostos para as Assembleias Familiares73

(Grupo de adultos) pela importância da escolha comum dos temas a serem explorados e trabalhados pelas diferentes Assembleias da Arquidiocese.

Assim, para se alcançar o sucesso nesta meta estabelecida é necessário percorrer um itinerário de formação sistemática com conteúdos e estilos determinados. Os seus alicerces vão de encontro ao processo de crescimento da vida cristã dos fiéis, considerado pelo episcopado como “uma das mais urgentes prioridades pastorais” da Igreja em Portugal. A experiência da caminhada para a eclesiologia da comunhão, permitiu que a Arquidiocese apostasse num trabalho constante, persistente e voltado para a pessoa e para o grupo do que para a massa anónima sem rosto e sem nome.

Nos anos anteriores a Arquidiocese de Évora, na sua actividade pastoral enveredou pelo caminho da evangelização: primeiro, centrou-se na Iniciação Cristã,

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Cf. ARQUIDIOCESE DE ÉVORA. Plano Pastoral, 1995/96:3.

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Temas para as Assembleias familiares: 1) Maria, uma mulher do seu tempo; 2) Maria, a mulher que se entrega toda a Deus; 3) Maria, a mulher que se empenha a favor dos outros [celebração em casa]; 4) Maria, a mulher que escuta a Palavra de Deus; 5) Maria, a mulher que abre o seu coração ao espírito santo [celebração na igreja seguida de convívio]; 6) Maria, a mulher que caminha na fé; 7) Maria, uma mulher singular; 8) Maria, a Mãe de Deus; 9) Maria, mãe de Deus e mãe dos homens [celebração em casa]; 10) Maria e o sofrimento humano; 11) Maria, modelo da existência humana [celebração na igreja seguida de convívio]; 12) Maria, sinal de esperança para a humanidade; 13) Maria e o culto dos santos; 14) Maria e as devoções populares; 15) Maria e as aparições [celebração em casa]; 16) Maria e a piedade protestante 17) Maria, a mulher realizada [celebração na igreja seguida de convívio]. Cf. ARQUIDIOCESE DE ÉVORA. Plano Pastoral, 1995/96:11.

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depois centrou-se na Paróquia – Comunidade evangelizadora e a evangelizar. Das muitas acções e métodos levados a cabo foi dada particular relevância às assembleias Familiares, que durante cinco anos, estudaram e reflectiram diversos temas fundamentais da doutrina cristã: a Paróquia, Jesus Cristo, Os sacramentos, Os Mandamentos, O Credo. Ainda, as missões preparatórias da visita pastoral, os cursos de formação para Leitores, Acólitos, Ministros extraordinários da Comunhão e Orientadores de Celebrações dominicais na Ausência do presbítero; as peregrinações a Vila Viçosa e outras acções promovidas pelos Departamentos da Pastoral.

Avaliado e reflectido pelos responsáveis pelos Departamentos da pastoral em reunião mensal com o Prelado Diocesano foram definidas as linhas orientadoras a seguir nos próximos anos, tendo em mente os parâmetros teológico-pastorais da Iniciação Cristã, anteriormente definidos pela Arquidiocese. A continuidade do processo de evangelização e aprofundamento da fé; as planificações pastorais, com a duração de vários anos: a conciliação duma pastoral planificada com a proposta do papa João Paulo II. Na preparação para o terceiro milénio, propôs-se um plano com a duração de quatro anos com o título genérico de “A caminho do ano 2000”, definindo posteriormente um tema específico para cada ano.

O ano de 1996 é marcado pela comemoração dos 350 anos da proclamação de Nossa Senhora da Conceição como Padroeira de Portugal, e o facto de estar ligada ao Alentejo, mais concretamente à Arquidiocese de Évora levou a que o plano pastoral do ano de 1996-97, através das Jornadas Mariológicas, contribuísse para uma melhor e mais adaptada pastoral, no que respeita ao culto a Nossa Senhora. Num programa de História, Teologia e Pastoral, três vertentes em convergência, este projecto ganha contorno. As Jornadas Mariológicas mostraram como Maria é para os crentes, a partir dos dados bíblicos, da voz autorizada dos Santos Padres, da fé eclesial e dos pluriformes modos com que o culto popular a costuma venerar.

Estudar a piedade popular na Arquidiocese de Évora é imergir da alma do povo alentejano e ribatejano e tocar as fontes das correntes teológicas e da catequese dos séculos passados, nesta região de Portugal. Embora estas tivessem deixado de se ouvir, porque abafadas pelos mais diversos condicionalismos históricos, o seu eco ficou a ressoar na alma deste povo, através da devoção e piedade popular. Neste contexto, ao falarmos de religiosidade popular entendemos a maneira segundo a qual o cristianismo

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incarnou nas culturas e grupos étnicos diferentes e graças à qual se encontra radicada no povo como uma vivência profunda.

João Paulo II, em Fátima (1982) chamou a atenção dos Bispos portugueses, para a fé simples do povo, afirmando que quanto mais observava a fé do nosso povo, mais a admirava pelas raízes ancestrais que ela lançava na alma dessas gentes. Aconselhava a que o compromisso perante esta fé do nosso povo fosse o de reconhecê-la e apreciá-la; de respeitar as suas manifestações autênticas; de defendê-la contra os fermentos que a põem em risco; de reforçá-la libertando-a de eventuais elementos de crendice e superstição e dando-lhe mais conteúdo doutrinal. A este propósito também o Bispo da Arquidiocese de Évora, D. Maurílio de Gouveia, no ano seguinte, em 1983, numa homilia proferida na Festa do Senhor Jesus da Piedade, em Elvas, exalta a fé do povo, do Alentejo e Ribatejo, dizendo:

Ela encontra na fé cristã as raízes mais profundas da sua cultura e da sua vida individual, familiar, e colectiva. Qualquer pessoa, de espírito isento e não deformado por exigências ideológicas, facilmente o constata ao visitar as diversas comunidades e ao olhar para o seu modo de viver. Bastará recordar as procissões dos Passos, as festas de Nossa Senhora, as visitas aos Santuários, do Dia de Fiéis Defuntos, as celebrações do Natal, etc. É de toda a justiça realçar que a fé do Povo Alentejano não se perdeu. Ela mantém-se escondida à espera de quem a sopre, como se costuma fazer às brasas quase invisíveis, escondidas sobre as cinzas na lareira. Compete-nos a nós soprar estas brasas. Quer dizer, compete aos cristãos esclarecidos e praticantes, a começar pelos sacerdotes e religiosos, intensificar a evangelização e a catequização do povo cristão, levando-lhe a autêntica mensagem evangélica e tendo em conta a sua real situação religiosa”. (Eborensia 17-18: 175)

É profunda e rica a religiosidade do povo alentejano que não fica pela devoção a Nossa Senhora. Ela incarna no mistério de Cristo, abrangendo os diversos ciclos litúrgicos, dum modo especial do Natal e da Páscoa. É notória a “sementeira” de Santuários Marianos espalhados pela Arquidiocese e as Peregrinações e Festas que neles, regularmente, se realizam. Não vamos falar delas, vamos apenas recordar que o povo alentejano gosta muito de peregrinações e de procissões. A ele se pode aplicar o que diz o Documento de Puebla a respeito dos católicos latino-americanos:

O nosso povo ama as peregrinações. Nelas, o cristão simples celebra o gozo de sentir-se imerso no meio de uma multidão de irmãos a caminharem juntos para Deus que os espera. Tal gesto constitui um sinal sacramental esplêndido da grande missão concebida como Povo de Deus peregrino através da história que avança para o Senhor”. (Puebla, 454: 232)

Merece também destaque o facto de quem entra na casa das famílias alentejanas é raro, muito raro, não ver dependurado nas paredes um quadro figurativo de Nossa Senhora e, por vezes, vários, como manifestação de amor e devoção do povo por Maria

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Santíssima. Podem até não frequentar muito a igreja, mas a alma do povo está voltada para a Mãe de Deus. Muitos são, ainda, os homens que trazem na carteira alguma estampa de Nossa Senhora, como protectora e guia, a quem se recorre nas horas de aflição. Muita gente, ainda, reza todos os dias as suas orações, que aprendeu em criança, no regaço da mãe ou da sua avó ou até de uma madrinha. É o alimento espiritual diário que vem de geração em geração. É por uma e outras orações que o povo ia alimentando a sua fé, mantendo-se fiel a Deus e à sua Igreja, na simplicidade do seu coração, transmitindo-as de pais para filhos, passando-as de geração em geração, até hoje. Depende, em grande parte de nós, defendê-las, difundi-las, valorizá-las, incrementá-las. É bem verdade que se pode aplicar ao povo alentejano o aforismo teológico: Lex orandi,

lex credendi.

4. Bases para um ante-projecto de uma pastoral mariana: a pedagogia

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