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N ão se pesquisa antes para depois pensar/ler/escrever.

4.3 Aporte teórico para a construção do diálogo

i) A matemática e a tradição Kaingang: em busca de significados A compreensão de que as práticas e a produção de conhecimentos matemáticos ocorrem em todas as culturas humanas é um dos esteios deste trabalho. Concordo com Vergani (2007), quando aponta que o conhecimento matemático adquire validade à medida que se integra, localmente, em um grupo de indivíduos. A “universalidade” desse conhecimento é relativizada pelo crédito – pragmático e científico – que a comunidade lhe atribui. A matemática faz parte do diálogo vital que o homem teve (e tem) com o meio.

Considerando que as relações dos povos indígenas com a sociedade majoritária são marcadas historicamente pela dominação, pela tentativa de apagamento da história e da tradição, bem como a necessidade emergente da reestruturação e do fortalecimento dessas raízes, a pesquisa tem aporte na linha investigativa da Etnomatemática63.

No que se refere à Etnomatemática, D’Ambrósio (1994) coloca que a matemática é geralmente concebida como a ciência dos números e das formas, das relações e das medidas, das inferências, e essas categorias do pensamento aparecem em todas as culturas, como manifestações de modos, de maneiras e estilos de explicar, de conhecer, de lidar com a realidade. E ainda, cada contexto natural e sociocultural (cada etno - raiz grega etno com seu sentido mais amplo que é cultura) dá origem, estimula diferentes modos, maneiras, técnicas (diferentes ticas - raiz grega techné) de explicar, de entender, de compreender, de manejar e de lidar com esse entorno natural e sociocultural (de matema, a raiz grega matemata, cujo significado é explicar, entender, conhecer). São diferentes formas de conhecimento às quais chamamos de etnomatemáticas.

Vários estudos são dedicados para o reconhecimento e a aceitação das diferentes formas de explicar e conhecer a realidade por parte dos grupos indígenas, bem como a importância da formação do professor que faz parte desse processo educativo. No Brasil, quero destacar os estudos de D’Ambrósio64 (1994), Gazzetta65 (1997),

63 Nesse trabalho, etnomatemática será grafada com inicial minúscula quando se tratar de uma

matemática contextualizada histórico-culturalmente e, com letra maiúscula, quando se tratar de linha ou programa de pesquisa, resguardando a utilização dada pelos autores em citações e paráfrases.

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D’AMBRÓSIO, Ubiratan. A etnomatemática no processo de construção de uma escola indígena, 1994.

Ferreira66 (1998), Scandiuzzi67 (2000, 2001), Amâncio68 (2002), Bello69 (2002), Sebastiani Ferreira70(2004), Gerdes71 (2002), Ribeiro e Ferreira72 (2006) e Melo73 (2007), todos empenhados em compartilhar o processo coletivo e holístico da construção de conhecimentos, um dos elementos fundamentais que constituem o paradigma da Etnomatemática.

No campo da formação do professor indígena, destaco os trabalhos de D’Angelis 74 (2003), Matos75 (2006), Rodrigues, Ferreira e Domite76 (2008) e Domite77 (2010).

De acordo com Barton (2006), pesquisador da Nova Zelândia, os três escritores considerados em mais detalhes acerca da etnomatemática são Ubiratan D’Ambrósio no Brasil, Paulus Gerdes em Moçambique e Marcia Ascher na América do Norte. D’Ambrósio (1999, 2003, 2004, 2005, 2008) é o mais fecundo dos atuais escritores, sendo sua influência detectável em quase todos os outros textos da área.

65 GAZZETTA, Marineusa Projeto Tucum: Um Programa de Formação de Professores

Indígenas para o Magistério, 1997.

66 FERREIRA, Mariana Kawall Leal. Madikauku : os dez dedos das mãos - matemática e

povos indígenas no Brasil, 1998.

67

SCANDIUZZI, Pedro Paulo. Formação de professores indígenas x etnomatemática, 2000.

______. Educação indígena x educação escolar indígena: uma relação etnocida em uma pesquisa etnomatemática, 2001.

68 AMANCIO, Chateaubriand Nunes. Sobre a numeração kaingang, 2002. 69

BELLO, Samuel Edmundo López. Etnomatemática no contexto Guarani-Kaiowá: reflexões para a educação Matemática, 2002.

70 SEBASTIANI. FERREIRA, Eduardo Os índios Waimiri-Atroari e a etnomatmática,

2004.

71 GERDES, Paulus. Aritmética e ornamentação geométrica: a análise de alguns cestos de

índios do Brasil, 2002.

72 RIBEIRO, José Pedro M; FERREIRA, Rogério. Educação escolar indígena e

etnomatemática: um diálogo necessário, 2006.

73 MELO, Elisângela A. Pereira de. Investigação etnomatemática em contextos indígenas:

caminho para reorientação da prática pedagógica. 2007.

74

D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. Propostas para a formação de professores indígenas no Brasil. 2003.

75 MATOS, Kleber Gesteira. Novos enfoques do ensino da matemática e na formação de

professores indígenas, 2006.

76 RODRIGUES, Maximino, FERREIRA, Rogério e DOMITE, Maria do Carmo Santos. A

formação de professores e suas relações com cultura e sociedade: a educação escolar indígena no centro das atenções, 2009.

77 DOMITE, Maria do Carmo Santos. The encounter of non-indigenous teacher educator

Gerdes (2002, 2007) apresenta um trabalho tanto prático quanto politicamente explícito, principalmente no que se refere à matemática da cultura material africana - desenvolvida em Moçambique - e à reflexão sobre matemática e diversidade cultural. A estado-unidense Ascher (1991) discute matemática cultural, tem pesquisas com grupos indígenas australianos, com Incas e com povos nativos da Nova Zelândia. Na América do Norte tem ainda destaque o trabalho de Frankenstein e Powel (1997) que apontaram como características da matemática escolar as marcas de eurocentrismo, de branquidade, da classe média e de masculinidade.

No cenário da educação escolar, evidencio a Etnomatemática como ação pedagógica, busco então em Knijnik (2006) os pressupostos na “Abordagem Etnomatemática”, expressão que a autora usa para designar a investigação das tradições, das práticas e das concepções matemáticas de um determinado grupo social e o trabalho pedagógico que se desenvolve com o objetivo de que o grupo interprete e decodifique seu conhecimento, adquira aquele produzido pela matemática acadêmica78 e estabeleça comparações entre esses conhecimentos, analisando as relações de poder envolvidas no uso deles. ii) Diversidades e conflitos culturais: o papel social da matemática

Nesse contexto, há necessidade de uma educação escolar indígena que oportunize o acesso a determinados conhecimentos matemáticos, acumulados pela humanidade, e a valorização de práticas e saberes matemáticos tradicionais, no caso, do povo Kaingang da região em estudo. Porém, é preciso refletir em que medida essas matemáticas contribuem para a vivência globalizada desses sujeitos, num processo permeado por profundas mudanças no seu contexto social, cultural, político e econômico.

É necessário permitir aos estudantes refletirem sobre a realidade em que vivem, bem como desenvolver e usar a matemática de uma maneira emancipatória, o que significa assumir uma postura crítica, segundo Skovsmose (2008), reconhecer a natureza crítica da educação matemática e o seu desenvolvimento como suporte para a democracia, que é um pressuposto da Educação Matemática Crítica - EMC. Para Skovsmose: “Uma educação crítica não pode ser simples prolongamento da relação social existente. Não pode ser um acessório das desigualdades que prevalecem na sociedade. Para ser crítica, a educação deve reagir às contradições sociais.” (2001, p.101).

De acordo com Skovsmose (2008) a inspiração teórica para a educação crítica vem de diferentes fontes, mas, especificamente, das ideias de Paulo Freire - a noção de diálogo proposta por ele foi fundamental na caracterização de processos educacionais que têm um objetivo emancipatório. A outra fonte está nos estudos da Teoria Crítica, elaborada pela Escola de Frankfurt e nos estudos da Etnomatemática, propostos por Ubiratan D’Ambrósio. Segundo Araújo (2007), apesar de uma das raízes da EMC ser a Teoria Crítica, as ideias da EMC são elaboradas quando as discussões de Freire e da Etnomatemática são a ela incorporadas.

Marcelo Borba, no prefácio do livro Educação Matemática Crítica – a questão da democracia (SKOVSMOSE, 2001), apresenta a EMC como um movimento questionador sobre a Educação Matemática, que iniciou na década de 80, sendo desenvolvido a partir dos posicionamentos de diversos autores, destacando: Marilyn Frankesntein e Arthur Powell nos Estados Unidos, Paulus Gerdes e John Volmink, na África do Sul, Munir Faseh, na Palestina, Ubiratan D’Ambrosio, no Brasil, Stieg Mellin-Olsen, na Suécia e o próprio Ole Skovsmose, na Dinamarca.