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Possibilidades educacionais em Educação Matemática Crítica: um convite

N ão se pesquisa antes para depois pensar/ler/escrever.

V O CAMINHO TEÓRICO: CULTURA, DIVERSIDADE E O PAPEL SOCIAL DA MATEMÁTICA

5.7 Possibilidades educacionais em Educação Matemática Crítica: um convite

O ensino efetivado atualmente na escola caracteriza-se por se preocupar mais com a variedade e quantidade de noções/conceitos/informações do que com a formação do pensamento reflexivo, daí esse ensino ser caracterizado pelo verbalismo do mestre e pela memorização do aluno. As tarefas de aprendizagem quase sempre são padronizadas, o que implica poder recorrer à rotina para conseguir a fixação de conteúdos/informações, desconsiderando os fatos que estão ocorrendo no meio em que o aluno está vivendo, que poderiam ser trabalhados e explorados com o conteúdo estudado.

Skovsmose (2008) descreve, a partir das observações de Tony Cotton (1998) em salas de aula inglesas, que a aula de matemática é dividida em duas partes: primeiro o professor apresenta algumas ideias ou técnicas matemáticas, depois os alunos trabalham com exercícios selecionados. Não é difícil verificarmos que esses procedimentos ocorrem na maioria das aulas de matemática, enquadradas numa “educação tradicional”91. De acordo com Barbosa:

Silva (1993) caracteriza o ensino tradicional de matemática em termos:

- epistemológicos: o conhecimento é descoberto por aqueles que “produzem” matemática;

- psicológicos: o aluno aprende vendo e o professor ensina mostrando;

- didáticos: é mais fácil aprender a partir da própria estrutura matemática;

- pedagógicos: aprova-se quem “aprende” o que o professor mostrou;

- políticos: seleciona os que se adaptam a este sistema. (2001, p.1).

Consiste numa aula na qual a postura didática do professor é a de explicador, detentor do conhecimento. Uma relação educando - educador que Freire caracteriza como fundamentalmente narrativa ou dissertativa: “Narração de conteúdos que, por isso mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se de algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica

91 O termo educação tradicional é utilizado para representar um modelo de ensino basicamente

tecnicista, distinto de “matemática tradicional” que se refere ao conhecimento matemático de um grupo culturalmente distinto.

um sujeito – o narrador – e objetos pacientes, ouvintes – os educandos.” (FREIRE, 2005, p.65).

Em relação aos exercícios, os problemas com os quais os alunos trabalham são compostos por uma matemática elaborada, pronta e acabada. Para Skovsmose: “Geralmente, o livro didático representa as condições tradicionais da prática de sala de aula. Os exercícios são formulados por uma autoridade externa à sala de aula. Isso significa que a justificativa da relevância dos exercícios não é a parte da aula de matemática em si mesma.” (2008, p.15)

Trabalhar dessa forma enriquece ainda mais a concepção de que a matemática é fechada e intocável, e o mais relevante é o resultado encontrado, independente da análise dos processos de desenvolvimento. O professor é o “controlador” dos processos de ensino e de aprendizagem. Essa forma de ensino e de aprendizagem é denominada por Skovsmose (2008) de Paradigma do Exercício.

Paulo Freire critica esse processo, no qual predomina o discurso e a prática na qual o sujeito da educação é o educador, sendo os educandos como vasilhas (baldes) a serem cheias: o educador/narrador deposita comunicados, informações e conteúdos, que estes recebem e memorizam mecanicamente. Um processo que propõe uma relação vertical: o saber é dado, fornecido de cima para baixo, e autoritária, pois manda “quem sabe”. Esse tipo de educação pressupõe um mundo harmonioso, no qual não há contradições, daí a conservação da ingenuidade do aluno (oprimido), que como tal se acostuma e acomoda no mundo conhecido (o mundo da opressão).

Para contrapor o paradigma do exercício, Skovsmose (2008) propõe o Cenário para Investigação, um espaço onde os alunos não são submetidos a atividades lineares cujo objetivo principal é o resultado, mas atividades nas quais terão que criar e investigar, sendo que a resolução pode se dar de diferentes formas, pois o que importa mesmo é o caminho de reflexão e de discussão construído até chegar o resultado e não o resultado em si.

Segundo Silva (2007), para Skovsmose os processos de ensino e de aprendizagem da matemática podem ser desenvolvidos numa perspectiva social e política, que “não tem como objetivo ensinar os alunos a usarem modelos matemáticos, mas antes, questionar o porquê, o como, o para quê e o quando dessa utilização matemática associada aos modelos reguladores da sociedade global em que vivemos”. (SILVA, 2007, p.51)

Skovsmose apresenta a noção de ambiente de aprendizagem para se referir às condições nas quais os alunos são instigados a desenvolverem determinadas atividades. A palavra “ambiente” significa lugar ou espaço que cerca, envolve. O ambiente de aprendizagem é proposto pelo professor, que pode apenas fazer o convite, pois o envolvimento dos alunos ocorre na medida em que seus interesses se encontram com o mesmo, busca estabelecer relações com outras áreas do conhecimento e o dia a dia, trazendo situações que podem ser trabalhadas de diversas maneiras, utilizando ideias e diferentes algoritmos. Nesse caso, o convite está se referindo a indagação e investigação.

Segundo Barbosa (2001), a indagação não se limita à explicitação do problema, mas é uma forma de possibilitar o processo de resolução. A indagação vai além da formulação ou compreensão de um problema, relacionando os conhecimentos de matemática. A investigação se dá através da busca, seleção, organização e manipulação de informações. É um processo que não possui procedimentos anteriores, podendo utilizar-se de estratégias informais e até mesmo da intuição.

O que o professor deveria ensinar - porque ele próprio deveria sabê-lo – seria, antes de tudo, ensinar a perguntar. Porque o início do conhecimento, repito, é perguntar. E somente a partir de perguntar é que se deve sair em busca de respostas e não o contrário: estabelecer as respostas, com o que todo o saber fica justamente nisso, já está dado, é um absoluto, não cede lugar à curiosidade nem a elementos para o descobrir. O saber já está feito, este é o ensino. (FREIRE & FAUNDEZ, 1998 p.46)

Indagação e investigação são processos inseparáveis uma vez que se o aluno não tem as informações sobre o problema, não tem como indagá-lo e vice-versa. São atividades que requerem dos alunos uma participação ativa e cabe ao professor a responsabilidade de integrá-los de forma que estes se sintam convidados a participarem da atividade.

Propor um ambiente de aprendizagem para a superação do paradigma do exercício apresenta novos desafios para o educador:

Mover-se do paradigma do exercício em direção ao cenário para investigação pode contribuir para o enfraquecimento da autoridade da sala de aula tradicional de matemática e engajar os alunos

ativamente em seus processos de aprendizagem. Mover-se da referência à matemática pura para a referência à vida real pode resultar em reflexões sobre a matemática e suas aplicações (...) caminhar entre os diferentes ambientes de aprendizagem pode ser uma forma de engajar os alunos em ação e reflexão e, dessa maneira, dar à educação matemática uma dimensão crítica. (SKOVSMOSE, 2000, p. 66).

O movimento proposto exige que o educador saia de sua “zona de conforto” para uma concepção problematizadora de educação, uma “zona de risco”, onde se constroem relações dinâmicas, envolvendo de forma ativa professor e aluno, que é convidado a indagar e/ou investigar. De acordo com Penteado e Skovsmose (2008), a zona de conforto é um lugar simbólico onde tudo é conhecido e controlável, na qual a situação educativa mostra um alto grau de previsibilidade tanto para alunos quanto para professores. Zona de risco se contrapõe a zona de conforto.

Penso que as mudanças almejadas pelo grupo de professores indígenas kaingang que ensinam matemática se tornam possibilidades na medida em que eles conseguem adentrar para um cenário para investigação, abrindo espaços para ação e para reflexão - uma importante noção para qualquer tipo de educação matemática crítica, em que o importante é o caminho de reflexão e discussão percorrido, e não somente o resultado em si.

É nessa perspectiva que vejo uma educação na qual os professores e estudantes indígenas possam de fato ser sujeitos dialógicos no ato de aprender, com seu contexto, seus saberes e sua história e, assim, mobilizarem-se para ter uma posição crítica no mundo, a partir dos diferentes conhecimentos matemáticos. Foi a partir da compreensão e do diálogo com esses elementos que me permiti definir com mais precisão o objetivo de meu estudo, bem como o delineamento da pesquisa proposta. Dessa forma, descrevo no próximo capítulo a construção da questão diretriz, a metodologia e os procedimentos adotados, assim como os sujeitos e o contexto da pesquisa.