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A compreensão do processo dinâmico de aprendizado tecnológico de uma dada empresa ou setor é essencial porque em geral, as mudanças tecnológicas ocorrem na firma. Estas desenvolvem sua capacidade tecnológica por meio de esforços internos, intensificados pelas interações com as instituições nacionais e estrangeiras, limitadas pelos regulamentos vigentes e estimuladas pelos incentivos governamentais num ambiente tecnológico global mutável (CORIAT; WEINSTEIN, 1995).

Na literatura o conceito de aprendizagem compreende um processo cumulativo através do qual as empresas ampliam seus conhecimentos, aperfeiçoam seus procedimentos de busca e refinam suas habilidades em assimilar, desenvolver, produzir e comercializar bens ou serviços. É desse modo o processo que permite a empresa acumular capacitação tecnológica ao longo do tempo.

A firma, em tal abordagem é compreendida como uma entidade que acumula capital de conhecimento específico. O resultado da atividade de aprendizado é um conhecimento melhor e mais completo das características das tecnologias de produto e do processo produtivo e que consiste na introdução de modificações, melhoramentos e inovações incrementais nos produtos e processos existentes. O aprendizado no âmbito da firma, segundo Malerba (1988), é finalizado em nível de P&D, design, engenharia, produção, organização e

marketing. Talvez o corolário mais importante desta visão é que, no longo prazo, existe uma

relação entre aprendizado, conservação do conhecimento acumulado e capacidade tecnológica da empresa.

Malerba (1997) identifica algumas características básicas do processo de aprendizado tecnológico que devem ser consideradas na análise do fenômeno. Em primeiro lugar, o aprendizado é visto como "processo orientado" que envolve um custo particular, sendo realizado no interior da firma a partir da mobilização de diversas instâncias organizacionais e da definição de uma estratégia particular que define as principais direções dos esforços de capacitação dos agentes. Em segundo lugar, o aprendizado tecnológico articula-se com diferentes fontes de informação, que tanto podem ser internas como externas à firma.

Em terceiro lugar, o aprendizado é visto como processo intertemporal e cumulativo, que amplia continuamente o estoque de conhecimentos da firma, diferenciando-a de outros agentes. Em quarto lugar, este aprendizado viabiliza não apenas a incorporação de inovações incrementais, relacionadas à maior eficiência dos processos produtivos, mas também à

exploração de novas oportunidades produtivas e tecnológicas, possibilitando a expansão para novos mercados, a partir da exploração de níveis de sinergia em relação aos produtos gerados e às técnicas previamente empregadas (MALERBA, 1997).

Observa-se, também, que o aprofundamento dos mecanismos de aprendizado requer um upgrading das competências e qualificações dos agentes envolvidos no processo, o que se aplica tanto aos profissionais diretamente envolvidos na linha de produção como às diversas instâncias organizacionais das firmas envolvidas (incluindo uma série de ajustes em suas rotinas). Adicionalmente, o aprofundamento do aprendizado implica um intenso intercâmbio de informações entre os agentes envolvidos. No que se refere a este aspecto, é possível diferenciar os tipos de informações em produtivas, gerenciais, mercadológicas, tecnológicas e outras.

Quanto às fontes de informação para o aprendizado da firma, a literatura predominante faz referência basicamente a dois tipos de fontes quais sejam as fontes internas, de caráter intrínseco e de competência da firma e as fontes externas, que abrangem tanto o nível nacional quanto internacional.

As fontes de aprendizado interno à firma são desenvolvidas como um subproduto das operações produtivas por meio da experiência. Segundo Kim e Nelson (2005), quanto mais experiência adquirem as firmas, mais capazes elas se tornarão de desempenhar as atividades que foram iniciadas por elas. Além disso, a experiência de produção permite que elas reconheçam e explorem novas informações relevantes para determinados métodos de produção, buscando melhorar seus próprios processos. Essas fontes internas são representadas pelas principais funções da firma, como: gestão, produção, vendas e marketing, P&D e engenharia.

Segundo Rosemberg (2006), os principais tipos de aprendizado interno são o aprendizado pelo uso (learning-by-using) relacionado à implementação pela firma de novas tecnologias, incorporadas em bens da capital; o aprendizado por experiência (learning-by-

doing) vinculado ao processo produtivo da empresa e completando o aprendizado por

pesquisa ou busca (learning-by-searching) que se refere a atividades expressamente dirigidas à criação de novos conhecimentos (ROSEMBERG, 2006).

O custo crescente no desenvolvimento de novas tecnologias, a multidisciplinaridade de novos conhecimentos e a natureza sistêmica e complexa de novos produtos e processos sugerem que o aprendizado interno deve ser cada vez mais vinculado a aprendizados externos, o que ocorre a partir do entendimento de que a inovação é de fato um processo interativo,

resultado de diferentes articulações entre agentes, empresas e instituições.

As fontes de aprendizado externo requerem que a empresa possua significativa capacitação tecnológica para poder adquirir, assimilar e aperfeiçoar o conhecimento obtido fora de suas instalações o que ocorre através das dinâmicas de relação da firma com os demais agentes que o cercam, sejam de caráter produtivo ou não (KIM; NELSON, 2005).

Desse modo, segundo Malerba (1988), as principais formas tomadas pelo aprendizado externo referem-se ao learning-by-imitating, aprendizado por imitação, que surge a partir da reprodução de inovações introduzidas por outra firma, o learning-by-interacting, aprendizado por interação, obtido através do relacionamento com clientes e fornecedores ao longo da cadeia produtiva e o learning-by-cooperating, aprendizado por cooperação resultado de processos colaborativos com empresas concorrentes. Com relação ao aprendizado por interação e o aprendizado por cooperação, tratam-se de processos estruturados e organizados por firmas e destas com outras organizações, em particular as universidades e instituições de pesquisa, que participam desses projetos cooperativos via learning from advances em P&D, ou seja, processos de pesquisa em P&D (MALERBA, 1988).

A crescente importância do conhecimento para os processos competitivos tem chamado a atenção para as condições de interatividade entre os agentes nos processos de aprendizagem, destacando sua natureza sistêmica e dependente das relações sociais nos espaços onde as empresas estão inseridas. Por trás de tal análise está a ideia central de que a inovação é um processo interativo de natureza social (LUNDVALL, 1993). A interação ocorre em três diferentes níveis: interação entre as diferentes fases do processo inovativo; interação entre diferentes departamentos da mesma empresa; e interação entre organizações. Em cada um destes níveis, atores e indivíduos se comunicam e cooperam. Estas características do processo inovativo têm levado a um crescente interesse com relação a um entendimento dos processos interativos e na forma como eles atuam no sentido de reforçar o aprendizado nas firmas (LUNDVALL, 1993).

Na medida em que as capacitações tecnológicas e organizacionais dificilmente podem ser codificadas de maneira clara e objetiva, a transmissão dos conhecimentos nelas baseados costuma ser problemática. Nestas circunstâncias, a viabilização do processo inovativo muitas vezes requer uma interação direta e sistemática entre agentes transmissores e receptores de informações. Lundvall (1993) sintetiza este tipo de visão ao ressaltar que, em ambientes de rápido progresso técnico, o desenvolvimento, a introdução e a difusão de inovações costumam assumir a forma de um processo “interativo” de aprendizado, baseando-se num intercâmbio

contínuo de informações entre produtores e usuários que altera permanentemente as capacitações dos agentes.

A ênfase na interação diz respeito às condições de contexto em que as firmas estão inseridas, facilitadas pela proximidade entre os agentes. A proximidade na “aprendizagem localizada” possui dimensões espaciais como a vertical (da qual resulta o learning-by-

interacting, pela relação entre as empresas de diferentes elos da cadeia), a horizontal (que

possibilita o learning-by-monitoring, pela observação e comparação) e a social, de natureza informal pela presença de hábitos e valores comuns (LUNDVALL, et al., 2001).

Nesse processo de interação entre os agentes, o trio firma-cliente-fornecedor constitui um dos maiores vetores do processo de inovação na firma. As relações deste trio dependem tanto das relações de mercado (transações mercantis) quanto das relações fora do mercado (troca de informações, participação em operações coletivas, relações que não envolvem dinheiro, contato com instituições científicas, instituições que promovem o saber fazer regional, associações de promoção de atividades e outros). A partir do detalhamento dessa conformação institucional que estimula o aprendizado coletivo em escala local, decorrem as diversas dimensões dos processos de aprendizado.

A primeira dimensão, cuja importância é particularmente ressaltada na análise de Lundvall et al. (2001), é o desenvolvimento de recursos humanos em escala local, o que decorre em investimentos pesados em educação de base para a população, na qualificação técnica da mão-de-obra, nas características estruturais do mercado de trabalho que favorecem ou dificultam a qualificação daqueles recursos e nos procedimentos utilizados pelas próprias firmas para obtenção de uma melhoria de sua mão-de-obra.

Uma segunda dimensão dos processos de aprendizado que ocorrem ao nível local refere-se à disseminação de mecanismos informais de aprendizado que possibilitam um incremento das competências e dos níveis de eficiência dos agentes integrados aos arranjos institucionais. O aprendizado informal refere-se à circulação e à disseminação de conhecimentos no interior destes, a partir do qual é possível reduzir os lags de inovação entre seus componentes.

Do mesmo modo, é possível considerar diversos tipos de efeito spill-over, relacionados à consolidação desses arranjos. Em especial, as evidências demonstram que a consolidação de aglomerados industriais amplifica a capacidade de geração desses efeitos, seja devido ao aumento da capacidade de absorção de conhecimentos pelas firmas integradas, seja devido à compatibilização dos padrões cognitivos e dos procedimentos de busca adotados

pelos agentes. Esse efeito spill-over pode ser reforçado em função da consolidação de códigos de conduta que favorecem a cooperação, bem como em função da existência de canais sistemáticos de interligação entre os diversos agentes integrados nas aglomerações industriais. Esse intercâmbio possibilita também a disseminação de procedimentos operacionais relativos à organização dos processos produtivos, associados à adoção de modernas técnicas organizacionais (LUNDVALL et al., 2001).

A terceira dimensão refere-se especificamente à consolidação de mecanismos formais

de aprendizado que resultam numa intensificação do ritmo pelo qual inovações tecnológicas

de produto e processo são introduzidas em escala local. Esses mecanismos formais de aprendizado baseiam-se na criação de conhecimentos tecnológicos intencionalmente desenvolvidos em cooperação. A criação desses conhecimentos está relacionada à construção de espécie de divisão de trabalho para as atividades de P&D realizadas localmente pelos diversos agentes integrados a estes arranjos. A disseminação de práticas cooperativas em atividades de P&D reduz os riscos inerentes à realização de um esforço tecnológico particularizado, permitindo aos agentes focalizar este esforço na direção de áreas que lhes parecem mais promissoras, bem como reduzindo os custos e o tempo do processo de P&D. De acordo com a diversidade de competências que necessitam ser integradas em escala local, o processo de P&D pode assumir um caráter interdisciplinar mais nítido, envolvendo não apenas uma divisão de tarefas entre firmas industriais (de base tecnológica e/ou dos setores usuários), mas também interconexões com a infraestrutura científica e tecnológica.

A quarta dimensão trata da natureza específica das estratégias tecnológicas implementadas localmente. Assume-se, quanto a este aspecto, que a direção e a intensidade das estratégias tecnológicas implementadas pelos agentes afetam os processos de aprendizado de duas formas fundamentais. Por um lado, o próprio processo de socialização de conhecimentos em escala local facilita com que sejam reproduzidas por outros agentes distintos daqueles que as introduziram originalmente. Por outro lado, a necessidade das firmas terem acesso a competências complementares para viabilizar a implementação de estratégias tecnológicas mais agressivas também reforça a importância da disseminação de práticas cooperativas em escala local. O intercâmbio de informações entre agentes também favorece uma maior coordenação das estratégias tecnológicas, fazendo com que conhecimentos gerados tendam a estar mais bem calibrados em relação às necessidades das firmas inseridas no ambiente.

3 AS FONTES DO DESENVOLVIMENTO NA PERSPECTIVA EVOLUCIONÁRIA