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5 UMA ANÁLISE DAS OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM VIABILIZADAS PELA COMUNIDADE DE PRÁTICA OEM-BA

5.2 A Aprendizagem à luz da Teoria Social de Etienne Wenger

A aprendizagem é um fenômeno social que está inerente à natureza humana, ocorrendo em diferentes comunidades de que os sujeitos participam ao longo da vida (WENGER, 1998). Essa noção de aprendizagem não se restringe a instituições escolares ou acadêmicas, nem tampouco a processos cognitivos, mas se aproxima de uma perspectiva experimental e relacional mais focada nas práticas sociais.

Para Wenger (1998), a prática é um componente essencial dessa teoria, que ajuda a explicar a aprendizagem e, particularmente, como o conhecimento é desenvolvido e aprofundado nas comunidades. Segundo o teórico, o conceito de prática refere-se a fazer algo em um contexto histórico, cultural e social que atribui uma estrutura e significado ao que será feito. Nessa perspectiva, o conhecimento não é situado no sujeito, mas na prática da(s) comunidade(s) de que os sujeitos participam.

É por meio da prática que os membros compartilham repertórios, buscam desenvolver empreendimentos significativos para aquela comunidade, se comprometem e se engajam, a fim de aprofundar conhecimentos ou expertise numa área local ou até mesmo global que diferencia ou tangencia a comunidade de outras existentes. Todas essas dimensões possibilitam aprendizagem, pois ela é consequência das características da prática da comunidade.

A aprendizagem também resulta das características da comunidade, pois é a partir dela que os sujeitos reconhecem uns aos outros como membros pertencentes àquela comunidade e constroem relações entre si, sejam de paz ou conflito, de amor ou de ódio, de colaboração, de cooperação, de poder e etc. Em outras palavras, a aprendizagem é consequência de “pertencer a” ou “ser membro de” uma CoP. Além das características da prática e da comunidade, Wenger (1998) explicou a aprendizagem por meio de outros componentes, como a identidade e o significado.

A identidade é tanto pessoal quanto social, pois é “uma forma de falar sobre como a aprendizagem muda quem somos e cria histórias pessoais de transformação no contexto de nossas comunidades” (WENGER, 1998, p.5). Nesse caso, a aprendizagem é vista como fonte de identidade, a partir das trajetórias que são percorridas dentro e entre as comunidades a que pertencemos. Assim como a identidade é contínua, a aprendizagem também é contínua e conecta o presente, o passado e o futuro. Nas palavras do teórico, o paralelo entre aprendizagem e identidade permite olhar a aprendizagem como “transformar-se”.

Já o significado é “uma forma de falar de nossa capacidade (de mudar) − individualmente e coletivamente − de experimentar nossa vida e o mundo como algo significativo” (WENGER, 1998, p.5). Nessa perspectiva, o significado está associado à experiência, pois se entende que, à medida que os membros se envolvem em situações novas ou rotineiras da CoP, eles produzem significados que ampliam ou modificam tal experiência. O ato de experienciar algo de maneira coletiva na CoP fez com que o teórico argumentasse que o significado está situado em um processo denominado de negociação de significados.

Para Wenger (1998), a negociação de significados supõe não somente interpretação e ação, como supõe a interação de dois outros processos, tais como: a participação e a reificação. A participação refere-se a um processo de ação e conexão que envolve a pessoa como um todo na inserção, envolvimento, compromisso e reconhecimento mútuo, a fim de desenvolver a prática da comunidade. Já a reificação refere-se tanto a um processo de dar forma à experiência quanto a um produto que transforma essa experiência em alguma coisa. Embora sejam vistos pelo teórico como processos distintos, são entendidos como processos complementares e indissociáveis.

No que tange à participação, Wenger (1998) aponta que os membros podem participar de formas diferentes na CoP. Com o objetivo de ilustrar isso, o autor apresenta quatro formas possíveis de participação, a saber: participação plena, não participação, participação periférica e participação marginal.

A participação plena caracteriza-se pelo envolvimento ativo e compromisso com a CoP, sendo necessário que o sujeito se reconheça, e também os demais, como membros daquela comunidade, à medida que se identificam com a prática da mesma. De maneira contrária, a não participação caracteriza-se como uma “pessoa de fora”, ou seja, a falta de compromisso, envolvimento e reconhecimento mútuo faz com que o sujeito não se identifique com a prática e nem se torne membro atuante na CoP. No entanto, para Wenger (1998), as trajetórias em uma Comunidade de Prática podem impulsionar mudanças nas formas de

participação, e, independentemente disso, ambas oportunizam aprendizagem aos membros na CoP.

A não participação é uma fonte de participação, cuja interação entre elas pode resultar em duas formas, a saber: participação periférica e participação marginal (WENGER, 1998). A participação periférica caracteriza-se por uma participação possibilitada pela não participação, cuja trajetória pode conduzir a uma participação plena ou a permanência numa participação periférica. Segundo Wenger (1998), nessa periferialidade, faz-se necessário certo grau de não participação para possibilitar uma participação menor que a plena.

Por sua vez, a participação marginal caracteriza-se por uma participação limitada pela não participação, a qual impede uma participação plena. No caso da marginalidade, a trajetória pode conduzir a uma não participação ou a uma posição marginal. Wenger (1998) destaca que essas conduções não são estáticas e lineares, mas mutáveis a partir da interação entre a participação e a não participação. Dessa maneira, a participação marginal impossibilita a participação plena, mas não impede que uma mudança na trajetória aconteça, desencadeando outras formas de participação, como a periférica, a fim de alcançar a plenitude. Assim como a participação plena e a não participação oportunizam aprendizagem aos membros, a participação periférica e a marginal também conduzem para esse fim.

No âmbito das pesquisas em Educação Matemática, Tinti e Manrique (2017) realizaram uma análise de seis estudos (dissertações e teses) vinculados ao OBEDUC, os quais utilizaram a Teoria Social da Aprendizagem, de Wenger (1998), a fim de compreender aprendizagem docente em contextos formativos com professores que ensinam matemática. Dentre os seis estudos mapeados, três estão atrelados ao “Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Formação de Professores que Ensinam Matemática”, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), sob a coordenação da professora Dra. Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino, e os demais estudos estão associados ao “Grupo de Pesquisa Professor de Matemática: formação, profissão, saberes e trabalho docente”, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cuja coordenação perpassou por vários pesquisadores, mas, atualmente, está sob a responsabilidade das professoras Dra. Ana Lúcia Manrique e Dra. Maria Cristina Souza de Albuquerque Maranhão.

Os estudos de Rocha (2013), Garcia (2014) e Oliveira (2014) desenvolveram a investigação na mesma CoP, vinculada à UEL, enquanto que os estudos de Silva (2015), Barros (2016) e Tinti (2016) se desenvolveram na mesma CoP, vinculada à PUC-SP. Tinti e Manrique (2017) concluíram que, embora tais pesquisas investigadas tenham sido desenvolvidas em CoPs diferentes, os estudos indicam que os membros se sentiram motivados

a aprender e a compartilhar experiências diversas. Além disso, os autores apontaram que contextos como esses são frutíferos, ao permitir a inserção de professores em espaços formativos que os considerem como protagonistas de sua formação e de sua aprendizagem.

Podemos acrescentar o estudo de Lucena (2014) a esse rol de pesquisas, mapeadas por Tinti e Manrique (2017), ao investigar a aprendizagem docente utilizando a mesma perspectiva teórica. Esse estudo corresponde a uma dissertação, cujo contexto foi o Observatório da Educação Matemática (OEM-BA), sediado na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Entretanto, diferentemente dos estudos citados linhas atrás, esse identificou o OEM-BA como um grupo colaborativo, em vez de analisá-lo ou identificá-lo como uma CoP.

Ao utilizar a entrevista como o único procedimento de produção de dados, Lucena (2014) analisou relatos de aprendizagens de oito professores da Educação Básica que participaram do OEM-BA. Seus resultados sugerem que os professores relataram aprendizagens referentes ao OEM-BA e aprendizagens relativas ao exercício da docência. Em relação à primeira, o autor construiu três categorias analíticas, tais como: aprendizagem discursiva (mudanças nos aspectos discursivos dos professores); aprendizagem interativa (mudanças na interação entre os membros) e aprendizagem experiencial (mudanças relacionadas às experiências docentes). Já em relação ao exercício da docência, o autor construiu duas categorias analíticas, a saber: aprendizagem de planejamento (mudanças no ato de planejar as aulas de matemática) e aprendizagem de gestão de sala de aula (mudanças na condução de aulas de matemática).

O contexto do estudo de Lucena (2014) corresponde ao mesmo contexto desta pesquisa. Aqui, contudo, analisamos e assumimos o OEM-BA como uma CoP, articulamos a aprendizagem não apenas a mudanças nas formas de participação, mas também a outros conceitos teóricos, bem como analisamos as oportunidades de aprendizagem para professores que ensinam matemática na Educação Básica, ampliando para outros membros que estão envolvidos, como, por exemplo, pesquisadores e/ou formadores e futuros professores.