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2 OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DA BAHIA: QUE COMUNIDADE É ESSA?

2.5 OEM-BA: que comunidade é essa?

De maneira geral, o grupo acima apresenta modos de gestão diferentes daqueles apresentados na literatura em Educação Matemática, como os estudos de Fiorentini (2009), Beline (2012), Nagy (2013), Rocha (2013), Baldini (2014) e Garcia (2014). O OEM-BA origina-se de interesses de pesquisadores em fazer investigações a partir de um produto (MCE) elaborado por diferentes saberes docentes. Assim como nas pesquisas citadas, o grupo também nasceu de um projeto, especificamente, do OBEDUC, mas a demarcação do funcionamento, os objetivos, suas rotinas, gestão e alguns afazeres foram preestabelecidos ou

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Os temas selecionados foram: Ambientes de aprendizagem nas aulas de matemática; Tarefas e delineamento de tarefas; Gestão e organização da aula; Comunicação na aula; Episódios de aula; Análises de aula; Metodologia da pesquisa.

estabelecidos desde o início pelo coordenador e autor do projeto, o que o diferencia das pesquisas mencionadas.

Embora o coordenador tenha (pré)estabelecido, inicialmente, alguns afazeres do OEM-BA, isso não significou que as ações desenvolvidas no projeto fossem ordenadas pelo coordenador. Pelo contrário, as demandas da CAPES e do coordenador não impediram que os membros negociassem o modo de fazer e criassem ideias coletivamente, a fim de dar conta dos objetivos principais: a produção do MCE e a investigação acerca das características e da produção do material, bem como o uso por professores externos.

O Quadro 3, abaixo, resume as ações que foram (pré)estabelecidas pelo coordenador e as ações que foram negociadas coletivamente ao longo dos anos:

Quadro 3 - Ações do OEM-BA ao longo dos anos para a produção do MCE Ações

Anos Ações (pré)estabelecidas pelo coordenador ou atendendo às demandas do projeto Ações negociadas coletivamente pelos membros do OEM-BA

2011

Investigação científica sobre o processo de produção do MCE e uso por outros professores; Formação de uma equipe executora do projeto; Fases de desenvolvimento do projeto; Elementos que compõem o MCE; Convidou as pessoas para fazer parte do projeto; Apresentação do dia, horário e rotina do grupo; Divisão dos membros em grupão e subgrupo; Divisão dos membros em grupos de professores, grupo de pesquisa e grupos de graduação.

Denominação do grupo de Observatório da Educação Matemática (OEM-BA); Convidar outros membros a participarem do OEM-BA; Escolha do eixo Espaço e Forma; Confecção de sequências de tarefas; Organização de um evento.

2012

Salto da fase de desenvolvimento 6 para a fase 10 Seleção de tarefas para implementação na sala de aula; Desenvolvimento de parâmetros para alguns elementos dos MCEs: narrativa, vídeos, registros dos alunos, planejamento, solução do professor e tarefa comentada.

2013

Continuação no eixo Espaço e Forma; Saltar a fase 2 no segundo ciclo; Realizar mais estudos da literatura; Produzir parâmetros para elaboração da tarefa.

2014 Chamou a atenção dos membros em relação ao compromisso e envolvimento dos mesmos. Mudaram de eixo para Números e operações; Realizaram o lançamento da plataforma virtual; Mudança na rotina das reuniões.

2015

Repensar objetivos e funcionamento do OEM-BA; Continuidade na produção do MCE; Construção de microprojetos de pesquisa aliados à produção dos MCEs.

2016

Estudo da literatura para fundamentar a elaboração dos microprojetos; Elaboração e apresentação de oficinas temáticas; Seleção dos temas das oficinas; mudança na rotina das reuniões.

Fonte: As autoras

Podemos notar que, no primeiro ano de formação do OEM-BA, em 2011, as negociações entre os membros foram tímidas devido às demandas da CAPES e do coordenador. Entretanto, ao longo dos anos seguintes, houve avanço no desenvolvimento e negociações dos membros em várias ações do OEM-BA, visando dar conta do propósito do

projeto. Apesar de o projeto nascer do interesse de pesquisadores, a produção do material não dependia apenas deles, mas dos saberes experienciais e científicos dos demais membros, com a finalidade de torná-lo mais próximo da realidade escolar.

Dessa forma, o objetivo principal (produção do MCE) que norteava o desenrolar do OEM-BA dependia das negociações entre os membros, das trocas de ideias e opiniões, do confronto de saberes, ou seja, de uma interação constante. Contudo, apenas no ano de 2015, quando o projeto perdeu o vínculo com a CAPES, o coordenador convidou os demais membros a negociarem todas as ações do OEM-BA, a repensarem objetivos, funcionamento, rotina e etc. Isso desencadeou uma mudança na gestão para mais participativa e autônoma, à medida que os membros poderiam expressar suas necessidades e interesses pessoais ou coletivos.

À luz da Teoria Situada da Aprendizagem de Lave e Wenger (1991), o OEM-BA configura-se como uma CoP desde o início de sua formação, pois assume a principal característica, a qual refere-se ao agrupamento de pessoas, cujo conhecimento é construído na relação entre elas, e também na confluência entre atividades e mundo. Nessa perspectiva teórica, toda CoP desenvolve uma prática social que promove uma interação contínua e, consequentemente, oportuniza uma aprendizagem situada. Nessas circunstâncias, os membros do OEM-BA interagem continuamente na tentativa de desenvolver, como prática social, a produção do MCE.

Entretanto, sob a ótica da Teoria Social da Aprendizagem, de Wenger (1998) e colaboradores, essa configuração deve ser relativizada. Ao retomar o Quadro 1, que apresenta um comparativo entre Comunidade de Prática, grupo, equipe e rede (WENGER; SNYDER, 2001), podemos afirmar que o OEM-BA assume características mistas.

Por um lado, o objetivo do OEM-BA em produzir um produto (MCE) e algumas ações preestabelecidas pelo coordenador o aproximava de um grupo de trabalho formal. Por outro lado, também o aproximava de uma equipe de projeto, na condição de realizar uma tarefa (projeto), a formação de uma equipe convidada pelo coordenador e no que diz respeito à organização de metas e objetivos determinados por ele antes mesmo da sua primeira reunião.

Contudo, a interação contínua e a negociação coletiva são características que permearam o OEM-BA, desde o primeiro ano de formação. Quanto à participação dos membros, temos que no início do OEM-BA eles foram convidados pelo coordenador, mas ao longo de sua trajetória entraram convidados de outros membros e também saíram livremente, pois a participação sempre foi voluntária, nem mesmo a bolsa auxílio a condicionava, pois alguns que possuíam bolsa também decidiram sair. A figura de um coordenador existia, mas

não condicionava a entrada e saída dos membros. Nessas circunstâncias, o OEM-BA apresentou algumas características que o aproximavam de uma CoP.

O ano de 2015 foi um marco, pois, após perder o vínculo institucional com a CAPES, os objetivos, o funcionamento, a rotina e gestão do OEM-BA passaram a ser negociados por todos os membros. Os membros decidiram permanecer com a produção do material e também começaram a traçar novos objetivos a partir de interesses pessoais de alguns membros. Nesse caso, o interesse pessoal da professora Leila em desenvolver pesquisa tornou-se um interesse coletivo, afinal, o objetivo de produzir pesquisa ou formar pesquisadores beneficia todos os partícipes.

Portanto, podemos afirmar que o OEM-BA apresentava, inicialmente, algumas características que o aproximavam de uma CoP e outras o distanciavam, sendo que, posteriormente, após o ano de 2015, o OEM-BA efetivamente configurou-se como uma CoP. Assim, os membros começaram a desenvolver uma paixão pelo que faziam, identificando-se com os significados ali produzidos e negociados, e também abraçando outras metas para firmar novos compromissos e motivar os membros. Ou seja, efetivando-se como uma CoP mais autônoma.

Em relação ao tempo, a duração do OEM-BA não se limitou ao prazo final do projeto, pois a paixão pelo que fazia e a busca de novos objetivos o mantiveram vivo até o momento atual, a fim de oportunizar a produção e compartilhamento de significados. Nessas condições até aqui analisadas, o OEM-BA foi se tornando uma CoP ao longo de sua trajetória, permitindo que os membros negociassem e assumissem uma postura mais autônoma sobre o que faziam e buscassem coletivamente ampliar seus horizontes.

Logo, a trajetória tornou a produção do material como uma prática social do OEM-BA e ampliou-se à medida que os membros almejaram a continuação dessa produção e o desenvolvimento dos integrantes, no que se refere à formação de pesquisadores. Ou seja, a prática social foi sendo legitimada e transformada de modo coletivo. De acordo com Wenger (2001), o fazer que constitui a prática social pode desencadear uma evolução e puxar o foco da comunidade para diferentes direções. No caso do OEM-BA, a ampliação da prática está diretamente conectada com a produção dos MCEs, haja vista que as pesquisas serão desencadeadas com base nas experiências vivenciadas na produção do material.

Assumindo-as como prática social, podemos analisar algumas dimensões dela que fundamentaram a comunidade OEM-BA. Por exemplo, no início do OEM-BA, os

empreendimentos, que nomearemos aqui de ações, foram impostos39 nas primeiras reuniões pelo coordenador. Entretanto, novas ações surgiram a partir das negociações entre os participantes, conforme podemos notar no Quadro 3. Ou seja, alguns empreendimentos já estavam preestabelecidos, mas isso não impediu os integrantes de os ampliarem, validando- os. Além disso, a ampliação da prática social após 2015 exigiu a busca por novos empreendimentos de acordo com as necessidades dos membros.

Corroboramos com Wenger (1998) e Wenger e Snyder (2001), ao afirmar que os empreendimentos podem estar condicionados ou submissos a um poder institucional, mas seja qual for a relação de poder envolvida, eles podem assumir um caráter coletivo. Isso reforça a análise de que os empreendimentos do OEM-BA, mesmo sendo submissos inicialmente, não deixaram de ser negociados desde o princípio.

No que tange ao engajamento, o episódio que retrata a criação de parâmetros para a elaboração da tarefa, mostra timidamente que os membros se engajaram na busca desse empreendimento. Ademais, na descrição, há indícios de que os membros foram construindo uma adesão mais forte nos subgrupos e no grupão no momento em que começaram a ter mais autonomia sobre as tomadas de decisões. O email do coordenador, por exemplo, sugeria uma reflexão sobre a necessidade de a participação ser ativa para não prejudicar o andamento dos empreendimentos e o engajamento dessa comunidade. A fala da professora Leila indicou que, pelo menos, o seu subgrupo estabelecia uma relação saudável e de confiança.

Já em relação ao repertório compartilhado, nota-se que mesmo tendo alguns empreendimentos preestabelecidos previamente, a comunidade OEM-BA desenvolvia e compartilhava determinados repertórios, como, por exemplo, expressões ou falas referentes a determinados saberes, os parâmetros que foram construídos coletivamente, o quadro de análise das tarefas, adaptações ou mudanças nas sequências de fases que formavam as rotinas dessa comunidade. Tais repertórios foram tornando-se públicos em e-mails, chats e plataforma Schoology para conhecimento dos próprios membros, bem como foram tomados como recursos para as negociações.

Com base nisso, esta pesquisa apresenta o exemplo de uma CoP, cuja constituição se deu de uma maneira espontânea, “similar” aos estudos de Fiorentini (2009), pois não nasceu com essa intenção. Comparando aos demais estudos (BELINE, 2012; ROCHA, 2013; NAGY, 2013; BALDINI, 2014; GARCIA, 2014; SILVA, 2015; TINTI, 2016), a CoP OEM-BA apresenta similaridade também em relação ao domínio de interesse, pois está atrelado à área

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Estamos considerando que essas ações foram impostas, pois originou-se do coordenador e não foram constestadas pelos membros do OEM-BA.

da Educação Matemática e, especificamente, ao ensino e à aprendizagem da matemática escolar, bem como o desenvolvimento dos seus membros.

Por outro lado, os resultados desta pesquisa apresentam diferenças em relação aos estudos de Tinti (2016), no que diz respeito aos estágios de desenvolvimento de uma CoP. Como o OEM-BA constitui-se uma CoP ao longo de sua trajetória e, inicialmente, se aproximava de outras configurações sociais, seus estágios de desenvolvimento não aconteceram linearmente.

Inicialmente, quando o OEM-BA apresentou algumas características da CoP, houve estágios que impulsionaram o compartilhamento de ideias e o desenvolvimento de uma prática específica, ou seja, o OEM-BA passou, respectivamente, pelos estágios Potencial e Maturidade na transição de uma equipe de projetos ou grupo formal para uma CoP. Nessa transição, foi desenvolvido o estágio Sustentabilidade, quando o coordenador chamou a atenção dos demais membros em relação ao engajamento e à participação plena, bem como no momento em que mudaram de rotina para adequar-se aos afazeres em outras comunidades de que os membros participam fora do OEM-BA.

À medida que o grupo tornou-se efetivamente uma CoP, assumindo todas as características, o OEM-BA desenvolveu os estágios de Expansão (quando expandiu a prática específica e o domínio de interesse) e Transformação (no momento em que houve o rompimento com a CAPES e os membros decidiram continuar suas atividades, considerando os interesses individuais). Desse modo, tais resultados mostram uma aleatoriedade nos estágios propostos por Wenger, McDermott e Snyder (2002).