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3 AS RELAÇÕES DE PODER NA NEGOCIAÇÃO DE SIGNIFICADOS EM UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA

3.3 Contexto e abordagem metodológica da pesquisa

O contexto desta pesquisa foi o Observatório da Educação Matemática da Bahia (OEM-BA), que reúne futuros professores, pesquisadores e/ou formadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), bem como professores que ensinam Matemática na Educação Básica, na região de Salvador e Feira de Santana, ou em outras instituições de ensino superior em Salvador. O encontro entre esses membros acontece na UFBA desde o ano de 201150.

O OEM-BA reúne, voluntaria e periodicamente, os membros com o propósito de desenvolver materiais sobre tópicos de Matemática, vinculados aos descritores da Prova Brasil, para os anos finais do Ensino Fundamental II. Esses materiais são compostos por tarefas investigativas de matemática, planejamentos, narrativas da aula, registros dos estudantes, vídeos da aula, análises e/ou comentários51. De acordo com Remillard (2005), esse tipo de material pode ser denominado de materiais curriculares educativos, cuja finalidade é apresentar detalhes da implementação de tarefas em aulas de matemática para apoiar a aprendizagem de professores e de estudantes.

Para elaborar os materiais, os membros assumiram o compromisso de participar, interagindo regularmente, compartilhando repertórios e negociando empreendimentos e significados. Tomando essas e outras características, o OEM-BA configura-se como uma

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O OEM-BA originou-se de um projeto de pesquisa da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que foi aprovado pelo Programa OBEDUC, vinculado à CAPES.

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CoP, cuja prática social é a produção de materiais curriculares educativos e o centro de interesse é a Educação Matemática, no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem da Matemática e o desenvolvimento profissional.

As reuniões nessa CoP aconteciam de duas formas, as quais foram denominadas de subgrupos e de grupão. Os subgrupos são compostos por, pelo menos, um estudante da pós- graduação ou professor/formador do ensino superior, um estudante da graduação e um professor da Educação Básica. Os subgrupos tinha a responsabilidade de elaborar a tarefa, o planejamento, a narrativa, filmar a aula, fazer os recortes dos vídeos, e etc.

Já no grupão, todos os membros se juntaram com a responsabilidade de ajudar uns aos outros, acompanhando e refinando a produção dos materiais pelos subgrupos. Ou seja, é no grupão que se legitima a produção dos subgrupos. Quanto aos encontros, o grupão reunia-se quinzenalmente, enquanto que o subgrupo reunia-se com uma dada frequência mensal, a depender das suas demandas.

Além disso, a CoP percorria algumas fases que favoreciam a produção do material, a saber: (1) identificação do tópico matemático; (2) revisão de literatura sobre o ensino e a aprendizagem do tópico matemático; (3) elaboração de tarefas matemáticas; (4) implementação de tarefas com um grupo de estudantes; (5) refinamento das tarefas; (6) implementação em sala de aula com toda a turma; (7) produção do material curricular educativo; (8) uso do material por um professor externo à CoP; (9) refinamento do material; (10) publicação na plataforma virtual. Nessa ordem, quando os membros atingiam a última fase, eles retornavam à primeira para elaborar mais materiais. Dessa maneira, as fases desencadeavam um ciclo de produção dos materiais.

Desde 2011, os membros desenvolveram quatro ciclos. Para este artigo, utilizamos as reuniões no grupão que ocorreram entre os anos de 2014 e 2015, o quarto ciclo completo. Embora o OEM-BA tenha iniciado suas atividades em 2011, este artigo começou a ser projetado no final de 2013, por conta disso, os dados se reduziram a um ciclo. Todos os membros do OEM-BA foram convidados a participar da pesquisa. Para formalizar esse convite, foi entregue um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual eles optavam por nomes fictícios ou seu próprio nome a fim de identificá-los nesta pesquisa. Vale destacar que todos aceitaram o convite.

Nos extratos das reuniões que apresentaremos na próxima seção, aparece a fala de alguns membros que mais participaram negociando significados. Dentre eles, havia três pesquisadores/formadores de instituições universitárias, a saber: Thales e Jamille. Thales é o coordenador e autor do projeto que culminou na formação do OEM-BA. Ele é, atualmente,

professor/formador do curso de Licenciatura em Matemática, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), atuante em programas de Pós-Graduação dessa instituição e pesquisador da área da Educação Matemática. Jamille é doutora e professora do Instituto Federal da Bahia (IFBA).

Além disso, aparecem nos extratos, quatro professores que ensinam matemática na Educação Básica: Nilla, Neuza, Ricardo e Edy. Nilla e Neuza já possuem uma vasta experiência na Educação Básica. Ricardo, por sua vez, é um professor que possui poucos anos na docência na Educação Básica, em comparação aos professores citados. Além disso, Ricardo ingressou no mestrado quando participava do OEM-BA. Já Edy ingressou no OEM- BA como futuro professor, mas, logo depois, se formou, tornando-se professor da Educação Básica. Em seguida, ingressou também no mestrado. Por fim, temos a futura professora Vanessa. Na época em que esses dados foram produzidos, ela era estudante da graduação da UFBA. Atualmente, é professora da Educação Básica e mestranda.

Na apresentação dos dados, na próxima seção, enumeramos as falas e anunciamos a posição social que o membro ocupava no período em que foram produzidos os dados, isto é, Futuro Professor (FPR.), Pesquisador (PE.) e/ou Professor (PR.). Alguns sujeitos possuíam mais de uma posição naquele período, por conta disso, realizamos abreviações para identificá- los, tais como: PR. Nilla, PR. Neuza, PR./PE. Ricardo, PR./PE. Edy, PE. Thales, PE. Jamille e FPR. Vanessa.

A opção metodológica desta pesquisa tem como base uma abordagem qualitativa, pois o objetivo é identificar e analisar as relações de poder na negociação de significados entre acadêmicos e escolares na CoP OEM-BA. Segundo Johnson e Christensen (2012), a pesquisa qualitativa focaliza os processos com intenção de compreender os dados, os quais não serão analisados em termos de frequência ou quantidade. A fim de dar conta do objetivo desta pesquisa, utilizamos a observação como o procedimento principal de produção dos dados.

De acordo com Alves-Mazzotti (2002), a observação permite que o observador/pesquisador acompanhe as experiências desenvolvidas no ambiente natural da pesquisa, de modo a compreender a realidade que o cerca, bem como as suas próprias ações e interpretações. Dessa maneira, a observação foi utilizada como um procedimento que possibilitou acompanhar as reuniões presenciais do OEM-BA e analisar as relações de poder.

É importante destacar que a observação foi do tipo participante (ALVES-MAZZOTTI, 2002; GIL, 2002), visto que a pesquisadora52, também, participa do OEM-BA desde a sua

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origem. Por conta disso, o diário de campo foi um instrumento utilizado para registrar e compor as primeiras impressões e localizar possíveis momentos em que as relações de poder são perceptíveis. Entretanto, o diário foi utilizado em um momento diferenciado. Normalmente, o diário é utilizado no momento em que a observação acontece (ALVES- MAZZOTTI, 2002), mas, diante da observação “ser participante”, a pesquisadora preferiu confeccioná-lo após a reunião para não inviabilizar sua participação nessa CoP. Além disso, utilizamos a filmadora para registrar as reuniões.

Após reunirmos os dados provenientes da observação, iniciamos a seleção e transcrição para, posteriormente, analisá-los. A análise dos dados foi inspirada na perspectiva de Bernstein (2000). Esse autor propõe uma reflexão dialética entre o teórico e o empírico, a qual o denominou de linguagem de descrição. Nesta linguagem, há uma relação estabelecida entre a linguagem interna e a linguagem externa. A primeira consiste na seleção de conceitos propostos por uma dada teoria. Por sua vez, a linguagem de descrição externa se baseia na interface entre os dados empíricos e a linguagem de descrição interna. É a linguagem de descrição externa que ativa a linguagem de descrição interna e permite analisar os dados de forma reflexiva (BERNSTEIN, 2000).

Para a linguagem de descrição interna, utilizamos conceitos teóricos-chave que ajudaram a compreender o objeto de estudo. A partir de Wenger (1998), utilizamos o conceito de negociação de significados, participação e reificação, enquanto que, em Bernstein (2000), utilizamos a noção de relações de poder, classificação e hierarquia. Ao nos debruçarmos nos dados empíricos, a linguagem de descrição externa foi ativada e nos ajudou a identificar e analisar as relações de poder entre discursos na negociação de significados. Na próxima seção, apresentaremos os dados e a análise que construímos com base nessa reflexão dialética.