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4 A EDUCAÇÃO INFANTIL EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-

4.1 Vygotsky

4.1.2 Aprendizagem e desenvolvimento

Tendo em vista, portanto, que o desenvolvimento do ser humano depende de sua inserção em um grupo cultural (REGO, 1995), a aprendizagem passa a ser vista não como um processo paralelo ao desenvolvimento ou como sinônimo de desenvolvimento, mas como propulsora do desenvolvimento. Para Vygotsky (1998, p.126), há um nível mínimo de maturação biológica para que alguns aprendizados possam acontecer, mas, normalmente, a aprendizagem precede o desenvolvimento, e “a criança adquire certos hábitos e habilidades numa área específica, antes de aprender a aplicá-los deliberadamente.”

Assim, o desenvolvimento e a aprendizagem estão relacionados, desde o nascimento da criança – o que significa que, desde antes de entrar na escola, a criança aprende, e o que ela leva para o ambiente escolar tem sempre uma história anterior (VYGOTSKY, 1994).

Vygotsky afirma que há diferenças entre o aprendizado que acontece fora e dentro da escola:

Vários estudos mostraram que é precisamente durante o início da idade escolar que as funções intelectuais superiores, cujas características principais são a consciência reflexiva e o controle deliberado, adquirem um papel de destaque no processo de desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1998, p.112).

Além da sistematização dos conteúdos escolares, o autor apresenta o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), em que estabelece as relações entre o desenvolvimento e a aprendizagem. Para delimitar a ZDP, é preciso definir, pelo menos, dois níveis de desenvolvimento: o real e o potencial.

O nível de desenvolvimento real é definido pelas habilidades e competências que as crianças já têm, ou seja, a capacidade da criança de atuar de forma independente na resolução de problemas propostos. É definido por aquilo que elas já conseguem fazer por si mesmas (VYGOTSKY, 1994).

O autor explica que, ao determinarmos esse nível, definimos as funções das crianças que já estão maduras – ou seja, o produto final de seu desenvolvimento. Por outro lado, ao definirmos o nível de desenvolvimento potencial, que é determinado pela possibilidade de resolução de problemas com a orientação de parceiros mais experientes, identificamos as funções que estão em processo de maturação - aquelas que são uma forma de “brotos” do desenvolvimento. É na diferença entre esses dois níveis – real e potencial – que se determina a zona de desenvolvimento proximal.

O autor afirma que, durante décadas, foi considerado para o aprendizado apenas o que a criança sabia fazer sozinha, desprezando-se a ideia de que o que as crianças podem realizar em colaboração com os outros fosse um indicativo válido de seu desenvolvimento. Para a psicologia clássica, a atividade imitativa era desprezada, considerando-se válida apenas a atividade independente da criança; mas, para Vygotsky, a imitação pode ser um caminho para o aprendizado (REGO, 1995). Para isso, é necessário lembrar que toda função psicológica superior que passa a ser interna foi, antes disso, externa, e:

Essa transformação das funções superiores do interpsicológico para o intrapsicológico não é um processo retilíneo, passivo. Pelo contrário, a pessoa atua sobre o próprio desenvolvimento enquanto é agente de ação com o outro. A internalização não é cópia do plano intersubjetivo no indivíduo; é fruto de negociações, discordâncias, ações partilhadas,

etc., ao serem formuladas hipóteses para resolver situações concretas que o sujeito experencia. Na internalização, o desenvolvimento e a aprendizagem funcionam como uma unidade dialética. Embora sejam processos distintos, atuam em conjunto desde o início da vida. (PIMENTEL, 2007, p.223).

A definição de uma zona de desenvolvimento proximal

[...] permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também aquilo que está em processo de maturação. [...] aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã. (VYGOTSKY, 1994, p.113).

A diversidade dos âmbitos de desenvolvimento nas crianças faz com que seja necessário ressaltar o caráter dinâmico e plural da ZDP. É preciso ter claro também que, em momentos diferentes, uma mesma criança pode demonstrar maior domínio na resolução de uma proposta em que haja predominância de um desses âmbitos – motor, por exemplo – e maior necessidade de auxílio para outra situação. Ou seja, não há “uma” ZDP: ela é

[...] um espaço dinâmico de desenvolvimento, não é uma propriedade inerente do indivíduo ou de sua atuação específica, nem preexiste à interação com outras pessoas. O potencial de desenvolvimento depende tanto de conhecimentos e competências próprios quanto da maneira como são estabelecidas as interações com o meio social e do nível de complexidade das atividades com as quais a pessoa envolve- se. (PIMENTEL, 2007, p.225).

Dessa forma, “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que a cercam” (VYGOTSKY, 1994, p.115), pois as crianças, ao fazerem imitações em uma atividade coletiva ou sob orientação de adultos, podem ir além dos limites de sua capacidade.

No desenvolvimento da criança [...] a imitação e o aprendizado desempenham um papel importante. Trazem a tona as qualidades especificamente humanas da mente e levam as crianças a novos níveis de desenvolvimento. Na aprendizagem da fala, assim como na aprendizagem das matérias escolares, a imitação é indispensável. (VYGOTSKY, 1998, p.129-130).

O aprendizado é capaz de criar a zona de desenvolvimento proximal, pois desperta processos de desenvolvimento interno que são manifestados apenas quando a criança interage com outros em seu ambiente (VYGOTSKY, 1994). Assim,

[...] o aprendizado orientado para os níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas, ao invés disso, vai a reboque desse processo. Assim, a noção de zona de desenvolvimento proximal capacita-nos a propor uma nova fórmula, a de que o ‘bom aprendizado’ é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1994, p.117).

Assim, para Vygotsky (1998), estudar o pensamento infantil sem contextualizar a relevância do aprendizado é excluir uma fonte importante e, dessa forma, impede que seja levantada a questão das relações estabelecidas entre o desenvolvimento e o aprendizado. Para o autor, os anos escolares são favoráveis ao aprendizado das operações que exigem controle deliberado e consciência, pois seu aprendizado favorece o desenvolvimento das funções psicológicas superiores quando ainda estão em processo de amadurecimento.