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4 A EDUCAÇÃO INFANTIL EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-

4.1 Vygotsky

4.1.3 Relações entre a teoria histórico-cultural e a Educação Infantil

4.1.3.1 O brincar

Se a apropriação do conhecimento é evidente nas interações educativas e pedagógicas, graças aos elementos e movimentos aí presentes, seria possível afirmar o mesmo em relação às interações

lúdicas? É certo que quando observamos crianças menores de 6 anos

constatamos que, nesta fase da sua vida, as brincadeiras e os jogos são sua atividade predominante, quando se lhes é dada a possibilidade de escolher o que desejam fazer. (MACHADO, 2008, p.40, grifo do autor).

A escola de Educação Infantil é um lugar privilegiado para a vivência de situações diversas, que são importantes no desenvolvimento e aprendizagem por meio do brincar, pois é o espaço do coletivo, o que amplia a possibilidade de interação.

Vygotsky destacou a importância do jogo para a aprendizagem e o desenvolvimento, uma vez que seu caráter lúdico, presente na conduta infantil, desperta na criança o interesse e a vontade de experimentar, atuar de forma diferente da realidade, superar-se. Em constante relação com os outros e com os objetos mediadores, ocorrem situações de aprendizagem diversas, pois há uma constante investigação e ressignificação das experiências vividas pelo indivíduo.

Conforme Pimentel (2007, p.227), o envolvimento em uma atividade lúdica possibilita ir “além do desenvolvimento real porque nela se instaura um campo de aprendizagem propício à formação de imagens, de conduta auto-regulada, à criação de soluções e avanços no processo de significação.” Assim, na corrente histórico-cultural, o jogo tem importância fundamental na Educação Infantil, pois atua como mediador nas transformações que acarretam no desenvolvimento da criança.

A última afirmação também faz parte dos estudos de Vygotsky (1994) sobre o jogo,13 pois nele a criança pode agir e pensar para além do habitual em outras atividades.

No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1994, p.134-135).

Para o autor, os processos de simbolização e representação levam-na ao pensamento abstrato, sendo o brincar essencial para o desenvolvimento psíquico e cognitivo. Corsaro (2002) afirma que as crianças nascem inseridas em uma cultura adulta: é por meio do desenvolvimento e domínio da linguagem em interação com outras crianças e adultos que elas começam a construir seus mundos sociais. As relações que as crianças estabelecem na escola são suas primeiras possibilidades de criação e inserção na cultura dos pares.

13

Sabemos que a definição de jogo, brinquedo e brincadeira pode variar, conforme os autores. Nesta dissertação, jogo e brincadeira serão utilizados como sinônimos.

O autor citado afirma ainda que essa apropriação feita pelas crianças resulta em uma reprodução interpretativa – ou seja, elas contribuem para a reprodução da cultura adulta, mas não sem antes “interpretá-la,” “envolvê-la” em sua própria cultura. Para Pimentel (2007, p.234), “imitar a realidade não significa imitá-la integralmente, mas interpretá-la com o uso da imaginação.”

Para Vygotsky (1994), durante a brincadeira as ações das crianças são subordinadas ao real, mas este também é transformado pela combinação criativa de suas experiências. Por meio da brincadeira, as crianças apropriam-se de normas sociais, assumem posturas mais “maduras” do que aquelas apresentadas no dia a dia, pensam e refletem de maneira autônoma, reelaborando os conhecimentos adquiridos “no mundo dos adultos.” Na Educação Infantil, o brincar é uma estratégia de aprendizagem importante, pois possibilita a vivência e a apropriação de conhecimentos validados pela cultura em um contexto social.

(A brincadeira) também é responsável por criar uma ‘zona de desenvolvimento proximal’, justamente porque, através da imitação realizada na brincadeira, a criança internaliza regras de conduta, valores, modos de agir e pensar de seu grupo social, que passam a orientar seu próprio comportamento e desenvolvimento cognitivo. (REGO, 1995, p.113).

Nas escolas, é comum que haja uma divisão entre os momentos de “trabalhar” ou “fazer atividades” e os momentos de brincar, como se fossem aspectos que não são passíveis de interação em instituições de Educação Infantil. Muitas vezes, o professor esforça-se para criar “atividades significativas” e propostas envolventes, enquanto seria possível estar atento aos momentos de brincadeira e integrá-los ao desenvolvimento de competências e habilidades. Ao observar, por exemplo, as crianças brincando de restaurante, o professor pode sugerir a elaboração do cardápio, gerando, entre elas, trocas de hipóteses de escrita.

Wajskop (1995) observa que, ao dar espaço e considerar a brincadeira e os brinquedos na rotina da Educação Infantil, os profissionais têm a oportunidade de rever atitudes e práticas e organizar de forma diferente a rotina, o espaço, o tempo, os materiais, as atividades, o que, consequentemente, inicia uma transformação na prática docente.

Em outras palavras, tal como ocorre na atividade de aprendizagem, o jogo gera zonas de desenvolvimento proximal porque instiga a

criança, cada vez mais, a ser capaz de controlar seu comportamento, experimentar habilidades não consolidadas em seu repertório, criar modos de operar mentalmente e de agir no mundo que desafia o conhecimento já internalizado, impulsionando o desenvolvimento de funções embrionárias do pensamento. (PIMENTEL, 2007, p.226).

Assim, para os teóricos que fazem parte da corrente histórico-cultural, o jogo é uma atividade importante no dia a dia das crianças da Educação Infantil, pois é um mediador das transformações que têm grande influência em seu desenvolvimento. Enquanto brinca, a criança precisa negociar sua vontade de satisfazer seus desejos de forma imediata e estar disposta a subordinar-se às regras, agindo contra um impulso imediato (VYGOTSKY, 1994). Dessa forma, cria-se um espaço de aprendizagem e desenvolvimento de habilidades, bem como um processo metacognitivo por parte das crianças por meio de suas condutas (PIMENTEL, 2007).

Para que o professor realize intervenções, é preciso estar atento ao contexto para não descaracterizar o caráter lúdico da brincadeira, respeitando o interesse das crianças por este tipo de proposta. Quando a presença do adulto acontece de maneira natural e suscita o engajamento espontâneo das crianças, há grande troca de ideias, experiências e conhecimentos entre elas, que passam a agir como protagonistas de seu aprendizado. “Fundamentar a educação infantil na ludicidade significa um saber-fazer reflexivo para que o jogo seja constituinte de zonas de desenvolvimento proximal.” (PIMENTEL, 2007, p.227).

Assim, a utilidade da brincadeira está exatamente sob sua aparente inutilidade, pois possibilita exercitar, criar, inventar, experienciar uma situação específica, em que o real é reconstruído mediante regras elaboradas pelos próprios envolvidos. O jogo torna-se um laboratório onde a criança, tal qual o cientista, pode inventar experiências para compreender a realidade, formulando hipóteses, testando-as e, assim, aprendendo. Os jogos provocam e aguçam a curiosidade, propiciando que a criança seja protagonista de investigações autônomas acerca de suas próprias potencialidades. (PIMENTEL, 2007, p.232).

O adulto que reconhece nas diferentes possibilidades lúdicas o valor da aprendizagem não deve se esquecer de que, de acordo com Rego (1995) e Moyles (2002), para brincar de modo efetivo é necessário que as crianças tenham companheiros, espaços, materiais e percebam que o que fazem é valorizado pelos adultos à sua volta. Tenham a oportunidade de unirem-se em diferentes configurações – grupos grandes e pequenos, sozinhas, na companhia de adultos. Tenham tempo para explorar por meio da

linguagem o que fizeram e como podem descrevê-lo; tenham tempo para dar continuidade ao que iniciaram. Tenham experiências para ampliar o que já sabem e o que podem fazer; sejam encorajadas a aprender mais e tenham oportunidades lúdicas planejadas e espontâneas.