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Em busca de um paralelo: a abordagem de Reggio e suas relações com as

4 A EDUCAÇÃO INFANTIL EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-

4.2 Em busca de um paralelo: a abordagem de Reggio e suas relações com as

A ênfase de nossa abordagem educacional é colocada não tanto sobre a criança no sentido abstrato, mas sobre cada criança em relação a outras crianças, professores, pais, sua própria história e circunstâncias sociais e culturais. Os relacionamentos, as comunicações e as interações mantêm nossa abordagem educacional em sua complexidade; são termos poderosos caracterizados por dois elementos importantes: ação e socialização em grupo. Nós os consideramos elementos estruturadores fundamentais para a construção da identidade de cada criança. (RINALDI, 1999, p.116).

Para finalizar esta seção, buscamos identificar de modo pontual os aspectos da abordagem histórico-cultural apresentados anteriormente que estabelecem um diálogo próximo com a abordagem de Reggio Emília para a Educação Infantil e, sobretudo, com a documentação, objeto deste estudo. Acreditamos que a leitura das seções seja elucidadora de convergências, porém, entendemos ser importante retomar os principais aspectos, mesmo que de forma sucinta, para apontar de forma clara e direta as conexões que estabelecemos durante a pesquisa.

A valorização da pesquisa feita diretamente com as crianças é o primeiro aspecto que destacamos de Vygotsky e seus colaboradores. Ao entender e declarar as limitações dos modelos botânico e zoológico para o estudo das funções superiores do pensamento infantil, os pesquisadores soviéticos declaram a necessidade e a validade de basear-se na observação, nas falas e nas ideias das crianças para compreender seu percurso de desenvolvimento. Na abordagem de Reggio Emilia, por meio da documentação, os profissionais também partem da observação e da pesquisa sobre as próprias crianças para pensar e refletir sobre o aprendizado e as formas de intervenção válidas, a serviço do desenvolvimento. Dessa forma,

Observar e avaliar seu envolvimento e independência a cada nova experiência possibilita ao educador variar adequadamente a atuação pedagógica, desde o momento em que é prioritário oferecer apoios e modelos de forma mais intensiva até as situações em que seja benéfico propor novos desafios. (PIMENTEL, 2007, p.226).

A importância e a participação ativa das crianças no processo de aprendizagem e desenvolvimento destacado por Vygotsky e a percepção da não linearidade desses processos também pode ser percebida na abordagem italiana.

Assim, a criança, que ocupa o centro do processo de aprendizagem, é respeitada em seus tempos e considerada construtora de saber e de novos conhecimentos. A realização de projetos em pequenos grupos pelas crianças é uma forma de trabalho considerada muito produtiva, porque, conforme Malaguzzi (1999), favorece a troca de ideias e percepções entre as crianças, além de possibilitar melhores observações individuais pelos professores:

[...] através da atividade compartilhada, da comunicação, da cooperação e até mesmo do conflito, as crianças constroem em conjunto seu conhecimento sobre o mundo, usando as ideias de uma para o desenvolvimento de ideias de outra, ou para explorarem uma trilha não explorada. (Gandini, 1999, p.151).

A infância ocupa um papel central na comunidade de Reggio Emilia, e as escolas são um espaço de respeito ao direito das crianças e em que é possível perceber manifestada a cultura da infância. A centralidade exercida pelas crianças nesse contexto educacional é possível, especialmente, pelo respeito a seu tempo, para que as coisas sejam feitas com prazer e empenho. Katz, ao relatar suas impressões sobre o trabalho na cidade italiana, afirma:

[...] a extensão do conteúdo do relacionamento entre professor-aluno é focalizado sobre o próprio trabalho, e não sobre as rotinas ou sobre o desempenho das crianças em tarefas acadêmicas. A mente dos adultos e das crianças está direcionada a questões de interesse de ambos. Tanto as crianças quanto os professores parecem estar igualmente envolvidos com o progresso do trabalho, com as ideias a serem exploradas, com as técnicas e materiais a serem usados e com o progresso dos próprios projetos. O papel das crianças no relacionamento era mais o de aprendiz do que o de alvo de instrução ou o de objeto de elogios. (KATZ, 1999, p.47).

Dessa forma, a mediação dos educadores é imprescindível. A necessidade da criação de um espaço que suscite interações e diálogos – relações e comunicação – é significativa para uma Educação Infantil que busca suas referências na concepção sociointeracionista. Em Reggio Emilia, a preocupação com a arquitetura, cores, cheiros e texturas nas creches e escolas é um dos aspectos fundantes da abordagem educacional. Os espaços que serão ocupados e explorados pelas crianças, são cuidadosamente pensados e preparados para despertarem o interesse e uma postura investigativa, participativa em relação ao aprendizado. De acordo com Malaguzzi,

[...] o modo como nos relacionamos com as crianças influencia o que as motiva e o que aprendem. Seu ambiente deve ser preparado de modo a interligar o campo cognitivo com os campos do relacionamento e da afetividade. Portanto, deve haver também conexão entre o pensamento e a ação e entre autonomia individual e interpessoal. Os valores devem ser colocados em contextos, em processos comunicativos e na construção de uma ampla rede de intercâmbios recíprocos entre as crianças e entre elas e os adultos. (MALAGUZZI, 1999, p.77).

A documentação, ao apresentar as crianças inseridas em um contexto e tendo como objetivo entender como as crianças pensam, relacionam-se e aprendem, vale-se de ambientes estruturados e em consonância com seus propósitos: “tão importante quanto o seu fornecimento de informações e pistas, é a promoção de situações que incentivem a curiosidade das crianças, que possibilitem a troca de informações entre os alunos e que permitam o aprendizado das fontes de acesso ao conhecimento.” (REGO, 1995, p.115- 116).

Um ambiente pensado e estruturado às crianças, que busque promover relações, gera criações espontâneas e situações lúdicas diversas: “[...] o espaço é planejado e estabelecido para facilitar encontros, interações e intercâmbios entre elas.” (GANDINI, 1999, p.151). Na abordagem italiana, observar, registrar e refletir sobre as atividades em que as crianças engajam-se livremente é válido para entender melhor como pensam e aprendem, o que, como descrito anteriormente, também é destacado pela corrente histórico-cultural, conforme Pimentel (2007, p.229): “atentar à ação das crianças durante a situação lúdica, que é constituída de regras e imaginação, permite observar de que maneira a atribuição de significados transforma a percepção e o comportamento infantil.”

Por fim, destacamos o ponto que entendemos ser o de maior convergência: a zona de desenvolvimento proximal. A importância de sua definição para um aprendizado eficiente e proveitoso para o desenvolvimento das crianças foi destacada anteriormente nesta seção: para nós, a documentação é uma estratégia que vai ao encontro dessa necessidade. Com a documentação, busca-se entender a construção do significado pelas crianças durante suas vivências e experiências na escola. Dessa forma, ao registrar o que elas já sabem e o caminho que estão construindo ou o percurso que buscam para saber mais, ir além, a documentação permite que, em sua etapa de reflexão, os educadores procurem novas formas de intervenção para auxiliá-las em seu processo de desenvolvimento. Rego aponta:

[...] para que (o professor) possa intervir e planejar estratégias que permitam avanços, reestruturação e ampliação do conhecimento já estabelecido pelo grupo de alunos, é necessário que conheça o nível efetivo das crianças, ou melhor, as suas descobertas, hipóteses, informações, crenças, opiniões, enfim, suas “teorias” acerca do mundo circundante. [...] Enfim, é necessário que o professor se disponha a ouvir e notar as manifestações infantis. (REGO, 1995, p.116).

A seguir, o parágrafo destacado de Rego une, a nosso ver, os postulados de Vygotsky para a educação e as escolas de Educação Infantil de Reggio Emilia. Parece que na Itália uma escola como essa já é realidade, pelo menos, às crianças pequenas:

Os postulados de Vygotsky parecem apontar para a necessidade de criação de uma escola bem diferente da que conhecemos. Uma escola em que as pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar saberes. Onde há espaço para transformações, para as diferenças, para o erro, para as contradições, para a colaboração mútua, para a criatividade. Uma escola em que professores e alunos tenham autonomia, possam pensar, refletir sobre o seu próprio processo de construção de conhecimentos e ter acesso a novas informações. Uma escola em que o conhecimento já sistematizado não é tratado de forma dogmática e esvaziado de significado. (REGO, 1995, p.118).

Nesta dissertação, apresentaremos a pesquisa realizada em um Centro de Educação Infantil (CEI) na cidade de São Paulo. As observações tiveram foco na busca pela elucidação das características do processo de documentação, que acontece nas relações entre os grupos de crianças, os professores e o meio. A análise dos dados coletados partiu dos pressupostos apresentados nesta seção, assim resumidos: a criança como sujeito ativo e interativo, a importância da interação na constituição do ser humano, a aprendizagem como propulsora do desenvolvimento, a criação de contextos e vivências significativas para a criação e atuação nas ZDPs das crianças, a intencionalidade da ação educativa, o brincar como campo de aprendizagem e criador de ZDP e a importância do espaço para as relações, sentimentos e ações de crianças e professores.