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6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.4. Aprendizagem formal

A aprendizagem formal será considerada nesta seção como aquela que acontece no ambiente organizacional, intencionalmente construída para atender às necessidades da organização e considerada pertencente ao domínio da área de Recursos Humanos, como, por exemplo, os treinamentos e cursos oferecidos.

Todos os sujeitos com maior tempo de casa (de SE1 a SE8 e AE1) foram capazes de observar que a preocupação da Reitoria da UNESP com as ações de desenvolvimento dos servidores voltado para as tarefas do trabalho é recente, acreditam que desde 2009, e que anteriormente a esse período nunca houve programas estruturados de educação formal que contemplassem o aperfeiçoamento de todo o quadro funcional da UNESP, independente da função ou cargo.

SE1 lembra a marginalização da educação formal na FOA/UNESP:

Tinha sim, poucos, algumas palestras de assuntos gerais sobre saúde, etc. Mas a gente não podia participar. O [anonimato] não deixava. O funcionário que participava desses tipos de coisas era visto como vagabundo, desocupado, que enrolava o trabalho. Então o pessoal aqui da [anonimato] nunca ia aos eventos. Por isso muito da fama que a gente tem ainda de isolado, de não se misturar. Mas as coisas mudaram.

SE4 acredita que a Reitoria e a Coordenadoria de Recursos Humanos – CRH – têmuma nova visão agora, talvez influenciados pelas pressões dos funcionários, de legislações federais (principalmente a Lei 8666/1993 – Normas para licitações e contratos da Administração Pública) e novas tecnologias. A própria implantação do plano de carreira dos funcionários exige que os servidores apresentem certa quantidade de horas de treinamentos realizados como um dos requisitos para promoção em suas respectivas carreiras. Dessa forma, a UNESP se viu obrigada a oferecer condições para que esses funcionários conseguissem cumprir o requisito.

A implantação de novos sistemas informatizados foi o gatilho mais frequentemente relatado pelos entrevistados SE2, SE3, SE5, SN1, SN6 e SN8 para se pensar e promover ações de treinamento. A UNESP está numa fase de integração de suas unidades universitárias por meio de sistemas informatizados únicos, de plataforma de acesso online, que ajudem na padronização das rotinas de trabalho, acesso a dados e recuperação de informações. São sistemas de controle de folha de pagamento, orçamentário-financeiro, de emissão de passagens aéreas, agendamentos de salas, de controle acadêmico de graduação e pós-

graduação, de patrimônio, registro de diplomas, de mobilidade internacional docente e discente, de envio e recebimento de documentos e processos dentro da UNESP, entre diversos outros.

Toda essa demanda gera cursos e treinamentos constantes que deslocam funcionários de todo o estado de São Paulo para uma unidade da UNESP ou hotel que tenha infraestrutura para sediar os eventos. Contudo, os sujeitos relatam que nem sempre os treinamentos são eficientes, ora por problemas didáticos (SE2 e SE 5), ora por problemas de adequação do sistema à realidade das diversas unidades universitárias da UNESP (SN6 e SN8).

A pessoa estava lá explicando como se você já soubesse tudo de informática, porque o pessoal de [anonimato] desenvolveu o sistema. Para ele era fácil, ele criou o sistema. Para nós não. (SE2)

Eles mandaram a gente para o treinamento e falavam: Vamos fazer um exemplo. Aí fazia. Assim, bem didático, como se nunca fosse dar problema. Num treinamento você aprendeu a fazer tudo [ironia]. Aí você começa a mexer no sistema e começa a parte autodidata de novo, em que você vai aprender com os problemas do sistema. E manda e-mail, e tá errado, e volta. [...] eles tentam passar que o sistema é perfeito. Quando você começa a usar, você começa a ver os erros, as falhas, coisas que poderiam ser mais simples, às vezes está mais complicado. [...] Às vezes o procedimento que eles usam para, por exemplo, o caixa é diferente. Há unidade que não usa o caixa separadinho como nós temos aqui, às vezes um procedimento de recolhimento de taxa, mas o básico tem mais ou menos o mesmo padrão. [...] Os treinamentos da reitoria não são muito esclarecedores, não. (SN6)

Outro gatilho lembrado pelos entrevistados SE1, SN5 e SN7 é a exigência de certificação pela legislação federal, pelas agências controladoras como CAPES e o MEC, para execução de certas rotinas. Como exemplo há a necessidade de curso de pregoeiro eletrônico para se poder operar o sistema de pregão eletrônico e realizar as compras de materiais da FOA/UNESP. Nesse caso, a organização é obrigada a pagar cursos externos, como os da FUNDAP – Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo – para formar os funcionários que atuarão na área específica de compras. Inclusive, SE1 deixa claro que se não fossem esses gatilhos, não seriam oferecidos cursos de nenhuma natureza; e mesmo SN5, que passou por cursos obrigatórios, afirma que embora os cursos sejam muito bons, amplos e diferentes, aprende-se no cotidiano: “Faço o curso, só que o curso não te capacita. Ele te dá o certificado. O que te capacita é o dia-a-dia”.

Apesar das iniciativas da Reitoria, da CRH e da própria FOA, os entrevistados fazem algumas considerações sobre os treinamentos e cursos oferecidos.

SE8 afirma que a oferta e promoção de muitos cursos continuam sendo de iniciativa dos próprios funcionários quando da realização de seus encontros anuais, oportunidade que as diversas funções têm de se reunir para discutir interesses pertinentes somente àquela função.

SE2, SE3, SE4 e SE7 questionam a eficácia dos treinamentos por problemas na estruturação do treinamento e sugerem uso de tecnologia como as videoconferências para minimizar problemas como definição do público-alvo, temas não pertinentes à gestão universitária, falta de devolutiva à equipe pelo chefe que participou do evento, gastos excessivos e deslocamento dos funcionários por grandes distâncias e longo período de tempo.

Tem muita repetição de assuntos. A gente aprende muita coisa. Mas acho que a reitoria pecava era de não usar a vídeoconfereência, porque curso não serve só pra chefe. Todo mundo deveria ter a oportunidade de aprender. Eu criticava muito desses cursos é que o chefe ficava dois três dias em curso e ele chegava e ninguém reunia a equipe para dizer: olha, aconteceu isso, assim, assim, assim. Eu perguntava,

e aí, como foi o curso. Me respondiam: ah, foi bom, nossa, foi muito bom. Eu não

queria saber se comeram bastante, se o hotel foi bom. Mas eu queria saber outra coisa, não se eles comeram bem. Até hoje eu falo, acho que eles aprendiam bastante, mas não era compartilhado. Como eu criticava muito, quando eu ia, eu chegava e falava: tivemos esse curso, falou isso, isso e isso. Se tinha apostila, eu dava para o colega. Tudo isso é muito recente, vamos chutar alto, muito alto, uns dez anos. (SE2)

[...] Não tinha esses treinamento que tem hoje, que a gente não aprende muita coisa. [...] e quando começaram os cursos, eram de cerimoniais. Não ensinava coisas para a UNESP. Aliás, até hoje é assim. São para cerimônias do governo federal, para presidência da república, e não universitário. E não adianta falar. (SE3)

À continuação, articulam-se os conceitos do referencial teórico com os achados desta categoria.

Análise da aprendizagem formal dos técnicos-administrativos

Sendo assim, na FOA/UNESP, aprende-se formalmente por meio de cursos e treinamentos oferecidos pela própria organização e organizados pelos próprios funcionários. Os funcionários entrevistados dão importância à educação formal e reconhecem os esforços da UNESP nesse sentido, no entanto, sugerem que os treinamentos são importante cenário de encontro com colegas de outras unidades para troca de experiências sobre o tema do treinamento (ERAUT, 2011), ou para a busca de soluções dos problemas da realidade da sua seção ou unidade universitária, ou ainda no estabelecimento de redes de contatos, à qual possa recorrer quando retornem dos treinamentos e enfrentem os desafios das atividades cotidianas, especialmente na operação de sistemas informatizados. Le Clus (2013) lembra que a

aprendizagem informal tem sido deixada nas mãos dos próprios funcionários. Na UNESP parece que a consideração da autora se estende à aprendizagem formal.

Como bem evidenciado pela realidade da UNESP, Marsick e Watkins (2001) afirmam que a aprendizagem formal depende de grandes estruturas e fortes influências externas à organização. Algumas características da aprendizagem formal apresentadas por Gerber (2006) estão presentes nos treinamentos da FOA/UNESP: a) a aprendizagem é descontextualizada e os conceitos ensinados são gerais e aplicáveis a qualquer ambiente; b) a aquisição de conhecimento é priorizada no sentido de que a aprendizagem acontece na dinâmica individual de adquirir conhecimento e aplicá-lo. O conhecimento é maior à medida que mais teoria se armazena e se aplica; c) o foco está em quem ensina, porque se prioriza o desempenho do instrutor, do conteúdo e da estrutura do que é ensinado.

Contudo, durante os treinamentos, os funcionários parecem buscar e valorizar as características da aprendizagem informal, também destacadas por Gerber (2006). Os funcionários discutem entrem si e buscam adequar o tema e o conteúdo visto durante o evento considerando as especificidades do ambiente no qual trabalham, o que auxilia nas características de imprevisibilidade e necessidade citadas. A aplicação do conteúdo visto é mais holístico, uma vez que o funcionário leva o conteúdo para a riqueza da sua realidade, aplica-o, testa-o e dá a devolutiva para a rede de contatos que estabeleceu durante o treinamento na tentativa de desenvolvimento contínuo da aprendizagem. Também, durante os treinamentos, o foco muda de quem ensina para quem aprende, na tentativa que esses funcionários fazem de resolver problemas pontuais da sua unidade universitária e não da coletividade.

Face a isso, há mais elementos de informalidade do que de formalidade nos treinamentos. Como sugerem Malcolm, Hodkinson e Colley (2003), a identificação da interrelação entre atributos de formalidade ou de informalidade em cada experiência de aprendizagem é muito mais válida para a aprendizagem do que encarar a aprendizagem formal e informal separadamente, porque esses atributos influenciam na natureza e na eficácia da aprendizagem em qualquer situação, e também porque não há aprendizagem puramente formal ou informal.

Tendo como referência a análise dos quatro aspectos proposta por Malcolm, Hodkinson e Colley (2003), a aprendizagem formal na FOA/UNESP é informal em seu processo, pois, pelos relatos, num treinamento aprende-se muito mais com o colega do que com o instrutor, não há avaliação do conteúdo aprendido e, muitas vezes, o andamento do curso, como horários e temas das oficinas, é negociado com os participantes. Na localização e

cenário, a aprendizagem é formal, pois os treinamentos acontecem fora do local de trabalho, há controle de início e término e há certificação que depende da participação no curso. Já nos objetivos da aprendizagem, ela é formal, uma vez que são treinamentos realizados para atender a propósitos definidos, com um currículo anteriormente pensado. Finalmente, no aspecto conteúdo, a aprendizagem formal tem elementos de informalidade, uma vez que, na maior parte dos treinamentos, o conhecimento a ser adquirido é sobre algo novo ou em construção (um sistema informatizado, uma legislação, novas rotinas de trabalho, práticas cotidianas) e não sobre algo já estabelecido como um conhecimento científico.