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6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.2 A Aprendizagem Informal vivenciada pelos técnicos-administrativos no local

6.2.4. Estudando a legislação

A legislação à qual se faz referência nesta categoria consiste nas regras e procedimentos criados pela UNESP e pela FOA, ademais daqueles inerentes ao funcionalismo público, para lidar com as contingências enfrentadas por seu ambiente organizacional.

Denominada por Hall (2004) como um instrumento de formalização, ela capacita os indivíduos, pois os procedimentos formalizados ajudam as pessoas a realizar seu trabalho. Ao mesmo tempo que ela é orientadora, é também coercitiva, pois seus membros são forçados a obedecer a ela.

A percepção de que se aprende o trabalho na FOA/UNESP por meio de consulta e estudos da legislação é evidente para todos os sujeitos entrevistados, principalmente para SN1, SN2, SN4, SN6, SN8, SE1, SE4, SE7,SE8 e AE1, cujos alguns excertos do discurso se mencionarão.

Nosso trabalho é técnico. A gente trabalha essencialmente em cima de normas. (SN1)

Eu fui aprendendo lendo a norma e olhando os processos antigos. Aí pegava o processo, conferia com a norma, porque aí eu comecei a aprender a usar a norma. (SN8)

Para fazer meu trabalho eu preciso saber legislação. Eu tenho que saber a legislação de licitação, a 8666, para ficar atento e não deixar passar nenhuma falha. Ela rege a seção de Materiais e a Finanças. Por exemplo: na nota de empenho a gente tem que citar essa lei. (SN6)

[Aprende-se] olhando no processo e estudando a legislação, o regulamento do programa, as normativas, as portarias, ofícios, etc. (SN4)

SE7 propõe que primeiro se consulte a legislação e depois, na dúvida, recorra-se a manuais e a perguntas ao colega ou superior imediato, na tentativa de poupá-los de mais um trabalho, de mais uma orientação.

A legislação auxilia na resolução de problemas quando não há precedentes para basear a proposta de solução: “conforme ia aparecendo eu ia vendo como tinha que fazer, pesquisava a legislação, pesquisava com os mais experientes como que fazia” (SE8). “Aí nós temos que sentar e ir procurando a legislação, lei, portaria, porque chega o documento e não tem modelo para se seguir” (SE4).

O servidor técnico-administrativo tem seu trabalho caracterizado por uma formalização extremamente rígida, em grau máximo, que não lhe permite fazer julgamentos e que lhe exige um grande número de regras para orientar seu comportamento. No entanto, não é somente passivo dessa formalização, uma vez que também tem o poder de criá-la e alterá-la.

Claro que há limites. A gente não sai inventando coisas. Eu sempre digo a vocês que nós trabalhamos em cima de legislação. Nada foge ou pode fugir do que está escrito. Nosso papel como técnico é observar a legislação e assessorar a diretoria, os professores, os coordenadores, em cima da legislação que nós temos. (SE1)

Dessa forma, quando o trabalho se baseia em justificativas técnicas, baseadas na legislação, ganha-se credibilidade, passa-se segurança, pois não há subjetividade na orientação dada pelo servidor.

Então, tive que trabalhar mais esta parte, mostrando que nada era pessoal, que nosso trabalho se baseava em justificativas técnicas, que tudo aquilo que sempre havia sido feito [em direções passadas] tinha uma razão de ser, havia uma legislação que nos obrigava àquilo. (SE1)

Mas a legislação é até hoje, senão acho que não está bom. Até hoje vou fazer uma informação, não sei se é insegurança, mas ontem mesmo fui fazer uma informação, uma informação corriqueira. Houve muita mudança de legislação, temos um regulamento da seção de 2010 e outro 2011, 2012. Eu li o artigo, será que era isso mesmo? E não era. Entendeu? É esse tipo de cuidado que eu gosto de ter. Aí eu fico satisfeita com o que eu estou fazendo. (SE7)

O excesso de legislação criou um cenário organizacional demasiadamente complexo, cheio de normas a serem conhecidas e seguidas. SE4 expressa sua preocupação no sentido de encontrar recursos humanos que dominem tantos assuntos, que sejam cada vez mais especialistas, pois o superior, sozinho, jamais dominará todo o conteúdo de sua seção. ASE8 esclarece que se deve estar sempre atento, porque a legislação muda constantemente.

Não dá conta porque, por exemplo, aposentadoria. [anonimato] tem uma sabedoria imensa sobre o assunto. Mesmo assim às vezes vêm coisas que ele precisa estudar como vai fazer. Ainda precisa estudar. Então, precisa ter uma visão geral, porque ninguém vai aprender tudo isso aqui. Ninguém consegue, ninguém consegue [ênfase]. Então, é uma visão geral para poder orientar o que deverá ser feito. (SE4)

Finalmente, o conhecimento sério e profundo das diversas legislações que regem o trabalho na FOA/UNESP desenvolve o senso crítico para saber, inclusive, diferenciar o que se trata de uma questão cultural, empírica, daquilo que é legal e onde está o seu embasamento teórico.

Só que eu sempre li as coisas, as legislações, eu procurava saber o que estava acontecendo nas outras áreas aqui da [divisão]. Então, na substituição do [chefe], eu perguntava por que isso, por que aquilo e, principalmente, questionava: "onde está

escrito isso", "quero saber onde diz isso que você está afirmando". E eu ia atrás e lia

e pesquisava e verificava se era verdade aquilo ou se era pessoal ou cultural. E com isso eu aprendia. Não vou falar que aprendi tudo porque isso não existe. Por isso que até hoje, olha a pilha ali [apontando para uma pilha de documentos, pastas e legislações que ficam num canto de uma mesa grande com tampo de vidro no centro da sala, pilha à qual o sujeito e outros da área sempre recorrem quando precisam de uma legislação específica], está ali, é só vir e procurar para embasar seus argumentos.(SE1)

Com sua explanação, SE1 esclarece o objetivo de se conhecer a legislação para melhorar o próprio trabalho, orientar o público interno, encontrar respostas para problemas sem precedências e para se preparar no intuito de assumir outras funções.

À continuação, articulam-se os conceitos do referencial teórico com os achados desta categoria.

Análise de como os técnicos-administrativos aprendem informalmente ao estudar a legislação

As burocracias estatais são um exemplo claro da persistência e da resiliência de organizações que mantêm até hoje os princípios coercitivos das teorias clássicas da organização. Embora façam apologia a quebras de paradigmas, qualquer usuário de seus

serviços públicos, seja ele interno ou externo, pode comprovar o quanto a organização possui um ambiente complexo, estrutural e psicologicamente (CUNHA, 2011).

A FOA/UNESP é uma burocracia profissional. Seu trabalho é padronizado e orientado à tarefa, o ambiente é estável e não inclui muitos controles externos à organização. O fator básico do trabalho é representado pelas aptidões e conhecimentos de seus trabalhadores, os quais são profissionais ou pessoas altamente qualificadas, que conhecem o ofício (HALL, 2004). Seus funcionários têm elevado nível de escolaridade (CUNHA, 2011; HALL, 2004) e sua área de atuação situa-se no domínio técnico, ou seja, os servidores resolvem problemas técnicos associados a um negócio delimitado no topo da organização, ou seja, a educação pública de nível superior. Daí a denominação de “técnico” (CUNHA, 2011).

Os funcionários técnico-adminsitrativos se valem da formalização organizacional para se tornarem peritos em suas tarefas, impondo procedimentos altamente formalizados, forçando seus membros a concordarem com suas orientações. A administração conduzida por esse tipo de funcionário é baseada na disciplina, e os indivíduos obedecem às orientações porque percebem que a ordem mantida baseada em regras é a melhor forma de se atingir os objetivos (ADLER; BORYS, 1996).Essa função coercitiva da burocracia é vista como negativa quando o indivíduo na organização assume que ela é essencialmente coercitiva e isso permite anular sua autonomia. Outra consideração negativa a ser feita são as assimetrias de poder geradas e as divergências nos interesses econômicos. Sobre essa última, quando claramente se percebe que a organização caminha contra seus próprios interesses limitada pela sua própria formalização (ADLER; BORYS, 1996).

No entanto, nem tudo é ruim na burocracia profissional. O trabalho baseado em legislações ajuda na redução de conflitos de papéis e da ambiguidade. Ainda, quando o funcionário técnico-administrativo consegue perceber ao menos uma coincidência entre seus próprios objetivos com os da universidade, ele pode abrir as portas para uma formalização que contribua com a eficiência da organização, propondo e implementando rotinas que facilitem seu trabalho altamente formalizado e que ao mesmo tempo aumente o desempenho de suas tarefas, o da organização e seu orgulho em ser membro daquela instituição (ADLER; BORYS, 1996).O que não é tarefa fácil, uma vez que a própria legislação criada, e sob a qual terão seu desempenho avaliado, impede-os de buscar uma maior autonomia. Conforme observado em muitas pesquisas nessa área, essa rigidez também pode conduzir a uma grande sensação de insatisfação, impotência, alienação e isolamento psicossocial no trabalho (HALL, 2004).

Quando os técnicos-administrativos afirmam que seu trabalho é complexo, fazem referência a uma outra característica estrutural da organização além da formalização: a complexidade.

A complexidade é o grau de especialização de uma organização e está diretamente relacionada ao número de especialidades ocupacionais que ela tem, ao seu tamanho, ao número de divisões, departamentos e seções e ao nível educacional de seus membros (HALL, 2004). A FOA/UNESP atende a todos os fatores citados. Por ser uma Faculdade de Odontologia possui em seu quadro funcional uma ampla variedade de ocupações: cirugiões- dentistas, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, médicos de diversas especialidades, psicólogos, técnicos de radiologia, de laboratório, de segurança no trabalho, entre outros, ademais das funções docentes e administrativas. A UNESP conta com mais de 10 mil funcionários distribuídos na sua estrutura já apresentada anteriormente. Logo, se já existem premissas que a tornam complexas, Hall (2004) afirma que o cenário não mudará, pois há forte tendência de as organizações se tornarem cada vez mais complexas à medida que as próprias atividades e o ambiente que as circundam se tornam mais complexos. As organizações que sobrevivem tendem a crescer em tamanho, sendo que o tamanho e a complexidade são relacionados. A maior complexidade conduz a maiores problemas de coordenação e controle (HALL, 2004). Logo, a partir dessa relação, é evidente concluir que maior formalização é necessária e volta-se à questão inicial deste texto.