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Revisão do Estado da Arte

Tema 1: Aprendizagem Organizacional

2.1 Aprendizagem Organizacional: Conceitos-chave

Aprendizagem Organizacional e Organizações Aprendentes

O estudo da aprendizagem organizacional foi surgindo ao longo do século XX associado às questões da produtividade, processos de produção, planeamento, qualidade ou mesmo do capital humano como fatores capazes de explicar a diferente performance das organizações. O tema ganhou maior importância a partir da década de 90, com a publicação de Senge “The fifth discipline” onde o autor apresenta o sucesso das organizações com base na sua capacidade de aprender, atribuindo a designação de learning organizations ou organizações aprendentes àquelas que intencionalmente desenvolvem uma estratégia para promover a aprendizagem dos seus indivíduos e grupos (Senge, 1990). Esta crescente importância é visível pelo elevado número de publicações dedicadas ao tema em áreas como a psicologia, a saúde, a gestão, a economia, os recursos humanos, os sistemas de informação, a organização militar, entre outros. Se, por um lado, este interesse é explicado pela procura de novas ideias de académicos e consultores no desenvolvimento organizacional ele é, por outro, impulsionado pelo forte desenvolvimento dos sistemas de informação, pelo contexto de recessão vivido no fim da década de 80 e pela dificuldade das organizações responderem a

um ambiente inconstante, fruto de estruturas rígidas e culturas organizacionais pouco flexíveis, incapazes de promover a aprendizagem e a inovação (Rebelo & Gomes, 2008).

O aumento da investigação e da literatura sobre a temática da aprendizagem organizacional na perspetiva das diferentes disciplinas originou, segundo alguns autores, alguma falta de entendimento, promovendo o desenvolvimento de diferentes terminologias para a sua caracterização. Segundo Huber (1991) o amplo campo de trabalho e a falta de consenso sobre o que é e como deve ser estudado o tema são fatores que favorecem a proliferação de perspetivas, dificultando a definição dos aspetos relevantes que uma organização deve focar na procura da maior eficácia da sua aprendizagem. Contudo, Easterby-Smith (1997) defende que a tentativa de encontrar um enquadramento único para o estudo da aprendizagem organizacional não faz sentido, precisamente devido ao facto de cada disciplina desenvolver a sua própria ontologia, atender a diferentes tópicos e métodos de pesquisa, considerando mais relevante a complementaridade das diferentes visões.

A aprendizagem tem merecido destaque por proporcionar condições de manutenção e crescimento às organizações face à era do conhecimento (Silva & Neves, 2003). Duas correntes têm explicado a aprendizagem nas organizações: uma descritiva, orientada para a forma como as organizações aprendem e para os processos envolvidos – organizational learning (aprendizagem organizacional), e uma prescritiva, focada na forma como as organizações deveriam aprender – learning organization (organizações aprendentes) (Crossan, Lane, & White, 1999). No Quadro 1 apresentam-se algumas definições para os dois conceitos.

Quadro 1 – Definições de Aprendizagem Organizacional e Organizações Aprendentes

Aprendizagem Organizacional (AO)

Argyris & Schön (1978)

Processo que ocorre quando os membros de uma organização atuam como agentes de aprendizagem, respondendo a mudanças no ambiente interno e externo através da deteção e correção de erros, incorporando os resultados nas imagens e modelos mentais partilhados na organização.

Hedberg (1981)

É mais do que a aprendizagem dos seus indivíduos, partindo da ideia de que nas organizações as pessoas ou os líderes podem mudar, mas são preservados os sistemas cognitivos, modelos mentais, normas, valores e memórias que fazem parte da organização.

Fiol & Lyles (1985) Processo de melhorar ações numa organização, através de um maior conhecimento e entendimento. Swieringa &

Wierdsma (1992) Aprendizagem coletiva capaz de promover a mudança, permitindo que tanto os indivíduos como toda a organização melhorem. Weiss (1990) Mudança relativamente permanente no conhecimento e competências que resulta da experiência pressupondo, simultaneamente, um processo e um

Miller (1996) Aquisição de novo conhecimento pelos atores organizacionais que são capazes e estão dispostos a aplicar esse conhecimento na tomada de decisões ou na influência de outras pessoas na organização.

DiBella, Nevis, & Gould (1996)

A capacidade ou conjunto de processos internos, que mantêm ou melhoram o desempenho baseado na experiência, cuja operacionalização envolve a aquisição, disseminação e utilização de conhecimento.

Guoquan (2005)

Processo através do qual uma organização adquire continuamente novo conhecimento e se ajusta para se adaptar com sucesso às mudanças da envolvente interna e externa e manter a sua existência e desenvolvimento sustentáveis.

Dodgson (1993)

Os modos pelos quais as empresas criam, acrescentam e organizam conhecimento e rotinas em torno das suas atividades e no âmbito das suas culturas, e adaptam e desenvolvem a eficiência organizacional através da melhoria das capacidades genéricas da sua força de trabalho.

Crossan, Lane, & White (1999); Crossan, Maurer, & White (2011)

Processo de mudança cognitivo e comportamental que envolve uma tensão entre assimilar novo conhecimento (exploration) e a utilização do que já foi aprendido (exploitation).

Organizações Aprendentes (OA) /Learning Organizations

Senge (1990)

Organização que integra 5 disciplinas principais:

- Domínio pessoal: estimula padrões de pensamento que incentivam as pessoas a continuamente aprender a aprender, apoiadas por um clima organizacional onde não existe o medo de errar;

- Modelos mentais: promove modelos mentais que fomentam a vontade de melhorar continuamente e permitem por em causa normas e práticas;

- Visão partilhada: partilha uma visão sobre o futuro da organização, envolvendo e comprometendo os seus colaboradores;

- Aprendizagem em equipa: promove o diálogo e a aprendizagem em equipa, desenvolvendo competências que vão para além dos talentos individuais;

- Pensamento sistémico: olha e analisa a organização nas inter-relações entre os seus sistemas e não como partes isoladas.

Senge considera as organizações aprendentes as mais preparadas para responder às mudanças constantes do ambiente externo. Para o autor a organização aprendente não é um fim em si, mas um caminho que se percorre continuamente.

Garvin (1993)

Organização hábil na criação, aquisição, interpretação, transferência e retenção de conhecimento, bem como na modificação deliberada do seu comportamento para refletir novos conhecimentos. Se não houver mudança, a aprendizagem não passará de apenas um potencial de melhoria.

Moilanen (1999)

Organização em que a aprendizagem é considerada uma componente vital nos seus valores, visão e metas, bem como nas suas operações diárias. É uma organização que elimina obstáculos estruturais à aprendizagem, criando estruturas que a facilitem e mecanismos para avaliar a aprendizagem e o desenvolvimento. Investe na liderança para ajudar as pessoas a encontrar os seus próprios objetivos e a eliminar obstáculos pessoais, fornecendo feedback e beneficiando dos seus resultados.

Ciclos de aprendizagem

Na literatura, a aprendizagem organizacional é apresentada como tendo diferentes ciclos. Senge (1990) distingue a aprendizagem do tipo adaptativo, centrada no desenvolvimento de capacidades para gerir novas situações através de melhorias incrementais, da aprendizagem generativa, baseada no desenvolvimento de novas perspetivas e possibilidades. De forma semelhante, Fiol & Lyles (1985) distinguem a aprendizagem de baixo nível, que ocorre através da repetição de experiências passadas e de pequenos ajustamentos no dia a dia da organização, da de alto nível, baseada no desenvolvimento de regras complexas para novas ações, no entendimento de causas e na definição de normas que influenciam a organização. Para os autores, é esta a aprendizagem com maior impacto na sobrevivência de longo prazo.

Argyris & Schön (1978) consideram três ciclos de aprendizagem:

Single-Loop: relativo à deteção e correção de erros, na perspetiva da melhoria contínua. Aprendizagem instrumental capaz de trazer mudanças, embora mantendo a normalidade da organização. Os problemas são resolvidos, na maioria das vezes, sem se questionar a sua génese, não promovendo uma mudança nos procedimentos da organização;

Double-Loop: aprendizagem que coloca em causa as práticas, premissas e normas da organização, afetando a sua estrutura de conhecimento. Permite encontrar as razões mais profundas e motivos que levam a determinados problemas e contribui para mudanças significativas no conhecimento da organização. Promove o diálogo e a abertura à discussão, antes considerados indiscutíveis;

Deuterolearning ou Triple-Loop learning: capacidade da organização aprender a aprender, pondo em causa os seus princípios, missão, visão, objetivos e cultura. As organizações que implementam este tipo de aprendizagem são as que compreendem que existem barreiras ao desenvolvimento de novas formas de pensar, fomentando processos e práticas para aprenderem a aprender melhor.

Figura 6 – Ciclos de aprendizagem de Argyris & Schön (1978; 1991)

Context Frames Actions Outcomes

Single-Loop Learning Double-Loop Learning Triple-Loop Learning Incremental improvement of established routines Reframing Transforming

O single-loop, a aprendizagem adaptativa e a de baixo nível afiguram-se como aprendizagens incrementais relativas ao dia a dia da organização, focadas na resolução de problemas, enquanto o double-loop, a aprendizagem generativa e a de alto nível, se referem a aprendizagens mais profundas, que analisam o histórico da organização e põem em causa os motivos que originam os problemas, bem como os valores e crenças que motivam os objetivos e estratégia da organização.

Santana (2005) refere que os diferentes tipos de aprendizagem não podem ser classificados como bons ou maus, nem mais ou menos efetivos, uma vez que pequenas aprendizagens do dia a dia, embora possam oferecer uma evolução menor na organização, quando realizadas de forma contínua, constituem um importante meio de renovação do conhecimento. Ao mesmo tempo, alterações mais profundas na organização dificilmente podem ser realizadas através de um sistema incremental, sendo necessário questionar o contexto, as práticas ou mesmo a cultura da organização. Os dois tipos de aprendizagem consideram-se, por isso, necessários e complementares. Muitas organizações não progridem, no entanto, de uma aprendizagem do tipo single-loop porque os seus líderes evitam que se questionem os princípios e normas da organização (Altman & Iles, 1998).

Níveis de aprendizagem

A aprendizagem organizacional é entendida como um processo que ocorre em três níveis: individual, de grupo e organizacional (Crossan et al., 1999; Fiol & Lyles, 1985).

Aprendizagem Individual

Processo de aprendizagem do indivíduo, desenvolvido pelo próprio e que pode ser estimulado pela organização principalmente com vista ao desenvolvimento de competências e capacidades necessárias para a realização das tarefas exigidas numa determinada função (Bontis, Crossan, & Hulland, 2002). Um dos principais trabalhos relacionados com a aprendizagem individual foi desenvolvido por Kolb (1984) que propôs um modelo de aprendizagem baseado na experiência, também conhecido por “Ciclo de Kolb” (Figura 7). O modelo sugere que a aprendizagem do indivíduo se realiza em quatro fases: Experiência Concreta (sentir ou experimentar uma atividade); Observação Reflexiva (rever e refletir sobre a experiência); Conceptualização Abstrata (concluir e aprender com a experiência, equacionando formas futuras de realizar a atividade) e Experimentação Ativa (planear e experimentar o que se aprendeu, aplicando os novos conceitos). Para o autor, “no processo de aprendizagem, vai-se passando, em variados graus, de ator para observador, de um envolvimento específico para um distanciamento analítico geral” (Kolb, 1984, p. 31).

Figura 7 – Modelo de aprendizagem experimental de Kolb (1984)

Segundo Jashapara (2004), o ciclo da aprendizagem experimental é refletido em diferentes instrumentos de gestão, como o ciclo PDCA de Deming, o ciclo observação, reação emocional, julgamento e intervenção, de Schein, ou o ciclo descoberta, invenção, produção, generalização, de Argyris & Schön. Estes ciclos contribuíram para a compreensão dos estilos de aprendizagem, permitindo ajudar os indivíduos a compreender as suas forças e fraquezas no processo de aprendizagem de acordo com o seu perfil mais ativista, pragmático, refletor ou teórico. Birdi, Wood, Patterson, & Wall (2004) apresentam exemplos de práticas de aprendizagem individual que incluem a formação em contexto de trabalho, a aprendizagem formal, o e-learning, a rotação de trabalho, a participação em equipas multifuncionais, o plano de desenvolvimento individual, a revisão de performance, o mentoring/coaching, entre outros. Apesar da importância da aprendizagem formal para a aquisição de conhecimentos, para Senge é na aprendizagem informal que ocorre a maior parte da aprendizagem individual (1990). Segundo Di Milia & Birdi (2010) uma aprendizagem individual positiva influencia positivamente o desempenho individual, a eficácia, a flexibilidade, a satisfação com o trabalho e a vontade de aprender. No entanto, poucos estudos relacionam os efeitos das práticas de aprendizagem individual com a performance organizacional, sendo mais evidente a relação com o desempenho individual.

Aprendizagem de grupo

Processo social e coletivo que resulta da crença de que a combinação dos saberes dos membros de uma equipa tem resultados superiores à performance individual. Apesar de não haver uma evidência expressiva nos estudos sobre a relação entre o desenvolvimento das equipas e a performance organizacional, Birdi, Patterson, & Wood (2007) encontraram uma

Experiência Concreta Observação Reflexiva Conceptualização Abstrata Experimentação Ativa

relação positiva entre organizações que apostam em dinâmicas de aprendizagem em equipa e critérios de desempenho organizacional. Neste sentido, espera-se que uma maior formação e desenvolvimento de competências em grupo promovam um melhor desempenho organizacional. Birdi et al. (2004) referem práticas de aprendizagem em equipa como a promoção de mecanismos (ferramentas e processos) para as equipas avaliarem os seus próprios resultados, processos de tomada de decisão e resolução de conflitos em grupo, revisão regular dos processos nas equipas para garantir a sua relevância e melhoria, feedback permanente da performance das equipas, formação de líderes, definição de objetivos de equipa e individuais relacionados com os objetivos de negócio, etc.

Aprendizagem Organizacional

Processos individuais e de grupo que são transcritos para a organização sob a forma de estruturas, processos, regras e rotinas. A aprendizagem organizacional pode ser definida como a capacidade de uma organização gerar, divulgar e reter o conhecimento, ou seja, a capacidade coletiva da organização aprender. Organizações que estimulam a partilha de conhecimentos entre funções e níveis devem conseguir melhores graus de aprendizagem, sendo necessário, contudo, que este conhecimento se institucionalize. A partilha de conhecimento pode suportar-se em tecnologias como intranets ou ferramentas de gestão de conhecimento, mas também no desenho de procedimentos que promovam o fluxo de informação ascendente e descendente, entre níveis. A aprendizagem organizacional deve, assim, influenciar positivamente o desempenho organizacional. No entanto, os estudos realizados focam casos isolados, faltando maiores evidências desta relação. Birdi et al. (2004) identificam práticas como sistemas para comunicar rapidamente informações em toda a organização, o acesso a uma vasta gama de informações organizacionais, sistemas que permitam a partilha de informação entre colaboradores, esquemas onde os colaboradores possam partilhar ideias, o envolvimento dos colaboradores na implementação de mudanças e no desenvolvimento da estratégia, entre outras. Jashapara (2004) considera essencial uma cultura organizacional não só orientada ao sucesso, como também ao fracasso, considerando que é na partilha de falhas e erros duramente superados, resultado de experimentação e de introspeção, que se consegue desenvolver novo conhecimento e inovar. Para o autor, a maioria das organizações mantém uma cultura demasiado orientada para o sucesso, o que, sendo importante como uma base segura e confiável de ação, tende a manter o status quo, podendo levar à complacência, à aversão ao risco e à homogeneidade (Figura 8).

Figura 8 – Sucesso e Fracasso nas Organizações (Jashapara, 2004)

Crossan et al. (1999) desenvolveram um framework suportado na ideia da aprendizagem organizacional como um processo dinâmico organizado nos três níveis apresentados, considerando que cada nível influencia os restantes. Para os autores, a aprendizagem individual não é suficiente, por si só, para criar um real benefício para a organização, considerando que, para gerar valor, o conhecimento tem de ser partilhado e institucionalizado, dependendo da organização a capacidade para o integrar (Figura 9).

Figura 9 – Aprendizagem Organizacional como um processo dinâmico (Crossan et al., 1999)

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