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Aprendizagens na internet, com bandas e amigos

5. CAMINHOS METODOLÓGICOS

6.3 Dimensões sociais da (auto)formação musical

6.3.3 Aprendizagens na internet, com bandas e amigos

O título do relato escrito de Carlos é um bom refrão para pensarmos a relação entre a educação musical e a tecnologia nos dias de hoje: “A abundância na disponibilidade do conteúdo na Internet e a vontade de aprender no século XXI”. Ele levanta dois pontos nessa consideração: em primeiro o caráter quantitativo dessa relação, ou seja, existe na web uma infinidade de matérias disponíveis, desde apostilas, pdf, vídeo-aula, tutoriais, sites especializados, etc.; e em segundo o caráter ativo dessa aprendizagem, expressado pela vontade de buscar coisas novas. De certa forma, também sintetiza algumas questões já formuladas na educação musical (SOUZA, 2000; 2008; CORRÊA, 2000; GOHN, 2003; ARALDI, 2008; BORBA, 2013).

Seguindo seu relato, Carlos conta que “antes de entrar no curso de música e tecnologia eu tive aulas de violão clássico durante um semestre, mas decidi não continuar, pois parte da teoria não me atraía, e continuei aprendendo o que me interessava na internet, assistindo vídeos e lendo tutoriais online”. Essa modalidade de pesquisar ainda o acompanha no ensino superior: “Apesar de hoje estar estudando música dentro da faculdade, a minha fonte primária de informações continua sendo a internet” (CARLOS, relato escrito).

Ricardo escreve no mesmo sentido, detalhando suas relações de aprendizagens musicais com a tecnologia:

Vale também comentar nesse texto que tive muito contato com a tecnologia enquanto estava aprendendo a tocar, pelo fato de ter feito pouca aula de instrumento, aprendi só o básico com um professor, depois acabei estudando instrumento enquanto tirava músicas que eu gostava utilizando apenas o computador com softwares de tablatura como o Guitar Pro, sites de cifras e tablaturas e vídeos na internet com tutoriais de músicas. Praticamente toda a técnica que desenvolvi no meu instrumento foi dessa forma, e acredito também que isso ajudou na minha percepção musical, mesmo eu nem sabendo o que era isso na época. Mais tarde quando estava estudando para as provas específicas do vestibular, estudei teoria e percepção praticamente apenas com auxílio de vídeos na internet e sites interativos com exercícios de teoria e percepção musical. A tecnologia foi muito importante no meu aprendizado musical. (RICARDO, relato escrito)

As experiências com bandas também assumiram um papel significativo nas narrativas produzidas e apareceram ligadas tanto ao contexto religioso como no contexto do rock n’ roll e da música gaúcha (e algumas vezes transversalizando esses contextos, deslocando fronteiras entre eles). Se tocar em grupo revela a projeção de certos desejos e projetos musicais, também é um espaço de socialização, onde são negociados repertório, identidades e estratégias musicais. Conforme Souza et. al. (2003), um olhar sobre as bandas pode nos ajudar a “compreender como conceitos musicais são construídos e que papel desempenham na prática musical” (p.69).

Henrique atesta a importância de sua vivência com bandas, enquanto projeto de realização pessoal:

Após saber o básico do violão, já botei pilha em alguns colegas da escola onde eu estudava para montar uma banda, então a partir desse momento minha vida ganhou um espaço que é dedicado até os dias de hoje a “ter uma banda”, e logo na primeira banda já surgiu músicas autorais, e desde então comecei a compor. Tive umas 3 bandas até 2007, e foi com a 4º banda que comecei a levar mais a sério a música, como um sonho, com a vontade de sair de casa e tocar pelo mundo a fora. Com essa banda saímos de

Uruguaiana-RS em 2009 e fomos morar em São Paulo, vivi 4 anos lá de muita aprendizagem, tanto musical quanto para a vida (relato escrito).

Para Tiago, a sua prática musical está diretamente ligada às suas primeiras experiências com bandas: “toda minha forma de tocar hoje reflete a minha prática inicial, com a música regional do Rio Grande do Sul. Toquei em Festivais, bailes e outros eventos do gênero. Em diversos grupos de diferentes formações, com pessoas de minha idade e com outras mais velhas” (relato escrito). Essas experiências múltiplas, ao mesmo tempo em que geram inúmeras aprendizagens, são também importantes elementos para a constituição de identidades: “meu crescimento musical foi grande a partir das vivências com estes companheiros de grupo. Pois todos estamos ali com o mesmo anseio, fazer música gaúcha bem feita e da maneira mais tradicional” (TIAGO, relato escrito).

Alguns relatos sugerem a importância de aprender com músicos mais experientes, fato que já tem sido destacado como uma modalidade presente nas aprendizagens em bandas ou grupos musicais (CORRÊA, 2000; LACORTE; GALVÃO, 2007; ARALDI, 2008; RECK, 2011). Ricardo conta que “cerca de dois anos mais tarde fui convidado por pessoas mais velhas do que eu e com bem mais experiência, para tocar em uma banda de música autoral. Foi nessa banda que tive o primeiro contato com músicos mais capacitados e acabei aprendendo muita coisa”. E ainda:

Foi nessa banda que conheci o músico que me incentivou a seguir estudando música e ingressar na faculdade de música, que também foi a pessoa que me ensinou pela primeira vez algum conteúdo de teoria musical. Toquei nessa banda durante uns 3 anos, que foram talvez os anos de maior aprendizado musical na minha vida antes de entrar na universidade (RICARDO, relato escrito).

Tiago também destaca as aprendizagens com os mais experientes e relata sobre o conselho que recebeu: “pude ouvir certa vez de um grande músico em quem eu me espelhava muito na maneira de tocar ‘tu deve tocar com gente que toca mais do que tu, assim tu irá melhorar’. Aquilo foi de grande importância para que eu me desse conta que poderia tocar ainda melhor e que estava fazendo a coisa certa para ser um bom instrumentista” (TIAGO, relato escrito).

Outras vezes, as experiências significativas com bandas não podem ser expressas em termos definidos, mas se espraiam em modalidades mais ou menos difusas. Às vezes diferentes situações exigem respostas específicas, seja no palco, na sonorização, no

improviso, nas soluções mais inusitadas, e só podem ser compreendidas no próprio fazer. Um trecho do relato escrito por Ricardo é fundamental para ilustrar algumas dessas estratégias:

O aprendizado foi informal, sempre aprendendo tocando as músicas da banda, criando arranjos e raramente tocando alguns covers, mas foi muito importante para minha ‘formação musical’, pois viajamos bastante tocando em muitas cidades para diferentes públicos em diferentes situações, isso me deu uma experiência de palco, e aquela velha malandragem que só o palco ensina.

...

Neste capítulo tentei enfatizar algumas das múltiplas experiências musicais que são produzidas e negociadas na relação com o mundo vivido, e que, de certa forma, ‘vêm a contrabando’ na chegada ao ensino superior de música. Todas essas vivências – as trajetórias, as memórias e lembranças, as instâncias socializadoras – fazem parte do sujeito em sua formação acadêmica, e não revelam apenas a continuidade e manutenção das tradições, mas também se renovam, se modificam e se transformam. Tomadas no campo da formação de professores de música, essas vivências assumem papel significativo enquanto possibilidades de reflexão e autoconhecimento.

Ainda gostaria de acrescentar que nada foi dito de novo, se considerarmos que todas essas instâncias sociais já foram reconhecidas e abordadas no campo da educação musical como dimensões de aprendizagens significativas no cotidiano. Talvez o interessante aqui esteja em colocá-las lado a lado, atravessadas por um olhar caleidoscópico, num processo de formação em música. Partindo desse panorama mais amplo (e dessa amplitude se justifica a superficialidade e ligeireza nas análises descritas acima), me detenho no próximo capítulo numa dessas instâncias específicas: a dimensão religiosa.

7. NARRATIVAS DE SI: MÚSICA, RELIGIOSIDADE E