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4. NARRATIVAS DE SI: ABORDAGEM (AUTO)BIOGRÁFICA

4.5 Narrativas em Educação Musical

Talvez já seja possível sublinhar a produção de uma orientação teórico- metodológica capaz de problematizar e pensar as narrativas de si na pesquisa em educação musical. O n27 da Research Studies em Music Education é exemplo de como esses aportes têm se destacado no cenário internacional da pesquisa em educação musical. A edição foi pensada a partir do Narrative Soundings: The First International Conference on Narrative Inquiry in Music Education (NIME), realizada no Arizona State University, em 2006, para discutir as potencialidades das contribuições narrativas na pesquisa em educação musical. Esse esforço traduz “o crescente interesse nas narrativas como uma forma de propor questões e interrogar problemas na educação musical58” (BARRETT; STAUFFER, 2006, p.2).

No Brasil, ao realizar levantamento das produções apresentadas no I CIPA, Souza et. al. (2008) destacam a presença de diferentes áreas do conhecimento, como a

57 O autor assinala brevemente sete aspectos: utilização de materiais já existentes (memórias, diários, etc.) ou desenvolvimento de uma produção (auto)biográfica com objectivos específicos; reflexão baseada essencialmente em materiais escritos ou orais; tipo de acordo celebrado entre o ‘investigador’ e o ‘actor’; número de casos em que se baseia o estudo; o contexto e a forma de produção do material (auto)biográfico (individual, em grupo, etc.); as técnicas de análise dos documentos (auto)biográficos” (NÓVOA, 1995, p.23).

58 No original: “the growing interest in narrative as a means to pose questions and interrogate issues in music education”.

psicologia, sociologia, história, antropologia e as artes, “especialmente a música” (p.35). Conforme indicam Maffioletti e Abrahão (2016), “a pesquisa narrativa em educação musical está em andamento no cenário brasileiro”, envolvendo discussões em torno de (auto)biografias, memórias, histórias de vida e práticas em formação.

Pontualmente, o trabalho de Torres (2008), ao investigar a construção das identidades musicais de alunas/professoras da pedagogia, pode ser indicado como um exemplo da emergência da perspectiva (auto)biográfica como abordagem de pesquisa em educação musical. As narrativas escritas pelas alunas são chamadas pela autora de “autobiografias musicais” (p. 239), nas quais elas descrevem fatos, cenas, músicas e momentos de entrelaçamentos pessoais e musicais.

Desde então, a adoção de um enfoque (auto)biográfico tem despertado cada vez mais interesse na produção em educação musical (ABREU, 2011a, 2011b, 2015; GAULKE, 2013a, 2013b; LIMA, 2013; ANEZI; GARBOSA, 2013; DOURADO, 2013; LOURO; TEIXEIRA; RAPÔSO, 2014; WEBER, 2014; WEBER; GARBOSA, 2015; SALA; LOURO, 2015), com diferentes temáticas e orientações de pesquisa. Uma parte expressiva dessa produção pode ser mapeada a partir da apresentação de comunicações e trabalhos em congressos recentes da Associação Brasileira de Educação Musical (PEDRINI; MAFFIOLETTI, 2013; WEBER; GARBOSA, 2013a; ABREU, 2013; ALMEIDA; LOURO, 2013; GAULKE, 2013c; LOURO; TEIXEIRA, 2013; ARAÚJO, 2015; PEDRINI, 2015; SILVA; ABREU, 2015a; QUEIROZ, 2015; RECK; LOURO, 2015), Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Música (SILVA; ABREU, 2014b 2015b; ABREU, 2013a, GAULKE, 2013d; SOUZA; BELLOCHIO, 2013; WEBER; GARBOSA, 2013b) e Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)biográfica (ANEZI; WEBER; GARBOSA, 2012; LIMA; GARBOSA, 2012; GARBOSA et al, 2012; WEBER; GARBOSA; ANEZI, 2012; ABREU, 2012; PEDRINI, 2012; TORRES, 2012; SANTOS; ROCHA; DANIEL, 2012; GAULKE, 2012; MAFFIOLETTI; ABRAHÃO, 2014; TEIXEIRA; LOURO, 2014; LOURO; RAPÔSO, 2014; SILVA; ABREU, 2014a; FIGUERÔA; ABREU, 2016; VASCONCELOS, 2016; ARAÚJO, 2016).

O estudo de Alves (2014) apresenta uma tentativa de verificar o estado da arte das pesquisas (auto)biográficas na educação musical brasileira, principalmente na formação e atuação do professor de música. Segundo a autora, as narrativas, (auto)biografias e histórias de vida contribuem para a reflexão e formação inicial e/ ou

continuada dos professores de música e vêm favorecendo o desenvolvimento da pesquisa em Educação Musical na atualidade.

Louro (2008b), por exemplo, se utiliza da história oral para compreender as narrativas de professores e suas identidades profissionais no ensino superior. Gaulke (2013a) parte das narrativas de formação para investigar os anos iniciais da docência em música de professores da rede escolar de Porto Alegre-RS. Já Pedrini (2013) foca as narrativas de três crianças sobre suas experiências musicais na escola e suas relações no cotidiano (sociedade, mídias, família). Para essa autora, o método possibilita “ver o mundo a partir dos olhos dos outros e descobrir os motivos, tempos, espaços e maneiras pelas quais as pessoas se envolvem na experiência musical” (PEDRINI, 2013, p.33).

Abreu (2011b) aponta como a pesquisa (auto)biográfica pode contribuir para o estudo e compreensão dos processos de profissionalização de professores que atuam na área de educação musical, mas possuem licenciatura em outras áreas. As narrativas (auto)biográficas desses professores revelam trajetórias de formação muito peculiares e uma busca incansável pelo aprimoramento profissional. Nessa direção a abordagem (auto)biográfica, segundo a autora, é uma forma de dar visibilidade às peculiaridades das experiências dos professores de música nos contextos em que estão inseridos.

Rapôso e Sala (2014), ao enfatizar os sonhos nos primeiros anos de atuação de professores de música, entendem que a pesquisa autobiográfica permite a manutenção mais clara e articulada da prática docente, auxiliando na compreensão do eu, “não no sentido de um desvelamento, mas no sentido do entendimento das imagens que criamos de nós mesmos” (p.132).

Assim, o indivíduo se torna responsável pela própria trajetória, compreendendo os saberes envolvidos em sua prática e sendo hábil para organizá-los de maneira a efetivar sua prática. As vivências dos professores, destacando-se as primeiras, geram uma série de conflitos que conturbam suas vidas e suas formas de pensar (RAPÔSO; SALA, 2014, p.153).

A escrita e análise de diários, numa perspectiva (auto)biográfica, também têm sido tomadas como possibilidades para a reflexão do professor de música. Tal abordagem procura estudar os fenômenos relacionados a aprender e ensinar música a partir de relatos orais ou da escrita de diários de aula (LOURO; TEIXEIRA; RAPÔSO, 2014; RECK; LOURO; RAPÔSO, 2014; SALA; LOURO, 2015). Em suma, tais pesquisas procuram considerar as narrativas como meio de reflexão para as pessoas que praticam/ensinam música, nos mais variados espaços socais.

Tal preocupação, em particular, tem também movimentado o grupo de pesquisa NarraMus (LOURO; TORRES, 2009; LOURO et al, 2010; RAPÔSO, 2014; RECK; LOURO; RAPÔSO, 2014; RAPÔSO, 2014; LIMA, 2015; WEISS, 2015; RECK; LOURO, 2015; ALMEIDA, 2016; TEIXEIRA, 2016)59 na busca de estudar os fenômenos relacionados com o aprender e ensinar música a partir da “narrativa de si”, ou seja, do ponto de vista de quem se narra. O objetivo é compreender “pessoas no plural” (músicos, professores e alunos de música), bem como “músicas no plural” (erudita, popular, midiática, religiosa) de modo a auxiliar a reflexão dos professores de música, “sejam eles em formação inicial ou em atividade no ensino superior, na escola básica, em projetos sociais ou de forma particular” (LOURO; TEIXEIRA; RAPÔSO, 2014, p.27-28).

Se os aportes teóricos da (auto)biografia parecem ocupar um espaço considerável tanto no campo da educação como da educação musical, a recepção desses aportes, embora apresentem aspectos importantes, também preocupa no sentido de uma apropriação apressada de seus pressupostos, ou de um reducionismo imediatista60. Assim, na tentativa de atenuar tais riscos, o capítulo seguinte, ao descrever os caminhos de realização da pesquisa, se ocupará de levantar alguns problemas e cuidados metodológicos específicos que as investigações narrativas podem representar, enquanto produção e análise de dados.

59 O grupo NarraMus também tem contribuído com as discussões locais sobre a pesquisa (auto)biográfica

promovendo o Encontro de Educação Musical e Pesquisa (Auto)Biográfica, realizado em três edições (2012, 2013, 2014) na cidade de Santa Maria/RS.

60 Refiro-me particularmente às pesquisas que tencionam se utilizar da abordagem (auto)biográfica apenas como método de coleta de dados, argumentando que tais ferramentas seriam mais apropriadas às suas subjetividades, resultando assim em uma análise apartada dos pressupostos mais amplos das pesquisas (auto)biográficas.