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3 O BRINCAR/JOGO DE PAPÉIS SOCIAIS

3.2 Apresentação do Brincar/Jogo de Papéis Sociais nos Documentos do MEC

O brincar/jogo de papéis sociais foi estudado em dois documentos do MEC selecionados, a saber: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil- RCNEI (BRASIL, 1998) e no Prêmio Qualidade na Educação Infantil 2004: projetos premiados (BRASIL, 2004).

A maior parte do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) não traz as referências utilizadas no corpo do texto, o que nos dificulta identificar trechos referentes a autores da Psicologia Histórico-Cultural. No primeiro volume, ao se referir ao brincar, há trechos que consideramos terem sido escritos pautados nas ideias de autores soviéticos. Este documento destacou que a apropriação de elementos da realidade e a atribuição de novos significados a esta é constitutivo do brincar. Além disso, “[...] essa peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da realidade. Toda brincadeira é uma imitação transformada, no plano das emoções e das idéias, de uma realidade anteriormente vivenciada” (BRASIL, 1998, v.1, p.27).

Outro ponto ressaltado no documento como principal indicador da brincadeira foi o papel assumido pelas crianças ao brincar. A esse respeito, “[...] ao adotar outros papéis na brincadeira, as crianças agem frente à realidade de maneira não-literal, transferindo e substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel assumido, utilizando-se de objetos substitutos” (BRASIL, 1998, v.1, p. 27).

Ainda a esse respeito, no brincar, “[...] a criança estabelece os diferentes vínculos entre as características do papel assumido, suas competências e as relações que possuem com outros papéis, tomando consciência disto e generalizando para outras situações” (BRASIL, 1998, v.1, p. 28).

Neste documento, destaca-se também a independência da criança na escolha dos colegas envolvidos na brincadeira e nos “[...] papéis que irão assumir no interior de um determinado tema e enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente da vontade de quem brinca” (BRASIL, 1998, v.1, p. 28).

Acerca da relação do professor com a brincadeira, no RCNEI, afirma-se que o educador deve auxiliar a criança a estruturar as brincadeiras. Ou seja, o professor deve organizar a base estrutural da brincadeira, “[...] por meio da oferta de determinados objetos, fantasias, brinquedos ou jogos, da delimitação e arranjo dos espaços e do tempo para brincar” (BRASIL, 1998, v.1, p. 28).

Cabe ao professor organizar situações para que as brincadeiras ocorram de maneira diversificada para propiciar às crianças a possibilidade de escolherem os temas, papéis, objetos e companheiros com quem brincar ou os jogos de regras e de construção, e assim elaborarem de forma pessoal e independente suas emoções, sentimentos, conhecimentos e regras sociais (BRASIL, 1998, v.1, p. 29).

O professor também deve ter consciência “[...] que na brincadeira as crianças recriam e estabilizam aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas do conhecimento, em uma atividade espontânea e imaginativa” (BRASIL, 1998, v.1, p. 29). Por isso, o professor deve estar atento para não confundir situações que tenham por objetivo a aprendizagem de certos conceitos com aquelas nas quais os conhecimentos são vivenciados de modo espontâneo pelas crianças.

No segundo volume do RCNEI, afirma-se que capacidades importantes como a atenção, a imitação, a memória e a imaginação podem ser desenvolvidas nas brincadeiras. Ademais, ao brincar, as crianças também amadurecem capacidades de socialização através da interação, utilização e vivências de regras e papéis sociais.

Neste volume, também é ressaltado a relevância do faz-de-conta no desenvolvimento da criança, uma vez que “[...] a fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a criança aprenda mais sobre a relação entre as pessoas, sobre o eu e sobre o outro” (BRASIL, 1998, v.2, p. 22).

Ao brincar de faz-de-conta, as crianças buscam imitar, imaginar, representar e comunicar de uma forma específica que uma coisa pode ser outra, que uma pessoa pode ser uma personagem, que uma criança pode ser um objeto ou um animal, que um lugar “faz-de-conta” que é outro. Brincar é, assim, um espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente (BRASIL, 1998, v.2, p. 22-23).

A brincadeira é entendida no RCNEI como uma atividade interna das crianças pautada “[...] no desenvolvimento da imaginação e na interpretação da realidade, sem ser ilusão ou mentira” (BRASIL, 1998, v.2, p. 23). Ademais, o documento pontua que

as crianças se tornam “[...] autoras de seus papéis, escolhendo, elaborando e colocando em prática suas fantasias e conhecimentos, sem a intervenção direta do adulto, podendo pensar e solucionar problemas de forma livre das pressões situacionais da realidade imediata” (BRASIL, 1998, v.2, p. 23).

Ainda com relação à interpretação da realidade, no documento é apontado que a brincadeira propicia que as crianças “[...] vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas” (BRASIL, 1998, v.2, p. 23).

No terceiro volume do RCNEI, o jogo é abordado como forma de aprendizagem e um instrumento didático. Porém, destaca-se que as situações de jogo devem ser planejadas e orientadas pelo adulto com a finalidade de aprendizagem. Ou seja, essas situações devem possibilitar que a criança adquira algum tipo de conhecimento, relação ou atitude. “Para que isso ocorra, é necessário haver uma intencionalidade educativa, o que implica planejamento e previsão de etapas pelo professor, para alcançar objetivos predeterminados e extrair do jogo atividades que lhe são decorrentes” (BRASIL, 1998, v.3, p.211).

No documento Prêmio Qualidade na Educação Infantil 2004: projetos premiados (BRASIL, 2004), dois projetos premiados (Revivendo as tradições e Boi-de-Mamão) fazem referência ao brincar na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural.

O projeto intitulado Revivendo as tradições, desenvolvido na cidade Macapá/AP, com crianças de quatro a seis anos, teve como objetivo o resgate e a preservação da essência da identidade cultural do Estado (músicas, lendas, cantigas de roda, comidas típicas, etc), a partir de atividades lúdicas. Segundo as autoras, “[...] a inserção do lúdico nas atividades escolares facilita o aprendizado e permite que ela (a criança) possa compreender tudo que está em sua volta, e desenvolver as suas habilidades no processo de ensino/aprendizagem” (BRASIL, 2004, p. 19). Além disso, as autoras destacam que, segundo Vygotsky, “[...] é no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva. Nesse contexto, percebe-se a importância das atividades lúdicas, pois, se bem acompanhadas e observadas, permitem conhecer o desenvolvimento cognitivo da criança para que ela chegue ao aprendizado” (BRASIL, 2004, p. 19).

No projeto intitulado Boi-de-Mamão, que ocorreu na cidade de Florianópolis/SC, com crianças de sete meses a um ano e meio, os autores ressaltam que

através de brincadeiras as crianças têm o primeiro contato com personagens do folclore brasileiro. “O objetivo dessa atividade foi o de estimular a identificação da personagem, a percepção auditiva e a afetividade” (BRASIL, 2004, p.102). No que se refere a Vigotski e suas ideias, os autores escrevem que:

Lev Vigotsky, bielo-russo, fundador da escola soviética de psicologia, corrente que hoje dá origem ao socioconstrutivismo entende a brincadeira como atividade social da criança e, por meio dessa, ela adquire elementos imprescindíveis para a construção da sua personalidade e para a compreensão da realidade da qual faz parte. Ele apresenta a concepção da brincadeira como sendo um processo e uma atividade social infantil (BRASIL, 2004, p.100).