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3 O BRINCAR/JOGO DE PAPÉIS SOCIAIS

4.3 As categorias de análise

4.3.2 O brincar/jogo de papéis sociais

4.3.2.1 O significado da palavra Jogo

Elkonin (2009) destaca que a definição de jogo proposta por ele se aproxima, porém não é idêntica à de Vsevolodski-Guerngross, o qual considera que o jogo é “[...] uma variedade de prática social que consiste em reproduzir em ação, em parte ou na sua totalidade, qualquer fenômeno da vida à margem do seu propósito prático real”

(ELKONIN, 2009, p.19). Esse autor acrescenta que o jogo tem uma relevância social, que se refere à sua função de treinamento do homem nas fases iniciais de seu desenvolvimento e ao seu papel coletivizador.

Elkonin (2009, p.20), ao invés de utilizar o termo reproduzir na definição apresentada acima, prefere a palavra reconstruir, destacando que “[...] no homem, é jogo a reconstrução de uma atividade que destaque o seu conteúdo social, humano: as suas tarefas e as normas das relações sociais”. Portanto, o autor afirma que se pode chamar de jogo a atividade na qual se reconstroem as relações sociais, porém, sem fins utilitários diretos.

O autor também ressalta que só é possível compreender a unidade do jogo se examinarmos a sua forma mais evoluída90, quer seja, o jogo de papéis sociais/ jogo protagonizado. Esse pressuposto é pautado na tese de Marx de que “[...] a anatomia do homem é a chave para a anatomia do macaco [...] as manifestações de um nível superior de desenvolvimento de um fenômeno em seus níveis inferiores só poderão compreender-se se esse nível superior já for conhecido” (ELKONIN, 2009, p. 24).

A unidade fundamental e indivisível da evolução da forma de jogo, para Elkonin (2009) é o papel e as ações que dele decorrem. No jogo estão representadas a motivação afetiva e o aspecto técnico-operacional da atividade e união indissolúvel.

[...] entre o papel e o caráter das ações respectivas há uma estreita ligação funcional e uma unidade contraditória. Quanto mais abreviadas e sintetizadas são as ações lúdicas, tanto maior é a profundidade com que se refletem no jogo o sentido, a missão e o sistema de relações entabuladas na atividade reconstruída dos adultos; quanto mais completas e desenvolvidas são as ações lúdicas, tanto maior é a clareza com que se manifesta o conteúdo objetivo e concreto da atividade reconstruída (ELKONIN, 2009, p. 29).

Ainda no tocante à unidade do jogo, o autor aponta que a base do jogo protagonizado está na relação que as pessoas estabelecem mediante suas ações com os objetos (relação homem-homem) e não no próprio objeto ou no seu uso ou na mudança de objeto que o homem possa realizar (relação homem-objeto). “E como a reconstituição e, por essa razão, a assimilação dessas relações transcorrem mediante o papel do adulto assumido pela criança, são precisamente o papel e as ações

90 Primeiro temos o jogo simbólico, que é centrado nos objetos, e depois o jogo protagonizado (a forma

organicamente ligadas a ele que constituem a unidade do jogo” (ELKONIN, 2009, p. 34).

Outro aspecto relevante destacado por Elkonin (2009) é concernente à variedade de temas dos jogos. O autor afirma que “[...] nas diferentes épocas da história, segundo as condições sócio-históricas, geográficas e domésticas concretas da vida, as crianças praticaram jogos de temática diversa” (ELKONIN, 2009, p. 34). Além disso, os temas dos jogos também variam de acordo com a classe social da criança e as condições concretas de vida da mesma.

Ao abordar a questão do tema no jogo, Elkonin (2009, p.35) faz uma diferenciação entre este e o conteúdo no jogo, destacando que o tema relaciona-se ao “[...] campo da realidade reconstituído pelas crianças [...] reflete as condições concretas de vida em geral. O conteúdo do jogo é o aspecto característico central, reconstituído pela criança a partir da atividade dos adultos e das relações” que estas mantêm em sua vida social e de trabalho. Assim, temos que o conteúdo do jogo pode revelar a inserção da criança na atividade do adulto ou “[...] somente o aspecto externo da atividade humana, ou o objeto com o qual o homem opera ou a atitude que adota diante de sua atividade e a das outras pessoas ou, por último, o sentido social do trabalho humano” (ELKONIN, 2009, p.35).

Vygotsky (2002) alerta que não é correta a definição de jogo baseada no prazer que este proporciona à criança. O autor apresenta duas razões para essa constatação: a primeira se relaciona ao fato de que as crianças encontram em uma série de outras atividades experiências de prazer muito mais aguçadas do que no jogo. A segunda é referente à questão de que nem todas as atividades de jogo geram prazer, visto que há jogos que não apresentam um resultado interessante ou favorável para a criança.

Vygotsky (2002, p.02, tradução nossa91) destaca ainda que o erro de muitas teorias que trabalham com o jogo está na desconsideração das necessidades da criança, “[...] tomada em seu sentido mais amplo, a partir de inclinações de interesses, como as necessidades de natureza intelectual ou, mais brevemente, a desconsideração de tudo o que pode se enquadrar na categoria de incentivos e motivos para a ação”. O autor ainda pondera que sem a consideração destas necessidades, inclinações, incentivos e motivos

91 No original, temos: “[…] taken in the broadest sense, from inclinations to interests, as needs of an

intellectual nature – or, more briefly, disregard of everything that can come under the category of incentives and motives for action” (VYGOTSKY, 2002, p.02).

para agir da criança não há avanço de um estágio para outro no desenvolvimento infantil.

Leontiev (2006b, p.120) destaca que a diferença da atividade lúdica dos animais e o brinquedo infantil está “[...] no fato de que a brincadeira da criança não é instintiva, mas precisamente humana, atividade objetiva, que, por constituir a base da percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos, determina o conteúdo de suas brincadeiras”.

Diante do exposto notamos que “[...] a base do jogo é social devido precisamente a que também o são sua natureza e sua origem, ou seja, a que o jogo nasce das condições de vida da criança em sociedade” (ELKONIN, 2009, p. 36). Desta forma, precisamos compreender a origem histórica do jogo protagonizado para entender essa natureza do jogo, social, que se difere de outras teorias que consideram o jogo como proveniente de instintos ou impulsos.