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3 O BRINCAR/JOGO DE PAPÉIS SOCIAIS

3.1 Apresentação do Brincar/Jogo de Papéis Sociais nas Teses

3.1.1 Origem do brincar/jogo de papéis sociais

Lara (2000) faz um apanhado geral acerca do jogo utilizando o livro Psicologia do Jogo de Elkonin. A autora destaca que Elkonin utilizou-se dos princípios teóricos de Vygotsky e de outros autores russos na construção de suas teses.

Lara (2000, p.133) afirma que “Elkonin trata em primeiro lugar da forma da atividade lúdica das crianças; em segundo, da origem da história do jogo, para a discussão, com rigor das ‘Teorias do jogo’”.

Outro tema importante apresentado por Elkonin, segundo Lara (2000, p.133), “[...] é a origem do jogo na ontogenia, onde desenvolve pesquisas sobre a relação da criança com o adulto durante o desenvolvimento de suas ações com objetos, procurando estabelecer o aparecimento do jogo protagonizado”.

Morassutti (2005) destaca, segundo Elkonin, que para a compreensão da origem histórica e da natureza social dos jogos e brincadeiras infantis, faz-se necessário

considerar duas ideias. A primeira concernente ao fato de que somente pode-se entender a natureza e a história dos jogos protagonizados em relação à história do lugar da criança na sociedade. A segunda refere-se à relação do jogo com o trabalho.

No que se refere ao segundo aspecto, a autora discorre acerca da relação do jogo com o trabalho desde as sociedades primitivas e afirma que nessas não está claro a diferenciação “[...] entre o trabalho e o jogo: a criança participa do trabalho dos adultos na medida de suas forças, sem ter preparação especial, nem aprendizagem prévia. Onde não pode participar, integra-se no mundo dos adultos mediante a atividade lúdica que reflete a vida da sociedade” (MORASSUTTI, 2005, p.41). Assim, nesse tipo de sociedade não era necessário o jogo protagonizado, onde se reproduz as relações com os adultos.

Nesse sentido, Martins (2009b) afirma que, por exemplo, as bonecas eram utilizadas como meio para que as meninas aprendessem os seus afazeres, tendo as ferramentas a mesma finalidade para os meninos, aproximando-os “[...] aos exercícios das tarefas produtivas e, deste modo, permitindo a incorporação da criança, gradativamente, ao trabalho” (ELKONIN, 1998, p.68 apud MARTINS, 2009b, p.07).

Ainda a esse respeito a autora destaca que “[...] é perfeitamente natural que o brinquedo tampouco possa ser outra coisa senão uma reprodução simplificada, sintetizada e de alguma maneira esquematizada dos objetos da vida e da atividade da sociedade, adaptados às peculiaridades das crianças de uma ou outra idade” (ELKONIN, 1998, p.42 apud MARTINS, 2009b, p.07-08).

Já com a passagem de um modo de organização comunitária do trabalho para formas de produção mais elevadas, como a agricultura e pecuária, houve uma nova divisão do trabalho. Apesar de as crianças ainda serem consideradas membros iguais e participantes do trabalho dos adultos, há novas configurações acerca de sua condição (MORASSUTTI, 2005). A esse respeito, a autora acrescenta:

Ao se tornarem mais complicados os meios e modos de trabalho, às crianças pequenas foram confiados apenas alguns aspectos do trabalho doméstico e os afazeres mais simples. No tocante às esferas de trabalho mais inacessíveis à criança, faz-se necessário o domínio das complicadas ferramentas agora exigidas. Surgem os equipamentos em tamanho reduzido, adaptados especialmente às possibilidades das crianças. Estes são utilizados em situações aproximadas às reais. Mas estes equipamentos ainda não podem ser considerados brinquedos; na verdade são objetos que as crianças devem aprender a manejar o mais cedo possível para que possam empregá-los nas mesmas tarefas que os adultos (MORASSUTTI, 2005, p. 41-42).

Ainda referente a esse apanhado histórico, Morassutti (2005, p.42), apoiada em Àries, afirma que, no início do século XVII, não havia uma separação, como nos dias atuais, “[...] entre as brincadeiras e os jogos reservados às crianças e as brincadeiras e os jogos dos adultos. Os mesmos jogos eram comuns a ambos”.

Já Martins (2009b, p.07) aponta, segundo Elkonin, que “[...] nas sociedades primitivas, em decorrência do grau de desenvolvimento, as crianças eram inseridas precocemente nas atividades produtivas e, por isso, não apresentavam a necessidade de reproduzir pelo brincar, as suas experiências cotidianas”.

A autora complementa que “nessa mudança do caráter dos jogos infantis no decorrer dos tempos reflete-se de maneira clara a verdadeira história do brinquedo e sua dependência causal do desenvolvimento da sociedade, da história da criança na sociedade” (ELKONIN, 1998, p. 43 apud MARTINS, 2009b, p.130).

Assim, “[...] o faz-de-conta teria nascido ao longo das transformações histórico- econômicas que determinaram tanto a mudança do papel da criança no sistema de relações sociais, como ao mesmo tempo, exigiram seu obrigatório afastamento do processo produtivo” (JAPIASSU, 2003, p. 37).

Ainda no que concerne às origens sócio-históricas do faz-de-conta, Japiassu (2003, p.36) afirma que podemos associar “[...] o surgimento do faz-de-conta ao desenvolvimento de tecnologias eficazes para maximização da produção agrícola, domesticação de animais e divisão social do trabalho”.

O autor destaca duas mudanças na educação informal ou enculturação da criança com o desenvolvimento da produção material. A primeira relaciona-se à criação dos brinquedos que se deu devido à “[...] necessidade de promover o desenvolvimento de algumas capacidades gerais e fundamentais para o domínio das complicadas ferramentas de trabalho” (JAPIASSU, 2003, p. 37). A segunda refere-se à criação da brincadeira de faz-de-conta, na qual as crianças “[...] passaram a ter oportunidade de (re)criar determinadas esferas da vida social das quais se encontravam forçadamente alijadas” (JAPIASSU, 2003, p. 37).

Assim, Martins (2009a, p.61) pontua, segundo Elkonin, que a história do brinquedo “[...] está organicamente vinculada ao lugar da criança na sociedade ao longo da história. Quando se separa a história do brinquedo da história do seu possuidor, chega-se a conclusões ‘anti-históricas’”.

Acerca do surgimento da brincadeira, Silva (2008a, p.52), pautada em Vigotsky, afirma que essa emerge “[...] da necessidade da criança de agir em relação, não só aos objetos

acessíveis a ela, mas, também, ao mundo mais amplo, dos adultos: agir como um adulto; agir como vê os adultos agirem. Substituir um objeto por outro, uma situação por outra”.

A esse respeito, Martins (2009b) destaca que a brincadeira para a criança com idade inferior a três anos tem o intuito de “[...] satisfazer imediatamente as suas necessidades e os brinquedos, na perspectiva cultural, são constantemente inventados para o atendimento destas” (MARTINS, 2009b, p. 25).

Bissoli (2005, p.169) também ressalta que a primeira infância (0 a 3 anos), na qual a atividade principal é a comunicação emocional do bebê, “[...] a criança ainda não cria uma situação fictícia, ainda não utiliza simbolicamente os objetos como representações dos objetos reais. E, sem atender a essas características, não há jogo”. Segundo a autora, para Vigotski, o que ocorre nessa etapa é um quase-jogo, porém a criança ainda não se comporta em relação aos objetos como se adquirisse um papel social.

A autora exemplifica o exposto anteriormente ao se reportar a brincadeira com bonecas e itens de cozinha, conforme segue:

Ao brincar com uma boneca, por exemplo, pode imitar a forma como é alimentada, como é acalentada, mas não deixa de tratar a boneca como boneca ⎯ ao contrário do que faz a criança maior, para quem a boneca seria a filhinha e ela, consequentemente, a mamãe. Da mesma forma, a criança é capaz de imitar o preparo de uma comida, mas não representa o papel de cozinheira, há apenas a imitação das ações externas do adulto; além de não ser capaz, também, de substituir objetos por outros que os simbolizem ⎯ não faz de uma pedra um carrinho, por exemplo. Tudo isso revela a sua profunda dependência em relação à situação imediata (BISSOLI, 2005, p.169).

Bissoli (2005) enfatiza a importância das atividades lúdicas na primeira infância para o desenvolvimento integral da criança. A autora afirma que a ação da criança sobre si mesma e sobre os objetos, desde os primeiros meses de vida, pode ser entendida como atividade lúdica.

Nesse ponto, a autora recorre ao conceito de cultura lúdica de Brougère para afirmar que “[...] a criança, inserida nas relações sociais, desenvolve, desde os primeiros meses de vida, saberes fundamentados na experiência específica do brincar. O adulto é, também aqui, o modelo de ações lúdicas”, uma vez que possibilita que o bebê reúna novas impressões de modo prazeroso e envolvente (BISSOLI, 2005, p.179).

Ainda de acordo com os ideais de Brougère, Bissoli (2005) destaca que uma ação ou objeto são considerados como pertencente ou não ao universo do brincar a partir do modo como são tratados. Assim nenhuma ação ou objeto pode ser

compreendido como lúdico em si mesmo. “E, nesse sentido, são as relações sociais, nas quais a criança se insere, as responsáveis pela aprendizagem de procedimentos, gestos, conteúdos, formas de expressão, uso de objetos, próprios do universo lúdico de uma dada sociedade” (BISSOLI, 2005, p. 180).

Outro teórico citado por Bissoli (2005), na definição da atividade lúdica, é Kishimoto que utiliza algumas características para a definição desta, a saber: sempre voluntária; produtora de envolvimento emocional; apresenta regras explícitas e implícitas; possui caráter improdutivo e simbólico, com destaque para o processo e não o produto; não existe a certeza de resultados ao brincar; envolve a imaginação e; está contextualizada no tempo e no espaço.

Segundo Bissoli (2005, p.180), as atividades lúdicas “[...] são uma forma de mediação para a apropriação, pela criança pequenininha, dos usos, dos costumes, da linguagem, da cultura lúdica, presentes no seu entorno”.

Bissoli (2005) também trabalha com a dinâmica de desenvolvimento da atividade lúdica infantil desde a manipulação dos objetos até o jogo protagonizado. Ao final do período da infância, já há premissas que são fundamentais para a transição para o jogo protagonizado. Segundo Elkonin (1998, p.230-231 apud BISSOLI, 2005, p.190), as cinco principais são: 1) a inserção no jogo de objetos substitutivos de objetos reais que são denominados segundo sua significação lúdica; 2) complexificação da organização das ações; 3) produção de uma síntese das ações separando-as dos objetos; 4) aparecimento da comparação das ações infantis com as dos adultos e; 5) “[...] opera- se a emancipação a respeito do adulto, apresentando-se este à criança como modelo de ação e, simultaneamente, surge a tendência para atuar com independência, mas como adulto”.