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3.4 SELEÇÃO DOS PARTICIPANTES: ETAPAS, INSTRUMENTOS E PERFIS

3.4.1 Primeira etapa de seleção

3.4.1.3 Apresentação e discussão dos resultados

Ao todo participaram 336 estudantes de nove escolas públicas estaduais, 192 meninas (57,1%) e 144 meninos (42,9%). Os dados coletados nas duas tarefas foram codificados no

SPSS (versão 18.0). Os participantes e escolas foram identificados por meio de números. As 30 questões foram codificadas da seguinte forma: certa (1) e errada (0). No Apêndice N encontram-se os resultados individuais das tarefas de compreensão leitora e auditiva.

No Gráfico 3, podemos ver o histograma que mostra uma distribuição aproximadamente normal dos dados, sendo o desvio padrão de 4,80. O número mínimo de acertos foi 2 e o máximo 28 nas duas tarefas de compreensão. A média de acertos foi 17,50, pouco mais do que a metade das questões.

Gráfico 3 - Histograma de acertos dos participantes nas duas tarefas de compreensão

Fonte: A autora (2015).

A média de acertos na tarefa com textos escritos foi de 9,05 (60,33%) com mínimo 0 e máximo 15, desvio padrão de 3,02. Já a média na tarefa com textos orais foi um pouco menor 8,44 (56,26%) com mínimo de 0 e máximo de 14, desvio padrão de 2,49. Acreditamos que a tarefa auditiva teve média de acertos um pouco menor devido aos aspectos próprios da língua oral como a ausência do texto em papel e velocidade de entrada do estímulo linguístico (NIKAEDO et al., 2006). Mesmo o áudio tendo sido repetido após a leitura das questões, os participantes não tinham a possibilidade de voltar e rever a parte específica referente à questão em que tinham maior dúvida; já no texto escrito é possível reler várias vezes o mesmo trecho.

O desempenho nas duas tarefas é abaixo de 70% de acertos, o que não surpreende considerando as avaliações de leitura do SAEB e PISA. Segundo Bridon (2014), 73,04% dos alunos brasileiros dos anos finais do Ensino Fundamental têm desempenho em leitura abaixo do nível adequado determinado pelo PDE/Saeb (BRASIL, 2008). No PISA (OECD – Organization for Economic Co-opnration and Dnvnlopmnnt, 2012 a,b) a média dos estudantes brasileiros foi 410 em leitura, abaixo da média da OECD, equivalente ao nível três34 na escala

de proficiência em leitura que tem como nível máximo seis.

A média de acertos de meninos e meninas foi semelhante tanto na tarefa de compreensão de textos escritos (t (334) = 1,35; p = 0,177) quanto orais (t (334) = - 0,13; p = 0,890), não havendo diferença significativa entre a média por gênero, por isso, essa variável não será reportada para as demais tarefas. Da mesma forma, Corso e colegas (2015) não observaram diferença no desempenho de compreensão leitora entre meninos e meninas de 1º ano a 6ªsérie tanto em escolas públicas quanto particulares brasileiras. Oliveira e colegas (2007), entretanto, em avaliação com teste Cloze de alunos de 7ª e 8ª série reportaram diferenças significativas entre gênero, tendo as meninas maior número de acertos em sua pesquisa. O mesmo foi encontrado na avaliação de leitura do PISA (OECD, 2012c), meninas brasileiras leem melhor do que os meninos. Essa tendência também foi observada em língua inglesa como reportado por Cole5 (2001) tanto no 8ª ano quanto no 12º ano escolar, independentemente de grupo étnico.

O desempenho nas duas tarefas que examinaram a compreensão textual apresentou correlação significativa (r = 0,51; p = 0,001) direta, ou seja, quanto maior o desempenho em compreensão de texto escrito maior o desempenho na compreensão de texto oral. Na investigação de Berninger e Abbott (2010), a inter-relação entre compreensão leitora e auditiva revelou-se bidirecional, ambas se apresentando como fatores de covariância da 3ª a 7ª série do Ensino Fundamental. Em pesquisa com leitores brasileiros de 1ª a 4ª série, Nikaedo e colaboradores (2006) encontraram correlação muito semelhante a que obtivemos (r = 0,52; p < 0,010) na comparação do Teste de Compreensão de Sentença Escrita com o Teste de Compreensão de Sentença Falada. Apesar de o estudo se diferenciar em termos de participantes (idade e escolaridade) e estímulos (sentenças), também aponta para a importante correlação da compreensão linguística escrita e oral.

34 “Tarefas neste nível exigem que os estudantes localizem diversas informações que atendem a condições múltiplas e, em alguns casos, que reconheçam a relação entre elas. Tarefas de interpretação neste nível exigem que os estudantes integrem as várias partes de um texto a fim de identificar uma ideia principal, entender uma relação ou interpretar o significado de uma palavra ou uma frase.” (PISA, 2012b, p. 43)

Diakido5 e colegas (2005) estudaram a relação entre compreensão leitora e auditiva em estudantes gregos do 2º, 4º, 6º e 8º ano. Eles observaram que a correlação entre a performance leitora e auditiva aumenta com a idade, obtendo no 2º ano correlação de r = 0,44 e nos demais de r = 0,63. Talvez a correlação obtida por eles tenha sido maior do que a que encontramos porque utilizaram o método de avaliação de sentenças sem a presença do texto ou repetição do áudio. Além disso, usaram textos narrativos e expositivos, obtendo maior correlação na compreensão leitora e auditiva de narrativas. Em nosso estudo, optamos por utilizar gêneros próprios de cada modalidade: escrita (crônica, narrativa, divulgação científica) e oral (narrativa, reportagem e entrevista), o que pode ter interferido na intensidade da correlação. Os resultados de Diakido5 e colegas (2005) mostraram, ainda, uma progressiva aproximação dos desempenhos nas duas tarefas e, assim como em nossa pesquisa, o desempenho em compreensão de texto oral foi menor que o de texto escrito no 8º ano. Interessantemente, nos estudantes com alto desempenho em leitura parece que a capacidade de compreensão de textos escritos supera a capacidade de compreensão de textos orais no último ano do Ensino Fundamental.

Como a tarefa de avaliação da compreensão leitora não era padronizada, não tínhamos normas de desempenho para orientar o ponto de corte para a definição dos dois grupos BL e LDC para os estudos. Visto que não há consenso sobre o critério de definição de dificuldades de compreensão em leitura (CLARKE, 2010), exploramos duas possibilidades. Uma delas era definir os grupos por meio dos percentis como em Catts et al. (2006), leitores com

dificuldades abaixo do percentil 25 (7 acertos) e bons leitores acima do percentil 75 (11 acertos) na tarefa de compreensão de texto escrito. A outra opção era definir os grupos por

meio do desvio padrão como Brand-Gruwel et al. (1998), Me5er et al. (1998) e Elwér (2014): leitores com dificuldades a partir de 1 DP (3,02) abaixo da média (9,05), 6 acertos ou menos, e bons leitores a partir de 1 DP (3,02) acima da média (9,05), 12 acertos ou mais, na tarefa de compreensão de texto escrito. Optamos pelo segundo critério porque nos pareceu mais adequado considerando o número de acertos.

A partir desse critério, identificamos 64 (19,05%) participantes com baixo desempenho em leitura, 197 (58,63%) com desempenho médio e 75 (22,32%) com bom desempenho, como ilustramos no Gráfico 4.

Gráfico 4 - Classificação dos grupos com base na tarefa de compreensão leitora

Fonte: A autora (2015).

É importante esclarecer que as medidas de desempenho em leitura obtidas por meio das duas tarefas não nos permitiram, ainda, fazer uma classificação entre LDC e BL, pois a tarefa de compreensão leitora envolve tanto processos de decodificação quanto de compreensão; somente após a segunda etapa de seleção pudemos fazer tal distinção. Devido a essa particularidade do método de seleção dos participantes julgamos mais adequado apresentar e discutir os dados dentro da seção do método e não na forma de um estudo separado, pois até este momento não nos seria possível obter uma seleção mais eficiente e completa dos participantes como bons leitores ou com dificuldades. Apesar de não integrarem nossos objetivos, os dados obtidos nesta etapa de seleção mostraram-se muito relevantes e complementares aos resultados centrais, obtidos nos estudos.

No Gráfico 5, comparamos as médias de acertos nas tarefas de compreensão de texto escrito e texto oral dos três grupos.

Gráfico 5- Comparação da média de acertos nas tarefas de compreensão dos grupos

Fonte: A autora (2015).

Do total de quinze questões, na tarefa de compreensão de texto escrito os participantes com boa leitura tiveram média de acertos de 12,78 (DP = 0,88) no texto e 10,13 (DP = 1,97) no áudio, os medianos tiveram em média 9,18 (DP = 1,31) acertos no texto e 8,39 (DP = 2,28) no áudio, os com baixa leitura apresentaram média de apenas 4,29 (1,67) acertos no texto e 6,62 (DP = 2,35) no áudio. Comparando as médias dos grupos nas tarefas de compreensão auditiva e escrita, observamos algo interessante. Os grupos com desempenho médio e bom em leitura apresentam média menor na compreensão de textos orais que textos escritos. Isso pode ter ocorrido pela falta de familiaridade com a tarefa de compreensão auditiva em língua materna, visto que raramente é praticada nas escolas. Além disso, a tarefa auditiva pode ter gerado maior demanda de memória do que a tarefa escrita, pois na primeira o participante ouvia o texto duas vezes, medida tomada para amenizar a sobrecarga da memória de trabalho, enquanto na segunda ele permanecia com o texto para consulta. Já o melhor desempenho em textos orais, apresentado pelo grupo com baixa leitura, pode ser o reflexo de deficiências na capacidade de decodificação de palavras como veremos na descrição dos resultados da tarefa de leitura de palavras isoladas na seção 3.4.2.

No Gráfico 5, vemos para cada tarefa médias seguidas de letras distintas que se diferenciam significativamente. Por meio do teste ANOVA, complementado pelo teste de comparações múltiplas de Tuke5, verificou-se que todos os grupos se diferenciam, ao nível de

significância de 1%, em relação ao número médio de acertos nas duas tarefas. A diferença entre as médias, como esperado, é maior entre os grupos de baixo e alto desempenho.

Autores como Carlisle (1989) alertam para a importância de avaliar a compreensão discursiva tanto por meio de textos escritos quanto orais, especialmente quando se tem a finalidade de identificar leitores com dificuldades de compreensão, pois a comparação das duas tarefas pode auxiliar na verificação das fontes de dificuldades. A partir da comparação das médias de acertos nas duas tarefas, podemos perceber que o grupo de leitores com baixo desempenho aparenta maior fragilidade na compreensão de textos escritos do que orais, apontando, assim, para a existência de possíveis problemas de decodificação entre os participantes desse grupo.

Por meio dessa análise, Sticht e James (1984) orientam a identificação de três subgrupos de leitores com dificuldades de compreensão:

a) estudantes com compreensão auditiva apropriada e baixa compreensão leitora; b) estudantes com compreensão auditiva baixa e compreensão leitora apropriada; c) estudantes com baixa compreensão auditiva e leitora.

Utilizando o ponto de corte de um desvio padrão acima e abaixo da média nas duas tarefas de compreensão, pudemos identificar: 37 (11%) com compreensão auditiva apropriada (na média ou acima) e baixa compreensão leitora; 41 (12,2%) com compreensão auditiva baixa e compreensão leitora apropriada; 27 (8%) com baixa compreensão auditiva e leitora. Apesar de nosso trabalho não ter o objetivo de investigar esses subgrupos, reconhecemos a validade de estudá-los separadamente em pesquisas futuras para examinar as especificidades de suas dificuldades de compreensão.

A análise de desempenho em questões literais e inferenciais também pode fornecer informações sobre as dificuldades de compreensão da amostra. Do total de 30 questões que compuseram as duas tarefas, 12 avaliaram o nível de compreensão literal (6 no texto escrito e 6 no texto oral) e 18, o nível de compreensão inferencial (9 no texto escrito e 9 no texto oral). Na tarefa de compreensão de texto escrito, a comparação (t (335) = 15,96; p = 0,001) mostrou

diferença significativa entre o percentual médio de acertos nas questões literais (72,76%, DP = 23,95%) e inferenciais (52,11%, DP = 22,84%). Na tarefa de compreensão de texto oral,

o resultado da comparação foi semelhante (t (335) = 20,53; p = 0,001) com diferença significativa entre o percentual médio de acertos nas questões literais (72,86%, DP = 23,29%) e inferenciais (45,23%, DP = 18,49%). O percentual de acertos nas questões literais foi praticamente igual nas duas tarefas, já nas questões inferenciais o percentual foi menor na

tarefa auditiva. De modo geral, pode-se afirmar que os estudantes de 8ª série pesquisados demonstraram melhor desempenho em questões literais e dificuldade em resolver questões inferenciais independentemente da modalidade de apresentação do texto.

Achamos relevante examinar separadamente o desempenho dos três grupos de leitores identificados nas questões literais e inferenciais. Nas Tabelas 2 e 3, as médias de acertos seguidas de letras distintas se diferenciam significativamente (p < 0,01) conforme o teste ANOVA feito tanto para o texto escrito quanto para o texto oral.

Tabela 2 - Percentual médio de acertos na tarefa de texto escrito

Questões literais Questões inferenciais Grupo com baixo desempenho em leitura 39,32 (22,29) C 21,52 (11,69) C Grupo com desempenho médio em leitura 75,88 (15,91) B 51,43 (14,15) B Grupo com bom desempenho em leitura 93,11 (9,52) A 80,00 (10,80) A F2,333 = 198,54 F2,333 = 348,53 Fonte: A autora (2015).

Tabela 3 - Percentual médio de acertos na tarefa de compreensão de texto oral

Questões literais Questões inferenciais Grupo com baixo desempenho em leitura 58,59 (26,39) C 34,54(16,45) C Grupo com desempenho médio em leitura 73,01 (22,41) B 44,55 (17,2) B Grupo com bom desempenho em leitura 84,66 (14,69) A 56,14 (17,7) A F2,333 = 24,69 F2,333 = 27,67 Fonte: A autora (2015).

Todos os grupos exibem melhor desempenho em questões literais tanto na tarefa com texto escrito quanto com texto oral. O grupo com desempenho médio em leitura apresenta percentuais de acertos muito semelhantes nas duas tarefas, demonstrando maior dificuldade nas inferenciais, em especial, nos textos orais. O grupo com baixa leitura também exibe maior dificuldade nas questões inferenciais, especialmente nos textos escritos; já nas questões literais demonstra melhor desempenho na tarefa auditiva do que na escrita cujo número de acertos não chega à metade. Esse dado sugere que a dificuldade dos estudantes com baixo desempenho em leitura não está apenas na realização de inferências, apontando para possíveis deficiências nos processos de decodificação e construção da representação da base textual (KINTSCH, 1998). O grupo com boa leitura mais uma vez exibe a sua superioridade na tarefa com o texto escrito, exibindo o maior percentual de acertos tanto nas questões literais quanto nas inferenciais. O que surpreende nesse grupo é a diferença no percentual de acertos nas

questões inferenciais do texto (80%) e do áudio (56,14%). Apesar do bom desempenho em compreensão, mesmo para os bons leitores as questões inferenciais impõem desafios.

Na pesquisa comcrianças brasileiras de 4ª a 6ª série, Corso e colegas (2013b) também obtiveram diferença significativa no desempenho em questões explícitas e inferenciais. Nas escalas de leitura utilizadas pelo SAEB e PISA a inferência é uma das habilidades necessárias para se alcançar altos níveis de compreensão. O baixo nível alcançado pelos alunos brasileiros pode estar relacionado à dificuldade de gerar inferências, como observamos em nossa pesquisa. Estudos com participantes de língua inglesa (OAKHILL, 1984; CAIN et al., 2001; DEWITZ; DEWITZ, 2003) indicam que LDC enfrentam problemas ao realizarem inferências e apontam essa como uma das principais causas das dificuldades de compreensão leitora. No grupo de estudantes com baixa habilidade de leitura observamos desempenho fraco não só nas questões inferenciais, mas também nas literais. Diferentemente, no estudo de Bow5er-Crane e Snowling (2005) o grupo de leitores menos habilidosos apresentou dificuldades específicas em questões inferenciais, obtendo número de acertos semelhantes aos dos bons leitores em questões literais. Como vimos na revisão teórica, o baixo desempenho em leitura pode ter inúmeras causas, o que resulta em diversos perfis de leitores com dificuldades.