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A apresentação do Plano e a AGC

No documento O garantidor e a novação recuperacional (páginas 78-83)

3 RECUPERAÇÃO JUDICIAL E NOVAÇÃO: A EXPERIÊNCIA

4.2 O pedido de recuperação judicial e a aprovação do Plano

4.2.2 A apresentação do Plano e a AGC

Com relação ao Plano de Recuperação Judicial, a LRE, em seu art. 50125, enumera uma série de medidas que podem ser lá previstas para permitir a

125 Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

recuperação da empresa, dentre elas, por exemplo, a alteração do perfil da dívida, trespasse de estabelecimentos comerciais, venda de bens, alteração de controle societário, dentre outras.

Como acentua Sérgio Campinho, aquele dispositivo traz:

“uma listagem exemplificativa das diversas medidas que podem do plano de recuperação fazer parte. Inúmeras delas, inclusive, somente se justificam se conjugadas a outras, como são os casos da substituição total ou parcial dos administradores ou a modificação dos órgãos da administração. O que pretendeu o legislador foi conferir plena liberdade à sua confecção, de modo a possibilitar o devedor elaborá-lo segunda as suas reais necessidades e peculiaridades, nunca perdendo de vista que deve ser ele atrativo aos seus credores, a quem cabe, em última ratio, aprová-lo.” 126

Essa é a vantajosa amplitude prevista na LRE, em contraposição à fórmula restritiva do revogado decreto falimentar, como já explicado. A pergunta que já pode ser aqui lançada, a ser respondida no Capítulo 5, é a seguinte: Considerando esse caráter exemplificativo, é possível prever-se no Plano de Recuperação a extinção ou suspensão da obrigação dos garantidores pessoais, a qual teria plena validade e eficácia se aprovada pela maioria dos credores?

Uma vez apresentado o Plano de Recuperação pela devedora, todo credor poderá apresentar contra ele sua objeção, manifestada dentro do prazo previsto

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder

de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

126

CAMPINHO, Sérgio, Falência e recuperação de empresa: O novo regime da insolvência empresarial/ 2ª ed., Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2006, p. 153.

no art. 55 da LRE127. Neste momento, poderá ser arguida discordância de

qualquer natureza, não cabendo ao Juiz analisar o seu mérito, mas tão somente determinar a convocação da Assembleia Geral de Credores, conforme dispõe o

caput do art. 56 da LRE128.

A proposta apresentada pelo devedor será discutida na AGC, podendo ser alterada, aprovada ou rejeitada. Veja-se a clara explicação de Fábio Ulhoa Coelho:

“Na verdade, não cabe ao Juiz apreciar o conteúdo da objeção ou decidi- la. A competência para tanto é de outro órgão da recuperação judicial: a Assembleia de Credores. Desse modo, ao receber qualquer objeção, o juiz deve limita-se a convocar a Assembleia.” 129

Essa AGC, estabelece o art. 56, § 1º da LRE130, deve ser designada em prazo não superior a 150 dias, contados do deferimento da recuperação judicial, prazo o qual, segundo ensina Manoel Justino Bezerra Filho, demonstra o

"louvável intuito de dar celeridade ao andamento do feito"131.

Mesmo inexistindo sanção legal específica para o desrespeito desse prazo, como assevera Eduardo Secchi Munhoz, sua interpretação deve levar em conta o que dispõe o art. 6, § 4 º da LRE132, o qual consigna que as ações e execuções

em face do devedor permanecem suspensas pelo prazo improrrogável de 180 dias. Ultrapassado este prazo, os credores poderão prosseguir com suas demandas individuais, a menos que tenha sido aprovado o Plano de Recuperação e ocorrido a novação da dívida, na forma explicada a seguir neste trabalho.

127

Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei.

128 Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.

129

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falências e de recuperação de empresas. 4ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 164.

130 § 1o A data designada para a realização da assembleia-geral não excederá 150 (cento e cinquenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.

131

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falências Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.179.

132 § 4o Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

Ou seja, para Eduardo Secchi Munhoz:

"se a assembleia geral não se realizar em 180 dias do deferimento do processamento da recuperação judicial, ainda que a falência não possa ser decretada (o plano não foi rejeitado), o devedor perderá uma das principais proteções que lhe são oferecidas pelo processamento da recuperação judicial, qual seja, a suspensão ações e execuções dos credores."133

Essa consequência pode ser mitigada pelo Judiciário, vez que o STJ já se manifestou, por reiteradas vezes, no sentido de que a improrrogabilidade do prazo de 180 de suspensão das ações pode ser atenuada, diante da situação fática, especialmente se a demora na realização da AGC e aprovação do Plano de Recuperação Judicial não decorreram de fato imputável ao devedor, mas sim da morosidade própria do judiciário134.

O enunciado nº 42 da I Jornada de Direito Comercial consagra o mesmo entendimento: “O prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005 pode excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito não puder ser imputado ao devedor.”

Instaurada a AGC, em razão da existência de prévia objeção ao Plano de Recuperação, terá ela por atribuição deliberar sobre a aprovação, rejeição ou modificação da proposta apresentada pelo devedor, nos termos do art. 35, I, “a”, da LRE135.

Afiliando-se nitidamente ao sistema de structured bargaining, a lei falimentar abre ampla possibilidade de credor e devedor negociarem os termos do Plano de Recuperação, de forma a permitir, em última análise, a melhor adequação ao interesse de ambas as partes, possibilitando a sua aprovação e a consequente concessão da recuperação judicial.

133 MUNHOZ, Eduardo Secchi, em Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. Coordenação Francisco Satiro de Souza Junior, Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. – 2. Ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 273.

134 v.g., AgRg no CC nº 111.614/DF, rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 10.11.10. 135 Art. 35. A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: I – na recuperação judicial:

a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor;

É de se notar que, entre a apresentação do Plano de Recuperação, ocorrida em até 60 dias após o deferimento da recuperação judicial, e efetiva realização da AGC, no curso das negociações entre credor e devedor, podem ser necessárias diversas adaptações na proposta original, as quais, segundo expressa previsão legal, podem ser realizadas na AGC.

Não há qualquer alusão na lei à possibilidade de se alterar o Plano antes da AGC, o que, ao nosso sentir, não representa óbice à feitura destas modificações neste momento prévio, pois, impreterivelmente, os credores terão chances de deliberar se aceitam ou não as alterações, quando da realização da futura AGC. Inexiste, portanto, prejuízo aos credores, o que por só viabiliza essas alterações, tal como tem se observado na prática de diversas recuperações.

Durante a AGC, na linha do que dispõe o art. 56, § 3º da LRE, existem dois requisitos fundamentais para a alteração do Plano de Recuperação, quais sejam, a concordância do devedor quanto às alterações realizadas e inexistência de diminuição exclusiva dos direitos dos credores ausentes.

Com relação ao primeiro requisito, parece bastante razoável, a princípio, que eventual alteração no Plano de Recuperação deva necessariamente contar com a anuência do devedor, vez que ele permanece, no curso da recuperação, na gestão do seu negócio, com ampla possibilidade de escolher as estratégias que melhor lhe aprouverem para administrar a crise e promover o soerguimento. Não poderia o devedor, assim, ser obrigado, por decisão de seus credores, a adotar determinada forma de reorganização de seu passivo, contrária aos seus interesses, sob pena de violar-se o princípio do debtor in possession.

No entanto, em nossa opinião, é criticável a imposição do segundo requisito legal para alteração do Plano de Recuperação na AGC, de não diminuição exclusiva dos direitos dos credores ausentes, por uma simples razão: em todo o processo de recuperação, especialmente na AGC, deve prevalecer o princípio majoritário, segundo o qual a vontade da maioria prevalece sobre a vontade da minoria.

Não é pelo simples fato de o credor estar ausente na AGC que, por decisão da maioria dos demais credores, o Plano não pode ser alterado contra os seus

interesses. Mesmo na hipótese de ausência do credor na AGC, nada justifica que sua vontade não tenha de se submeter ao desejo dos demais credores, os quais, comprometidos com a recuperação, compareceram à AGC e deliberaram sobre os termos do Plano, em oposição ao desidioso credor ausente.

Após ser posto em votação o Plano na AGC, com ou sem as alterações permitidas pelo art. 56, § 3º da LRE, três são as possíveis consequências para o curso da recuperação: (i) a aprovação do Plano, pelo quorum previsto no art. 45 da LRE136, com a concessão da recuperação judicial; (ii) a aprovação do Plano pelo cram down, previsto no art. 58, § 1º da LRE137, e (iii) a não aprovação do Plano, com a eventual decretação da quebra da devedora.

No documento O garantidor e a novação recuperacional (páginas 78-83)