• Nenhum resultado encontrado

O concurso preventivo

No documento O garantidor e a novação recuperacional (páginas 48-51)

3 RECUPERAÇÃO JUDICIAL E NOVAÇÃO: A EXPERIÊNCIA

3.1 Argentina

3.1.2 O concurso preventivo

A abertura do concurso preventivo é requerida pelo devedor em crise, que, além de demonstrar na sua manifestação a cessação de pagamentos, pressuposto objetivo para o processo, deve explicar a sua situação patrimonial quando desta cessação, juntando, ainda, tal como exigido por nossa legislação, os demonstrativos contábeis dos três últimos exercícios e, principalmente, a sua lista de credores, com valor e classificação de cada crédito (art. 11 da Lei).

Uma vez apresentada essa situação e os documentos correlatos, o Juiz competente (o do domicílio do devedor, para as pessoas jurídicas de direito privado), em decisão assemelhada a de deferimento do processamento de nossa recuperação judicial, declarará aberto o concurso de credores. A decisão de abertura do concurso, proferida nos termos do art. 14 da Lei, determinará uma série de medidas, destacando-se (i) a publicação de edital para que os credores apresentem suas declarações quanto aos créditos arrolados na lista do devedor, (ii) a marcação de audiência para escolha do síndico, (iii) a fixação das datas em que ele deve apresentar o relatório individual dos créditos e o relatório geral, bases para o cronograma de desenvolvimento do concurso preventivo.

Da mesma forma que a LRE, a legislação argentina optou por manter o devedor na administração e gestão do seu negócio durante o concurso, logicamente sob a fiscalização do síndico, seguindo a regra norte-americana do

debtor-in-possession, havendo, para a hipótese da prática de certos atos que

extrapolem a administração corriqueira e prejudiquem os credores, a possibilidade do Juiz nomear outro administrador, na forma do art. 17 da Lei.

Também com inspiração no direito norte-americano, existe na Argentina a proteção do stay period, ou período de graça, durante o qual, uma vez instaurado o concurso, os credores não poderão cobrar em execução regular os seus créditos existentes à época do pedido do concurso contra a devedora, devendo,

para tanto, aguardar a solução a ser proposta no concurso preventivo, ante a submissão destes créditos a este, como previsto no art. 19 da Lei.

A exceção, no caso argentino, são os credores hipotecários ou pignoratícios, que podem exercer os seus direitos contra o produto da venda dos bens dados a eles em garantia. O Juiz do concurso preventivo, no entanto, pode, na hipótese de urgência e necessidade premente para o concurso dos bens dados em garantia, determinar a suspensão de eventual leilão ou outras medidas que impeçam a utilização destes bens.

O processo de verificação dos créditos sujeitos ao concurso, que se inicia com a publicação do edital determinada na decisão de abertura do concurso, ocorre perante o síndico (forma equivalente às habilitações e divergências de crédito do art. 7º, § 1º da LRE), que, após analisar os pedidos dos credores, diante de todas as informações contábeis a que tem acesso, apresenta, nos termos do art. 35 da Lei, um relatório individual (informe individual del síndico). É este relatório que conterá a lista consolidada dos credores, com a decisão do síndico sobre todos os pedidos apresentados pelos credores, da mesma forma que a lista do art. 7º, § 2º da LRE.

O Juiz do concurso preventivo, então, declarará consolidada a lista de credores, por decisão judicial, a qual poderá ser atacada pelos credores em certas hipóteses (arts. 36 a 38 da Lei). Esta lista e respectiva decisão são essenciais, pois é na forma dos créditos lá constantes que serão apurados os quóruns para aprovação da proposta de reestruturação a ser apresentada pelo devedor.

Além disso, importante destacar que o síndico, após 30 dias da apresentação de seu relatório individual, entregará um dos documentos mais importante do concurso preventivo, o seu relatório geral (informe general del

síndico), no qual ele, em suma e síntese, apresentará sua análise do estado atual

de passivo e ativo do devedor e as razões da crise; enumerará eventuais atos fraudulentos de gestão, que possam demandar medidas para recomposição do patrimônio da empresa; e fixará fundamentadamente a data da cessação de pagamentos.

Com a declaração judicial sobre o relatório individual, o devedor terá um prazo de 10 dias para apresentar ao síndico e ao Juiz, conforme art. 36 da Lei, uma proposta de agrupamento dos seus credores, dividindo, portanto, estes credores em grupos/classes, para que cada um destes grupos possua uma forma de pagamento na futura proposta de acordo a ser apresentada. Neste ponto, a Lei argentina dá ampla possibilidade para a escolha de critérios de divisão em grupos, desde que seguida a razoabilidade e previsto, no mínimo, o grupo dos quirografários, privilegiados e quirografários trabalhadores, se existirem.

Novamente, o Juiz deverá chancelar essa proposta de agrupamento e, com essa decisão, será iniciado o chamado “período de exclusividade”, para que, nos 90 dias subsequentes, apenas o devedor apresente uma proposta de acordo (o nosso Plano de Recuperação Judicial), obtendo, também neste prazo, a aprovação escrita da maioria de credores necessária para sua homologação pelo Juiz.

Ou seja, durante 90 dias, o devedor terá a prerrogativa exclusiva de elaborar um Plano que contemple as condições de pagamento dos seus credores, de acordo com os grupos por ele definidos, e obter a aprovação formal da maioria dos credores quanto aos termos desta proposta. Não há, no caso argentino, primeiro a apresentação de um Plano e, depois, sua submissão a uma assembleia de credores. Pelo contrário, o devedor apresentará ao Juiz, no prazo legal, a proposta de acordo, já com a lista dos credores assinada que a aprovaram, não existindo AGC.

Essa proposta de acordo, como no Brasil, pode contemplar diferentes formas de solucionar a crise, existindo um rol exemplificativo, no art. 43 da Lei, das medidas que podem ser adotadas (ex. constituição de sociedade de credores, entrega de bens e etc.), sendo essencial que os credores arrolados dentro de um mesmo grupo recebam da mesma forma, podendo, no entanto, os diferentes grupos serem pagos de formas distintas.

Para a aprovação da proposta é necessária a declaração escrita de anuência de credores que representem, no mínimo, a maioria absoluta, por cabeça, de cada grupo/classe e, cumulativamente, dois terços do montante total da dívida computada, conforme art. 45 da Lei.

Apresentada a proposta de acordo em Juízo, com a anuência da maioria legal de credores, é dada ciência a todos os credores no processo, que podem apresentar impugnações, fundadas, sobretudo em eventuais vícios de forma. Cumpridas essas formalidades, o Juiz homologará a proposta de acordo.

No documento O garantidor e a novação recuperacional (páginas 48-51)