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3 RECUPERAÇÃO JUDICIAL E NOVAÇÃO: A EXPERIÊNCIA

3.1 Argentina

3.1.1 Noções gerais

O objetivo desse capítulo, como adiantado na introdução, é apresentar uma visão geral sobre as regulamentações argentina, italiana e norte-americana, em matéria de insolvência, dando destaque para os institutos existentes naqueles países que equivalem, com as devidas proporções, ao nosso processo de recuperação judicial. Dentro desse escopo, após descrever sucintamente o respectivo processo concursal, será apontada a sua consequência para os garantidores do devedor em crise, com a existência ou não do fenômeno da novação.

Como se sabe, o direito concursal é um dos ramos do direito que mais acompanha as alterações da economia experimentadas pelos diferentes países. No caso argentino, a situação não é diferente. Pelo contrário, por ter enfrentado profundas oscilações nas últimas décadas, de regimes extremamente liberais para governos completamente intervencionistas, com crises econômicas constantes, a Argentina nos traz um ótimo exemplo de legislação falimentar adequada, em grande parte, aos anseios do mercado.

Nesse sentido, o direito falimentar argentino contempla situações bastante modernas, como o fenômeno da crise de grupos de empresas – ainda ignorado pela LRE -, com remédios para sua restruturação organizada, além de trazer uma regulamentação bastante salutar para solucionar o problema pano de fundo desta dissertação, dos efeitos da recuperação para os garantidores da devedora em crise.

O instrumento do “concurso del garante” da Lei argentina (concurso do garante), a ser melhor explicado neste capítulo, é, em nossa opinião, uma solução

inteligentíssima e simples, que poderia ser adotada pelo direito brasileiro, para não apenas encerrar a discussão sobre os efeitos da novação para o garantidor, mas sobretudo para, na prática, equacionar a crise financeira destes garantidores.

O direito concursal argentino é regulamentado pela Lei nº 24.522, com as modificações introduzidas pelas Leis nºs 25.589 e 26.086, existindo, para as hipóteses de insolvência, (i) o concurso preventivo, equivalente, em linhas gerais, a nossa recuperação judicial, (ii) o acordo preventivo extrajudicial, assemelhado à recuperação extrajudicial do direito brasileiro, e (iii) a quebra, logicamente bastante parecida com a nossa falência.

Uma primeira diferença substancial em relação ao direito brasileiro é que estão sujeitas ao concurso de credores argentino, nos termos do art. 2º da Lei87, além das pessoas jurídicas de direito privado, (i) as sociedades nas quais a união, estados ou municípios tenham participação, (ii) os devedores domiciliados no exterior, mas com bens na Argentina, (iii) o patrimônio do falecido, segregado de seus sucessores, e (iv) as pessoas físicas.

Outra diferença de relevo é que o pressuposto objetivo, tanto para abertura do concurso preventivo, como para a quebra, é a cessação de pagamentos (cesación de pagos), prevista no art. 1º da Lei88, enquanto no Brasil, para o caso

da recuperação judicial, é necessária a existência de uma crise econômica da Companhia, que deve ser economicamente viável, ao passo que, para a falência, basta incidir uma das hipóteses do art. 94 da LRE.

Essa cessação de pagamentos é definida por Francisco Martinez89 como:

87

Art. 2º. Sujeitos compreendidos – podem ser declaradas falidas as pessoas de existência visível, as de existência ideal de caráter privado e aquelas sociedades em que o Nacional, Estadual ou Municipal são parte, seja qual for a porcentagem de participação.

Consideram-se incluídos:

1) Os bens do falecido, enquanto se mantiver separado do patrimônio dos sucessores; 2) Os devedores domiciliados no estrangeiro relativamente aos bens existentes no país; Não são suscetíveis de ser declaradas falidas as pessoas reguladas pelas Leis n. 20.091,

20.321 e 24.241 e excluídos por leis especiais. - com tradução livre

88 Art. 1º. Cesación de pagos. El Estado de cesación de pagos, cualquiera sea su causa y la naturaleza de las obligaciones a las que afecte, es presupuesto para la apertura de los concursos regulados en esta ley, sin perjuicio de lo dispuesto por los artículos 66 y 69.

Tradução livre: Cessação de pagamentos. O Estado de cessação de pagamentos, qualquer seja sua causa e a natureza das obrigações as quais afete, é pressuposto para a abertura dos concursos regulados neste lei, sem prejuízo do disposto nos artigos 66 e 69.

89 MARTINEZ, Francisco Garcia. El concordato y la quiebra en el derecho argentino y comparado tomo I. Libreria y Editorial El Ateneo, Buenos Aires: 1940.

“Desde el punto de vista doctrinal y económico, la cesación de pagos es un estado patrimonial, un estado de desequilibrio económico, un estado de impotencia del patrimonio para hacer frente a las deudas vencidas y exigibles que lo gravan. Es, pues, la insolvencia del deudor. Es un estado de hecho, complejo, que abarca, generalmente, un espacio de tiempo más o menos dilatado, y, que, para producir efectos legales, necesita que se le convierta en estado de derecho. Esa conversión se opera mediante la sentencia declarativa de la quiebra. Como fenómeno económico, la cesación de pagos, la insolvencia y el estado de quiebra tienen el mismo significado: desequilibrio económico, impotencia patrimonial. Pero ese estado tiene que ponerse de manifiesto con hechos o actos exteriores para que pueda producir efectos legales. Mientras permanece en el mundo económico y no se exterioriza, no puede ser declarado judicialmente. Como dice Bonelli, si ese estado de impotencia patrimonial no se revela, para el derecho no existe.”90

No caso do concurso de grupo de empresas, necessário demonstrar a cessação de pagamentos em apenas uma das Companhias integrantes do grupo, desde que a cessação possa atingir a integridade financeira do grupo econômico, como previsto no art. 65 e 66 da Lei. Já no acordo preventivo extrajudicial, o conceito é ainda mais mitigado, pois não só o devedor em cessação de pagamentos pode se valer deste instrumento, mas também aquele que se encontre em dificuldades econômicas e financeiras gerais, conforme art. 69 da Lei. Da mesma forma, a Lei não exige a cessação de pagamentos como requisito objetivo para o concurso do garante, como determina o art. 68 da Lei91.

Com essas ressalvas iniciais, e considerando o objetivo precípuo deste capítulo, será demonstrado, a seguir, em linhas gerais, como funciona o concurso

90 Tradução livre: Do ponto de vista econômico e da doutrina, a cessação de pagamentos é um estado patrimonial, um estado de desequilíbrio econômico, um estado de impotência do patrimônio para fazer frente às dívidas vencidas e exigíveis que o gravam. É, deste modo, a insolvência do devedor. É um estado de fato, complexo, que abarca, geralmente, um espaço de tempo mais ou menos dilatado e que para produzir efeitos legais, necessita que seja convertido em estado de direito. Essa conversão se opera mediante sentença declaratória de quebra. Como fenômeno econômico, a cessação de pagamentos, a insolvência e o estado de quebra têm o mesmo significado: desequilíbrio econômico, impotência patrimonial. Esse estado deve ser posto em evidência com fatos ou atos exteriores para que possa produzir efeitos legais. Enquanto permaneça no mundo econômico e não se exteriorize, não pode ser declarado judicialmente. Como diz Bonelli, se o estado de impotência patrimonial não se revela, ele não existe para o direito.

91 Art. 68. Garantes. Quienes por cualquier acto jurídico garantizasen las obligaciones de un concursado, exista o no agrupamiento, pueden solicitar su concurso preventivo para que tramite en conjunto con el de su garantizado. La petición debe ser formulada dentro de los treinta (30) días contados a partir de la última publicación de edictos, por ante la sede del mismo juzgado. Tradução livre: Garantes. Quem, por qualquer ato jurídico garanta as obrigações de um devedor em concurso, exista ou não um grupo, pode solicitar que seu concurso preventivo tramite em conjunto com o concurso do devedor garantido. A petição deve ser proposta em até 30 dias, contados a partir da última publicação de edital, perante a sede do mesmo juízo.

preventivo na Argentina, mormente os seus efeitos para os garantidores das dívidas da recuperanda, em comparação com o Brasil.

No documento O garantidor e a novação recuperacional (páginas 45-48)