• Nenhum resultado encontrado

3 CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA: TRILHANDO OS

3.1 APRESENTANDO OS CAMINHOS DA PESQUISA

O desvelamento da representação social sobre o ser docente a que nos propomos a investigar deu-se em meio a um contexto caracterizado por mudanças de paradigma e de mentalidade. Os cursos de formação de professores caminham no sentido de superação do paradigma da racionalidade técnica em consonância com um novo paradigma de formação, que toma como base de referência a prática escolar e a reflexão crítica.

A formação docente traz, então, uma mudança de foco, centrada não mais na análise da dimensão técnica, mas nos saberes das práticas docentes, explicitando o sentido das experiências nas aprendizagens profissionais. Nesse sentido, o professor formado deve ser visto como alguém que investiga, reflete, julga e produz conhecimento, provocando transformações e percebendo as implicações da prática docente, tanto na sua própria vida como na vida do aluno. Certamente esse movimento implica mudanças, transformações de atitudes, reflexão sobre o fazer docente. Tal transformação pode estar vinculada aos processos de (re)construção das representações sociais sobre o ser professor, o que nos conduziu a investigação desse processo.

Isso implica dizer que os licenciandos em formação, participantes nessa pesquisa, estão construindo formas para lidar com as mudanças, estão em busca de um conhecimento consensual sobre o assunto. Assim, ao analisarmos o fenômeno das representações sociais como uma construção que faz parte do cotidiano, torna-se possível pensar como Jodelet (2001), quando enfatiza que o homem como ser social precisa ajustar-se ao mundo em que vive, sobretudo adequar-se a ele no que se refere à sobrevivência e ao comportamento. Essas dinâmicas direcionam o nosso olhar para o

estudo dos elementos da sócio-gênese das referidas representações.

Destacamos, inicialmente, o critério de relavância. Wagner (2000) expõe que em toda cultura há um amplo repertório de conhecimentos consensuais sobre as coisas do cotidiano, porém nem todos os conhecimentos podem ser considerados representações sociais. O autor argumenta que as representações sociais estão relacionadas a fenômenos e objetos socialmente relevantes, os quais podem ser entendidos como aqueles que incitam alterações no padrão de comportamento grupal. Observando esse critério, acreditamos que o fazer docente é um fenômeno relevante no cenário educacional brasileiro, uma vez que as pessoas envolvidas nesse movimento, inquietam-se frente a aspectos desse fazer docente e buscam construir um conhecimento consensual que os possibilite atuar nesse cenário.

Outro critério que necessita ser investigado é do consenso funcional (WAGNER, 2000), que não se traduz em consenso numérico, ele transcende a necessidade da mera quantificação dos elementos que compõem uma representação social. Para a identificação da representação social é central a observação do consenso funcional, perguntamo-nos como o conhecimento do senso comum contribui para a sustentação do funcionamento de um grupo quanto a determinado objeto social. Wagner exclarece esse critério quando delimita que o consenso é:

[...] a necessidade de manter o grupo como uma unidade social reflexiva e de uma maneira organizada pela padronização do autossistema, dos processos de auto-categorização e das interações de uma maioria qualificada de membros do grupo. [...] mais do que consenso numérico, o consenso funcional é exigido pela teoria das represnetações sociais e ele precisa ser suficientimente qualificado para assegurar o funcionamento do processo de manutenção de uma representação específica e seu objeto (WAGNER, 2000, p.17-18).

Assim, a consideração do consenso funcional em pesquisas exige a utilização de procedimentos metodológicos que apontem para além do reconhecimento das estruturas centrais e periféricas das representações sociais. Necessita-se apreender as complexas inter-relações entre os elementos que compõem as referidas representações sociais e que constituem a trama de base da representação social, subjacente ao consenso funcional.

O cotidiano nos proporciona uma série de cinscunstâncias para observar o movimento do grupo na busca do consenso sobre o objeto social. Quando um grupo é confrontado com um fenômeno que impõe um posicionamento, seus membros iniciam uma sequência de trocas, negociações e avalições que visam à manutenção e a

legitimação do mesmo enquanto tal, bem como conduz a constituição de conhecimentos. Os repertórios de conhecimentos estão associados aos sistemas de classificação e categorização utilizados pelos sujeitos e partilhados pelos grupos, para dar sentido às situações sociais vivenciadas diariamente. As pessoas partem desses sistemas ao se confortar com determinado objeto social, deliberando se tal fenômeno é positivo ou negativo, maléfico ou benéfico. Trata-se, portanto, de um processo de conceituação que pode ser conferido em nosso dia-a-dia, que é posto em movimento quando nos comunicamos e interagimos e que tem o intuito de contribuir na orientação de pensamento e ações do grupo.

Toda essa mobilização é permeada por trocas de informações, pela construção de modelos de ação, entre outros. Os novos conhecimentos são confrontados com aqueles anteriores, buscam-se, no repertório de conhecimento, formas de “dominar” o novo, visando ao consenso funcional. Nessas buscas, entram em funcionamento uma gama de elementos e operações que (re)constituirão, no caso do nosso estudo, os conhecimentos sobre educação e suas novas modalidades e paradigmas.

Dentre as operações, estão os processos de conceituação, cuja dinâmica envolve componentes cognitivos, fatores afetivos, relações sociais, sistemas de valores e crenças, o universo simbólico do sujeito. Então para acessarmos as representações sociais e testar o consenso funcional, necessitamos compreender os sistemas de categorização e classificação dos indivíduos, visto que, desse modo, pedemos elucidar suas formas de se relacionar com o mundo, bem como identificar as características dos conceitos formulados e o modo como estão organizados no repertório de conhecimento do grupo, em relação a determinado objeto.

Dessa forma, torna-se fundamental adotar na investigação um aporte metodológico que valorize e considere os sistemas de classificação dos participantes e garanta a preservação da complexidade dos dados coletados, favorecendo a inter-relação entre dados de natureza quantitativa e qualitativa. Ainda, o procedimento metodológico deve manter-se fiel às visões de mundo dos indivíduos, buscando formas apropriadas para acessar ao seu universo simbólico. Acreditamos que as abordagens associativas de produção de dados conseguem atender a esses requisitos, pois permitem os sujeitos trabalharem com base em seus próprios critérios, partindo de sua maneira de pensar e agir.

Dentre as abordagens associativas disponíveis, optamos por trabalhar com o procedimento de classificações múltiplas – PCM (ROAZZI, 1995), que propicia ao

pesquisador investigar as estratégias utilizadas pelos participantes para categorizar e classificar determinados objetos sociais. De acordo com Roazzi (1995), o PCM advém dos procedimentos de categorias próprias de Sherif e Sherif e das tarefas de classificação elaboradas por Vigotsky e vem se consolidando como estratégia metodológica adequada às pesquisas de sistemas de conceituais em várias áreas da Psicologia.

Para Madeira (2005), o desenvolvimento de uma pesquisa exige a utilização de procedimentos que favoreçam a aproximação com o objeto que se deseja abordar; para a autora:

[...] a definição dos caminhos de uma pesquisa e a escolha de suas estratégias não são movimentos aleatórios ou neutros, nem tão pouco opções apriorísticas. Exigem coerência com a teoria e pertinência aos pressupostos da mesma, tais como são delimitados pelo pesquisador como garantia de consistência à própria investigação (MADEIRA, p.459). Tal afirmação se coaduna com a colocação de Arruda (2005), ao dizer que não basta apenas uma perfeita aplicação dos instrumentos e interpretação sistemática dos dados para que a pesquisa atinja resultados satisfatórios, sendo necessário, sobretudo, que se mantenha uma abertura significativa para a ponderação de novos elementos e insumos favoráveis à interpretação do fenômeno. Desse modo, o ingresso no universo simbólico dos participantes sobre os significados e sentidos que atribuem à educação inclusiva requer a adoção de um procedimento metodológico que não seja apenas descritivo, mas que vá além, possibilitando uma elucidação expressiva dos dados coletados.

É tomando por base essas ponderações que nos lançamos ao desenvolvimento da presente investigação, utilizamos o PCM, pois enquanto abordagem associativa, esse procedimento centra-se no aspecto qualitativo das categorizações empreendidas pelos alunos-participantes, assim como enfatiza o processo de construção de seu sistema de classificação. É apropriado para as explorações dos sistemas conceituais em níveis individuais e grupais. Supõe-se que as categorias e os conceitos estão inter- relacionados, na medida em que a classificação e a categorização de um objeto social podem evidenciar sistemas de conceituação de um sujeito (ROAZZI, 1995). Assinalamos, contudo, que a constituição de tais sistemas não ocorre somente de modo

individual, mas é perpassada por componentes sociais, uma vez que nosso sistema de classificação é construído na inter-relação com o meio social.

Roazzi (1995) destaca, ainda, que o processo de classificação envolve experiências cognitivas e afetivas com os objetos, e que a afetividade tem sempre um papel preponderante no processo. Desse modo, as formas como as pessoas classificam não se constituem em fenômenos estáticos ou uniformes, por sua própria natureza, mas variam consideravelmente em forma e intensidade, dependendo do tempo, do espaço e das relações estabelecidas.

O PCM é um “jogo associativo”, que permite aos participantes classificar uma série de elementos baseados no seu sistema de conceituação. Acreditamos que, ao classificar livremente, as pessoas revelam suas visões de mundo sem restrições ou receios de pré-julgamentos externos. O pesquisador interfere minimamente na classificação do participante, buscando apreender o modo mais fiel possível como ele pensa e atua diante do objeto social. Além da verificação do consenso funcional da representação social em trama, a análise do material produzido a partir o PCM permite- nos compreender as representações sociais, sua constituição e as inter-relações entre seus elementos, fazendo emergir a teia representacional em toda sua complexidade e dinamicidade.

Então, o PCM se constituiu como elemento preponderante nesse caminhar. Porém, um caminhar investigativo necessita de outros elementos que no seu conjunto possibilitam compreender o objeto a ser investigado. Para isso elegemos a elaboração de um questionário psicossociológico que nos permitiu conhecer as condições objetivas, nos possibilitando assim, a realização de um perfil dos alunos investigados. Outro procedimento necessário foi à realização da técnica da associação livre de palavras, uma vez que se configura como uma etapa obrigatória e para construção e aplicação do PCM. No decorrer deste capítulo, apresentou-se de uma forma generalizada como se desenhou a pesquisa, mas a apresentação dos seus por menores será realizada no decorrer dos demais capítulos.