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4 APRESENTANDO OS ESTUDANTES DO CURSO DE

4.1 GÊNERO QUE SE REAFIRMA

Figura 1: Gênero dos respondentes do questionário

Como explicitado no capítulo 2, é bastante conhecido na literatura e no cotidiano escolar que as funções docentes nas etapas iniciais de escolarização sejam predominantemente ocupadas por mulheres. A predominância feminina no ensino (sobretudo nas séries iniciais) e as relações de gênero são desse modo, considerados por Almeida (1998) como importantes focos de análise, uma vez que esses fatores subjazem às representações e questionamentos sobre a prática docente.

Apesar de notória a feminização do curso de Pedagogia e da profissão de pedagogo, seus participantes não percebem o significado que está por trás da aparente “vocação” ou “inclinação” das mulheres para a docência.

11,4%

88,6%

Gênero

Masculino Feminino

A sociedade cria representações sobre o que é ser homem ou ser mulher. A questão de gênero8 envolve essas relações, tornado-as uma questão social. Não se trata de uma questão sexual, mas sim cultural e social.

A condição feminina ligada à construção de gênero, em nossa sociedade, se entrelaça à dimensão de identidade profissional do docente, ao considerarmos que o ensino está historicamente associado, no imaginário social, ao dom ou aptidão natural da mulher.

A pesquisa realizada pelo SAEB sobre “O Perfil do Professor no Brasil” (2004), considerando os níveis, ensino fundamental e de ensino médio da rede pública e privada, ao analisar as disciplinas de Português e Matemática, observou que o número de homens e mulheres variava de acordo com a disciplina e o nível de ensino. Na disciplina de Língua Portuguesa, constatou-se que independente da série avaliada, a proporção de professores do sexo feminino representa a maioria. Contudo, essa proporção vai diminuindo gradativamente conforme a série aumenta. Já em Matemática, a proporção de docentes do sexo feminino é maior na 4º série do ensino fundamental (91%), o que é compreensível, visto que quase todas são professoras pedagogas polivalentes; contudo, essa proporção diminui gradativamente até o 3º ano do ensino médio, quando a proporção de docentes do sexo masculino assume a maioria, representando 54,7% dos docentes.

Placco et. al. (2009), ao analisar o perfil de 101 alunos do primeiro ano dos cursos de Pedagogia e Letras de uma instituição de ensino superior da periferia da zona oeste de São Paulo, constataram que 92,2% dos alunos dos cursos citados são do sexo feminino, e somente 3,9% são do sexo masculino.

Duram (2009), ao analisar estudantes da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, dos cursos de Pedagogia e Letras, observou que 87% dos alunos desses cursos são do sexo feminino.

Menin et. al. (2009), aplicou, no final de 2006, um questionário junto a 278 alunos dos primeiros e últimos anos nos cursos de Licenciaturas (Matemática, Física, Geografia e Educação Física) e de Pedagogia, sendo 95 alunos do curso de Pedagogia e 183 das outras licenciaturas, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, Campus de Presidente Prudente, e constataram que, do total de alunos pesquisados, 63%

8 O conceito de gênero utilizado na pesquisa, é compreendo na perspectiva de Louro (2007) que se refere

às formas como as características sexuais são percebidas e representadas socialmente, tornando-se parte do processo histórico.

eram do sexo feminino e 37% do sexo masculino, confirmando a predominância do feminino no magistério. Porém, verificou ainda que, desses alunos, o número de mulheres era maior entre as matrículas no curso de Pedagogia (95%) em relação às demais licenciaturas (46,4%). Para os pesquisadores, essa diferença na distribuição dos sexos entre os cursos mostrou-se significativa para fazer refletir sobre a feminização da profissão docente, em especial, dos professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental e na educação infantil, o que confirma as afirmações de Lira (2006), citando Rosemberg e Amado (1992), de que a discriminação de gênero no campo educacional não ocorre segundo o acesso, permanência e rendimento escolar femininos, em que essas são até bem mais sucedidas que os meninos, mas sim na escolha da carreira profissional: “Os homens seguem preferencialmente cursos de conteúdo técnico e científico, enquanto as mulheres, letras e humanidades, com vistas á preparação para o magistério” (LIRA, 2006, p.157).

A feminização da profissão docente – e aqui pensamos especialmente nas séries iniciais da escolarização –, vem sendo associado a apenas ao ingresso majoritário de mulheres no magistério. A mudança na composição sexual do corpo docente entre meados do século XIX e início do século XX, na maioria dos países ocidentais, é sem dúvida um fenômeno importante e já fartamente documentado.

Entretanto, tornar a feminização apenas como mudança na composição sexual do corpo docente significa deixar de lado todo um processo de profundas transformações nos significados sociais atribuídos à docência nas séries iniciais, processo que acompanhou paralelamente a mudança numérica, sem que se possa falar, sem simplificações, em causas e efeitos. No caso brasileiro, ao longo das primeiras décadas do século XX, já se encontrava a hegemonia de um discurso que associa o ensino primário às características consideradas femininas, tais como o amor às crianças, a abnegação e a delicadeza, e que relaciona cada vez mais enfaticamente a docência e a maternidade (LOURO, 2000; LOPES, 1991).

Devemos enfatizar que se trata aqui de discurso. É pergunta em aberto a distância exata que se estabeleceu entre intenção e gesto, entre proposta pedagógica e prática em sala de aula; que marcas desses discursos educacionais se incorporam ao imaginário social e a prática dos alunos em processo formativo, já então maioria em nossas escolas primárias. Contudo a imagem social do trabalho docente com crianças marcou-se intensamente por esses valores e permaneceu desde então associada a certa feminilidade, uma imagem de mulher pouco afeita à erudição e ao desenvolvimento

intelectual, que se relaciona mal com o conhecimento e a racionalidade, sendo antes emotiva, maternal, infantilizada e capaz de empatia com as crianças.

Dubar (2005) entende que as configurações de identidade do trabalhador podem ser analisadas a partir das formas de articulação entre a transação objetiva- relação do individuo com o espaço do trabalho – e a transação subjetiva – relacionada com sua identidade ao longo da vida, marcada pelo contexto social e valores familiares.

Ao caracterizarmos o perfil dos alunos em processo formativo, não inseridos no contexto da docência, acreditamos poder compreender o movimento de constituição da docência como a tensão entre a transação subjetiva – aspectos pessoais e contextuais do aluno futuro professor e a transação objetiva, aqui entendida como as relações que o sujeito estabelece com o espaço de formação permeando as representações, expectativas, princípios, valores, concepções e teorias sobre a docência.