• Nenhum resultado encontrado

3. RELAÇÕES ENTRE ORALIDADE, PENSAMENTO E ESCRITA

3.1. A linguagem e seu desenvolvimento para a psicologia histórico-cultural 71

3.2.3. Apropriação da escrita como atividade cultural complexa

interior se diferencia del exterior en cuanto a su estructura y a su modo de funcionamiento. Como muestra la investigación, el lenguaje escrito exige incluso para su desarrollo mínimo un alto grado de abstracción. Se trata de un lenguaje sin entonación, sin expresividad, sin nada de su aspecto sonoro. Es un lenguaje en el pensamiento, en las ideas, pero un lenguaje que carece del rasgo más importante del lenguaje oral: el del sonido material.

(VIGOTSKI, 1993: 229)

Ao explicar como a escrita organiza o pensamento, Vigotski afirma que esta exige mais consciência e intenção do que a fala. Além de ser formada por um sistema arbitrário de signos, a escrita é uma comunicação para um interlocutor ausente ou imaginário. Aprender a usar o sistema arbitrário de signos para comunicar-se com um interlocutor ausente ou imaginário, requer não só que a criança saiba como funciona o sistema de escrita, mas também que compreenda quais são suas funções sociais. Isto significa que, se o sistema de signos que forma a escrita é arbitrário, a criança precisa aprendê-lo tendo consciência das funções sociais da escrita. Para Vigotski, a escrita é uma operação mais intelectual do que a fala tanto porque exige maior esforço para expressar-se de modo a ser compreendido pelo outro, quanto porque obriga a tomar maior consciência quando à própria fala.

De acordo com Vigotski (1993), se por um lado a aquisição da escrita é dificultada pela sua demanda de abstração e complexidade de composição, por outro lado seu uso constitui uma força que impulsiona o desenvolvimento da criança. O que orienta a linguagem escrita da criança é a consciência e a intenção. A criança precisa entender a escrita como uma função cultural complexa para saber com quais intenções usá-la. As funções psíquicas superiores de conscientização, abstração e intenção, exigidas pela escrita, acabam por fazer a criança agir de modo mais intelectual e, consequentemente, a ter mais consciência da fala. Estas funções psicológicas superiores, exigidas pela escrita, ainda não se desenvolveram quando a criança se inicia no processo de alfabetização, mas são desenvolvidas durante o processo.

A escrita como linguagem se diferencia amplamente da fala e da fala interior. A escrita exige um acabamento superior ao acabamento da fala. Quando falamos, não precisamos detalhar como quando escrevemos. A fala interior é repleta de elipses e abreviaturas. A fala com o outro tem um interlocutor presente para ajudar na

composição da comunicação. A escrita, sendo dirigida a um interlocutor ausente, exige construções mais elaboradas.

Tratando das características que diferenciam a fala da escrita, Luria (1994) mostra que, enquanto na escrita, ou em uma palestra, é preciso partir da não compreensão do possível leitor ou ouvinte, a fala dialógica ocorre em uma situação na qual todos conhecem o conteúdo da linguagem. O falante não precisa retomar e explicar, pois seu ponto de partida é reconhecido previamente. As palavras proferidas em um diálogo são reconhecidas e compreendidas na medida em que os interlocutores participam a mesma situação. Por este motivo, um diálogo coloquial pode apresentar elipses e omissões sem prejuízo da compreensão dos interlocutores.

Existem formas de linguagem falada que têm a peculiaridade de não poderem contar com o conhecimento prévio do interlocutor, não podendo conter elipses e abreviaturas, embora dispondo dos recursos extralingüísticos da fala. Este tipo de linguagem é a utilizada em palestras, dramatizações e narrativas.

A linguagem escrita, na maioria de suas manifestações, requer mais rigor e precisão do que a fala. Quando a escrita é motivada pelos conhecimentos prévios do interlocutor, ou é uma resposta a outro enunciado, é preciso fazer uso da memória e colocar as idéias precedentes em uma relação lógica. A escrita de um enunciado pode assumir características bastante complexas quando o que se deseja comunicar é uma idéia nova. Neste caso, a idéia geral deve ser recodificada num complexo programa semântico de enunciado amplo. Os elementos desse programa precisam ser colocados em uma ordem estabelecida. Para escrever é preciso fazer uso de meios externos (anotações precedentes) e meios internos (recordação, seqüenciação do pensamento). A linguagem escrita não pode apoiar-se sobre meios extralingüísticos. A entonação é parcialmente substituída pela pontuação. Deste modo, a linguagem escrita vê-se forçada a apoiar-se em um sistema de códigos lógico-gramaticais. Para Luria, este exercício de codificação e decodificação de enunciados, acaba por organizar a atividade intelectual do sujeito.

No entanto as linguagens falada e escrita têm outra importante função: são um meio de retoque do pensamento e desempenham importante papel no aprimoramento da atividade propriamente intelectual do sujeito. (LURIA, 1994: 72)

As considerações de Luria sobre as diferenças entre fala e escrita, mostram o quanto a escrita não pode ser uma reprodução fiel da fala. A este respeito Eglê Franchi, no livro E as crianças eram difíceis... A redação na escola (1998) relata uma experiência pedagógica em uma turma de terceira série do ensino fundamental. A autora passou alguns meses trabalhando escrita de textos com crianças consideradas difíceis por terem uma história de fracasso escolar. Ao escreverem suas redações, as crianças reproduziam fielmente a própria fala, apresentando dificuldade na pontuação, que era substituída por repetição de palavras ou por emprego de conectivos, como ‘que’, ‘daí’,

‘então’.

De acordo com Franchi (1998) este tipo de texto estereotipado pode ter sua origem no jeito que os adultos falam com as crianças, nas histórias que são produzidas para o público infantil e nos próprios livros didáticos. A autora cita Possenti, que analisou como o adulto usa uma linguagem estereotipada e infantilizada para se comunicar com a criança e garantir sua compreensão. O adulto repete palavras e evita o uso de anafóricos por acreditar que a criança não tem capacidade de compreender um texto ou uma idéia mais esquemática.

Ao longo do seu trabalho, a autora mostrou que, para as crianças desenvolverem a linguagem escrita, precisam desenvolver a linguagem em um sentido mais amplo. A escola precisa ensinar as diferenças entre fala e escrita, não no sentido da criança falar corretamente para escrever corretamente, mas no sentido de refletir sobre as diferenças entre fala culta e fala coloquial e os diferentes tipos de registros escritos.

Para isso, faz-se importante que o ensino e a aprendizagem ocorram em meio a interações colaborativas entre professores e alunos e atividades significativas. A autora fez uma crítica aos métodos que ensinam a escrita punindo os erros dos alunos, ao invés de fazer uma avaliação séria e aprofundada das suas razões. No entanto, se o professor não entender as diferenças entre fala e escrita e entre fala coloquial e culta, não terá como avaliar a aprendizagem dos alunos. O mais importante aspecto do livro de Franchi, e que vai ao encontro da psicologia histórico-cultural, é a relação estabelecida entre escrita e interação social em um sentido mais amplo. Para fazer as crianças refletirem sobre a própria escrita, a autora/professora também as ajudou a refletir sobre as interações estabelecidas com colegas, amigos, familiares e membros da escola. Para fazer as crianças abstraírem as características da escrita, é preciso fazê-las refletir sobre a linguagem de maneira mais ampla.

Mas há outro aspecto importante da linguagem para o qual Vygotsky chama a atenção. A linguagem, os sistemas de referência que constitui para a possibilidade de comunicação, não são somente o resultado de um trabalho social, uma herança que se adquire passivamente; a aquisição da linguagem e seu desenvolvimento somente se conseguem em ambientes de rica interação social. (...) (FRANCHI, 1998: 49).

Diante da complexidade da escrita em relação à fala, faz-se necessária a aprendizagem em um contexto que suscite não só a necessidade de escrever, mas também de adaptar os registros escritos aos diferentes contextos. Ou seja, para a criança entender como pode redigir ou compreender um determinado texto, é preciso que este seja significado como algo importante. Segundo Vigotski, é preciso que a necessidade de escrever esteja madura para que a criança se alfabetize.

La investigación nos lleva seguidamente a la conclusión de que los motivos que impulsan a recurrir al lenguaje escrito no están todavía al alcance del niño que comienza a aprender a escribir.

Sin embargo, la motivación del lenguaje, su necesidad, al igual que en cualquier nuevo aspecto de actividad, se halla siempre al comienzo del desarrollo de esa actividad. De la historia de la evolución del lenguaje oral nos resulta bien conocido que la necesidad de comunicación verbal se desarrolla en el transcurso de toda la edad infantil y constituye una de las premisas más importantes de la aparición de la primera palabra con sentido. Si esa necesidad no ha madurado, se observa un retraso en el desarrollo del lenguaje. Pero al principio de la instrucción escolar, la necesidad del lenguaje escrito está totalmente inmadura. Se puede decir incluso, basándose en los datos de la investigación, que el escolar que comienza a escribir no sólo no experimenta la necesidad de esa nueva función del lenguaje, sino que se representa de una manera muy confusa para qué necesita esa función.

(VIGOTSKI, 1993: 230)

Vigotski, por um lado, leva a entender que a escrita precisa ser ensinada como necessidade. Por outro lado, deixa claro que quando a criança começa a aprender a escrever na escola ainda não tem consciência da necessidade da escrita, o que pode gerar atraso no desenvolvimento desta forma de linguagem. Estas duas premissas do

autor levam a deduzir que a escola, ao mesmo tempo em que ensina o sistema formal de escrita, pode ensinar as funções da escrita na nossa sociedade. Várias formas de abordar o texto podem ser usadas pela escola de modo a demonstrar a escrita como necessidade.

Por exemplo, um texto científico pode ser trabalhado pela escola de modo a responder às curiosidades da criança sobre o mundo. Os textos artísticos podem ser apresentados para a criança com o objetivo de levá-la ao prazer estético. Demais registros escritos, como carta, bula de remédio, receitas culinárias, sinopses de filme etc, podem ser trabalhados pela escola de modo a fazer a criança vivenciar situações reais de uso da escrita.

Ao investigar o momento da escrita como função cultural complexa no livro didático, haverá dois objetos de análise: a escrita como necessidade e as diferenças entre fala e escrita. Na escrita como necessidade, será observado se o livro apresenta a escrita em contextos nas quais ela é necessária para a realização de atividades culturais significativas para a criança. Nas diferenças entre fala e escrita, serão objetos de análise tanto o texto para os professores, quanto os exercícios. O enfoque recairá sobre as reflexões das diferenças entre fala e escrita que o livro propõe aos professores e aos alunos.

Vejamos, agora, uma conclusão mais geral sobre os diferentes momentos do desenvolvimento da escrita.