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3. RELAÇÕES ENTRE ORALIDADE, PENSAMENTO E ESCRITA

3.3. Conclusões sobre as relações entre pensamento, fala e escrita

autor levam a deduzir que a escola, ao mesmo tempo em que ensina o sistema formal de escrita, pode ensinar as funções da escrita na nossa sociedade. Várias formas de abordar o texto podem ser usadas pela escola de modo a demonstrar a escrita como necessidade.

Por exemplo, um texto científico pode ser trabalhado pela escola de modo a responder às curiosidades da criança sobre o mundo. Os textos artísticos podem ser apresentados para a criança com o objetivo de levá-la ao prazer estético. Demais registros escritos, como carta, bula de remédio, receitas culinárias, sinopses de filme etc, podem ser trabalhados pela escola de modo a fazer a criança vivenciar situações reais de uso da escrita.

Ao investigar o momento da escrita como função cultural complexa no livro didático, haverá dois objetos de análise: a escrita como necessidade e as diferenças entre fala e escrita. Na escrita como necessidade, será observado se o livro apresenta a escrita em contextos nas quais ela é necessária para a realização de atividades culturais significativas para a criança. Nas diferenças entre fala e escrita, serão objetos de análise tanto o texto para os professores, quanto os exercícios. O enfoque recairá sobre as reflexões das diferenças entre fala e escrita que o livro propõe aos professores e aos alunos.

Vejamos, agora, uma conclusão mais geral sobre os diferentes momentos do desenvolvimento da escrita.

Também as formas de comunicação da escrita e da fala são diferenciadas. Se a escrita for uma transcrição da fala, a conseqüência é o não entendimento do interlocutor. Em uma perspectiva histórico-cultural, é preciso que a escola proporcione informações para a criança acerca das principais diferenças entre fala e escrita.

A terceira relação diz respeito ao significado dos símbolos. Se não há um outro que ajude a criança a produzir linguagem a partir do desenho e da escrita, dificilmente haverá compreensão de que existem outras formas de expressão além da fala. A criança precisa ser estimulada, desde a educação infantil, a expressar sua fala e pensamento através de vários meios de representação, pois isto a ajudará a entender a escrita como um meio necessário de expressão. É com o sentido de desenvolver várias formas de expressão que o ensino da escrita começa na educação infantil.

A quarta relação refere-se aos elos entre pensamento, oralidade e escrita.

Embora a criança precise já ter desenvolvido certo pensamento verbal para poder escrever, a escrita ajuda a aprimorar o pensamento verbal.

Com isto, podemos concluir que a ontogênese da escrita é resultado de um grande esforço. Resumidamente, as dificuldades da aquisição da escrita são cinco. A primeira dificuldade é a compreensão de que coisas podem ser usadas para representar outras coisas. A segunda dificuldade é compreender o sistema arbitrário das relações grafemas-fonemas. Disto decorre a terceira dificuldade, que é a necessidade suscitada pela escrita de realizar a abstração do aspecto sensorial da fala, ou seja, fazer uma análise mais acurada e sistemática dos sons das palavras, ao invés de comunicá-las espontaneamente. A quarta dificuldade do desenvolvimento da escrita é o fato de ela ser dirigida a um interlocutor ausente ou imaginário. Nem sempre a criança, ao ser iniciada na aprendizagem da escrita, tem noção de que esta é uma espécie de linguagem necessária na nossa cultura. Disto decorre a quinta dificuldade: compreender a escrita como uma função cultural complexa. Em outras palavras, entender a necessidade da escrita.

A alfabetização é um processo difícil porque a linguagem escrita se diferencia amplamente da fala e da fala interior. A escrita exige um acabamento superior ao acabamento da fala. Quando falamos, não precisamos detalhar como quando escrevemos. Disto decorre que a escrita exige análise sistemática e atenção voluntária.

La transición del lenguaje interior, reducido al máximo, del lenguaje para uno mismo al lenguaje escrito, desarrollado al máximo, el lenguaje para otra persona exige del niño

complicadísimas operaciones de construcción voluntaria del tejido semántico. (VIGOTSKI, 1993: 232)

Mas, se por um lado, a aquisição da escrita é dificultada pela sua demanda de abstração e complexidade de composição, por outro lado, seu uso constitui uma força que impulsiona o desenvolvimento da criança. O que orienta a linguagem escrita da criança é a consciência e a intenção. A criança precisa entender a escrita como uma função cultural complexa para saber com quais intenções usá-la. Além disso, precisa conscientizar-se quanto à estrutura complexa e diferenciada da escrita. Por este motivo, a maneira como os signos são empregados na escrita são assimilados pela criança de modo arbitrário e consciente. As funções psicológicas superiores exigidas pela escrita ainda não se desenvolveram quando a criança se inicia no processo de alfabetização, mas são desenvolvidas durante o processo.

Resumiendo esta breve exposición de los resultados de las investigaciones sobre la psicología del lenguaje escrito, podemos decir que es un proceso totalmente diferente del lenguaje oral, desde el punto de vista de la naturaleza psíquica de las funciones que lo integran. Es el álgebra del lenguaje, la forma más difícil y complicada de la actividad verbal intencionada y consciente. Esta premisa nos permite llegar a dos conclusiones: 1) encontramos en ella la explicación de por qué se manifiesta en el escolar tan patente separación entre su lenguaje oral y su lenguaje escrito; esta separación está determinada y medida por la separación entre los niveles de desarrollo de la actividad espontánea, involuntaria y no consciente por un lado y la actividad abstracta, voluntaria y consciente, por otro; 2) al inicio del aprendizaje del lenguaje escrito, todas las funciones psíquicas que lo fundamentan no sólo no están completas, sino que ni siquiera han iniciado su verdadero proceso de desarrollo. El aprendizaje se apoya en procesos psíquicos inmaduros, que sólo se hallan al comienzo de su primer y principal ciclo de desarrollo. (VIGOTSKI, 1993: 232-3)

Apesar de todas as dificuldades para o desenvolvimento da escrita, a escola não precisa esperar que a criança atinja certo nível de desenvolvimento para aprender a escrever. No entanto, também não se pode esperar que o ensino proporcione o desenvolvimento, acompanhando-o como uma sombra. Segundo Vigotski, o

desenvolvimento tem uma lógica própria, não se subordina ao programa escolar, embora a aprendizagem sempre se adiante ao desenvolvimento. O que ocorre é uma interação entre as matérias escolares e o desenvolvimento da criança. Por um lado, existe um processo de ensino que tem sua lógica e sua seqüência. Por outro lado, temos, no interior da cabeça do aluno, uma lógica própria de desenvolvimento. A aprendizagem e o desenvolvimento na escola apresentam a mesma relação que a zona de desenvolvimento próximo e o nível de desenvolvimento real. Na aprendizagem infantil só é bom o que se adianta ao desenvolvimento da criança. Por outro lado, só se pode ensinar para a criança aquilo que está dentro de suas possibilidades.

A partir da teoria da psicologia histórico-cultural sobre o desenvolvimento da escrita, é possível inferir implicações pedagógicas. Para desenvolver a escrita como simbolização, a escola precisa proporcionar atividades de expressão, desenho, jogo, dramatização e arte. Para desenvolver a escrita como simbolismo de segunda ordem, precisa ensinar o sistema gráfico e propor atividades de leitura silenciosa. Para desenvolver a escrita como simbolismo direto, precisa fazer atividades de reflexão sobre as diferenças entre fala e escrita. No bojo de todas estas atividades deve estar o ensino da escrita como uma linguagem necessária. Afinal, atividade, para a psicologia histórico-cultural, é quando há diferenciação entre objeto e motivo, ou seja, quando o homem faz algo sabendo por que faz, tendo consciência das necessidades que suscitam as ações humanas.

Nisto cabe perguntar: será que o livro didático propõe atividades nos termos da psicologia histórico-cultural? Será que significa a escrita como algo importante na nossa cultura? Que finalidades o livro didático confere à escrita? Á luz das etapas do desenvolvimento da escrita e de suas possíveis implicações pedagógicas procederemos, no próximo capítulo, à análise do livro didático.