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4. METODOLOGIA

4.1. Aproximação e escolha dos informantes

Os conhecimentos e práticas da população-alvo em relação aos solos foram descritos e analisados por meio de técnicas etnocientíficas (ARNOLD, 1971; SANDOR & FURBEE, 1996), destacando-se a articulação entre as abordagens emicista e eticista (MARQUES, 2001). Neste sentido, deu-se ênfase à tarefa de elicitar25 (fazer emergir) entre os informantes as categorias de solos (ou materiais de solos) que eles reconhecessem, os atributos que usassem para caracterizar cada uma delas e os critérios que adotassem para diferenciá-las e relacioná-las. Buscou-se também relacionar esses dados com outros provenientes da observação direta (inclusive com registro fotográfico) das práticas artesanais e agrícolas desempenhadas pela população-alvo, e ainda com resultados de descrições formais e análises laboratoriais dos solos em questão26.

A partir de uma visita inicial em 03/09/2000, conduzida por um professor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba (CCA/UFPB, Campus de Areia), contactou-se uma “loiceira” que ele conhecia (Figura 2d). Posteriormente, localizou-se o Presidente da Associação de Moradores da Chã da Pia, que pôs à disposição os documentos dessa entidade para consulta e organizou, em sua residência, uma reunião com algumas “loiceiras” associadas (19/09/2000). Nesta ocasião, o autor apresentou-se ao grupo, fez uma

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Na literatura etnocientífica de língua inglesa usa-se, freqüentemente, o verbo “to elicit”, que tem vários significados no “Dicionário Michaelis”, como eliciar, fazer sair, extrair, trazer à tona e evocar. Os verbos “elicitar” e “eliciar” aparecem no “Dicionário Aurélio” como “extrair resposta ou reação de” e “extrair enunciados ou julgamentos lingüísticos de (informante)”. Dicionários disponíveis em http://www1.uol.com.br/bibliot/.

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Discussões sobre métodos e técnicas utilizáveis em etnopedologia foram publicadas por GUILLET et al. (1995), BIRMINGHAM (1998) e OUDWATER & MARTIN (2003).

explanação geral dos objetivos da pesquisa, assistiu demonstrações de modelagem (Figura 2e) de vasos e presenciou a extração de “barro de loiça” em terreno contíguo ao local da reunião.

Para garantir a inserção na comunidade, estabelecer o necessário “rapport” e facilitar a realização da pesquisa, visitaram-se feiras-livres, barreiros, fornos e residências onde algum habitante da Chã da Pia estivesse desempenhando atividades diretamente relacionadas à “loiça de barro” (Figura 3a,b,c,d). Nessa fase de aproximação, o autor solicitou e recebeu de uma “loiceira” uma aula de modelagem na residência dela, com objetivo de se familiarizar com o ambiente, a linguagem, os materiais e as pessoas envolvidas na atividade (Figura 3e). A aproximação com os informantes se deu inclusive por troca de correspondência escrita, por via postal (Anexos 2 e 3) e fotografias (Figura 3f) com alguns deles.

Informações geográficas e históricas sobre a região, o município e a comunidade foram obtidas em varias instituições como a Associação de Moradores da Chã da Pia, o campus do CCA/UFPB, as sedes municipais do IBGE e da Emater em Areia e o Centro Regional da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa), o qual está situado na zona rural do município de Esperança.

Dentre os aproximadamente 196 domicílios existentes na Chã da Pia, 34 abrigavam ceramistas ou “loiceiros” na época da pesquisa. Três desses domicílios eram habitados por mais de um(a) “loiceiro(a)” (e.g. duas irmãs, ou mãe e filha, ou ainda pais e filha), perfazendo assim um total de 38 artesãos ativos. Foram considerados ceramistas locais ou “loiceiros”, nesse contexto, as pessoas que estavam atuando direta e regularmente na modelagem de cerâmica utilitária (“loiça de barro”) para venda durante a execução do trabalho de campo. São camponeses minifúndiários e/ou parceiros em cujos núcleos familiares a prática artesanal se associa à policultura alimentar e à criação de pequenos animais27. Excepcionalmente, na época de implantação dos “roçados”, contratam serviços (de seus vizinhos), mas predomina mão de obra familiar em seus roçados. Em troca de permissão para plantar “roçados” nas propriedades maiores da região, esses camponeses, fazem a “limpa” (capina) nos plantios de palma forrageira dessas propriedades e/ou dividem a produção desses “roçados” com os donos das terras.

Pressupondo a existência de conhecimentos e crenças locais, relacionados ao uso artesanal de solos pela população-alvo, deu-se continuidade ao trabalho de campo buscando identificar, a partir do discurso dos informantes, os materiais e as situações relevantes para

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O termo “loiça”, popularmente usado no Nordeste Brasileiro para designar cerâmica utilitária, é registrado no Dicionário Aurélio [http://www.uol.com.br/Aurelio] como forma paralela de “louça”.

estudo. Os informantes foram considerados em duas categorias: primários e secundários (GUILLET et al., 1995; SANDOR & FURBEE, 1996). Para atuar como informantes primários, foram escolhidas cinco pessoas (quatro “loiceiras” e um “loiceiro”), após terem sido indicadas por seus pares como sendo detentoras de maior experiência e conhecimento sobre a “loiça de barro” e os solos usados para confeccioná-la. Os demais 30 “loiceiros” (29 mulheres e um homem) pesquisados foram considerados como informantes secundários. Estes participaram com menor intensidade e freqüência em atividades de descrição e coleta de solo junto com o autor, comparativamente àqueles. Alem desses, outros 10 homens foram consultados na condição de informantes secundários. Eram parentes (maridos, pais, irmãos, cunhados) de “loiceiras” e trabalhavam regularmente na cocção, transporte e venda de vasos modelados por elas. A amostra pesquisada ficou assim constituída por 45 informantes (35 “loiceiros” e 10 de seus parentes), todos residentes na Pia. Em alguns momentos, informantes primários intermediaram contatos de outros “loiceiros” com o autor (Figura 4a,b).

Num levantamento inicial de campo, 35 “loiceiros” foram visitados em suas residências, o que representa 92% da população total de 38 de ceramistas locais. Nessas ocasiões, esses artesãos foram solicitados a falar livremente sobre sua experiência na elaboração da “loiça de barro”. Desta forma, emergiram dados sobre as diversas etapas dessa produção artesanal, desde a coleta de solos até a cocção e comercialização dos produtos, bem como as relações entre a produção artesanal e outros usos do solo. Na segunda fase, as entrevistas concentraram-se mais em aspectos pedológicos da cerâmica local. Os “loiceiros” foram então questionados sobre os nomes dos materiais de solo relacionados à “loiça de barro”, destacando também os critérios usados por eles para reconhecer, distinguir e manipular esses materiais.

As entrevistas realizadas no ambiente doméstico foram intercaladas com turnês em que o autor foi guiado por “loiceiros” aos locais de coleta de solo para fins cerâmicos, com atenção especial para os “barreiros”, que são as fontes de “barro de loiça”. Com o mesmo objetivo, visitaram-se também algumas áreas comumente exploradas para obtenção de outros recursos localmente usados para confeccionar a “loiça de barro”, tais como solos (anti-plásticos e corantes), plantas (combustível) e água.