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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2. Caracterização eticista dos solos nos barreiros

Os solos descritos neste trabalho são aqueles usados como fonte de “barro de loiça”. Dados dos cinco perfis de solo descritos junto a “barreiros” indicam que o “barro de loiça” se extrai de horizontes B em Planossolos afetados por sódio. Dentre esses perfis, quatro foram classificados como Planossolo Nátrico e um como Planossolo Háplico pelo SiBCS (EMBRAPA, 1999), equivalendo respectivamente a Typic Natraqualf e Vertic Albaqualf pela “Soil Taxonomy” (SOIL SURVEY STAFF, 1999), ou ainda a Haplic Solonetz e Eutric Planosol pela Legenda da FAO/UNESCO (OLIVEIRA & BERG, 1996) (Tabelas 4 a 6; Anexos 5 a 9). São solos sódicos ou solódicos, hipereutróficos, pouco profundos, com argila de atividade alta. Nos horizontes Bt correspondentes ao “barro de loiça”, a mineralogia da fração argila é qualitativamente uniforme e monótona no que diz respeito à participação dos filossilicatos. Estão presentes caulinitas e interestratificados irregulares envolvendo espécies 1:1 e 2:1 inclundo expansivos. A caulinita está bem individualizada em todas as amostras, mas exibe diferentes graus de cristalinidade, sendo o mais pobre o do perfil 3. É nele também que há uma incipiente individualização da esmectita.

Observou-se caráter vértico no 3o perfil, assim como salino no 3o e 4o perfis. Entretanto, o SiBCS ainda não prevê a inclusão de Planossolos com essas características e por isto sugere-se aqui a inclusão de duas novas classes no 4o nível desse Sistema: “salino” para o 4o perfil e “solódico vértico” para o 3o perfil. O SiBCS vem sendo discutido e ajustado, cogitando-se a possibilidade de alterações em diversas ordens, inclusive a dos Planossolos (JACOMINE, 2003a,b). Por outro lado, os solos planossólicos do semi-árido nordestino brasileiro vêm merecendo atenção há alguns anos, devido aos problemas de

salinização que podem decorrer de seu uso intensivo com culturas irrigadas, daí a importância de se estabelecer critérios adequados para classificação e utilização (OLIVEIRA et al., 2003).

A declividade local variou entre 4% (3o perfil) e 24% perfil (5o perfil). Os Planossolos são mais comumente associados a zonas de relevo plano e suave ondulado, mas podem eventualmente ocorrer em pontos com declividade relativamente alta no Nordeste brasileiro (SAMPAIO et al., 1976) e em outras regiões (FAIVRE, 1977). Um estudo pedogenético na área poderia esclarecer a influência do relevo e outros fatores na formação desses solos.

Alguns Planossolos afetados por sódio, que são localmente denominados “barro de louça” no Vale do Acaraú cearense, também se mostraram variáveis quanto à situação na paisagem e à presença de caráter vértico. Para esses solos, QUEIROZ (1985) relatou as seguintes características:

“Dois tipos diferentes de argipãs foram identificados: com e sem caráter vértico. Ambos tenderam a ocorrer perto de córregos e rios e em áreas de baixo relevo, mas eles não se restringem a esses tipos de terreno. Os argipãs são geralmente associados a porcentagens de saturação por sódio trocável acima de 5 (Jacomine et al., 1973). Estrutura colunar e prismática são feições comuns dos argipãs não-vérticos”.

Outro aspecto que aponta para a necessidade de estudos complementares é a distribuição espacial dos Planossolos na região. Embora este trabalho não constitua um levantamento pedológico, a freqüência relativamente alta observada de Planossolos na área estudada permite supor que a superfície coberta por esses solos seja maior do que as inclusões originalmente previstas por JACOMINE et al. (1972)41 para a unidade de mapeamento em que se situa a Chã da Pia. Levantamentos pedológicos em escala mais detalhada permitiriam testar essa hipótese.

Questões de escala representam um fator limitante para a discussão das categorias locais de solos na literatura etnopedológica em geral, pois o nível de detalhe dos levantamentos pedológicos geralmente é insuficiente para auxiliar na distinção de solos feita por populações rurais. Levantamentos pedológicos com escalas reduzidas (grandes áreas com pouco detalhe) não representam satisfatoriamente as categorias locais de solos (sejam relacionadas à cerâmica ou não), pois elas se baseiam em critérios eminentemente utilitários e abrangem áreas relativamente pequenas da superfície. Essa dificuldade foi reconhecida por CARDOSO E RESENDE (1996), para quem “os levantamentos de solos feitos no Brasil não permitem, via de regra, um nível de detalhamento satisfatório às necessidades do agricultor, ou mesmo do técnico que irá utilizá-los”. Mesmo os levantamentos em escala 1:20.000

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podem ser muito generalizados, quando os campos agrícolas atingem 0,1 hectare ou menos e a variabilidade de solos é grande (KRASILNIKOV & TABOR, 2003).

Além da limitação de escala, outra questão que dificulta a interpretação e comparação de dados pedológicos na literatura sobre cerâmica é a insuficiência de dados sobre a identificação taxonômica dos solos em questão, tendência reconhecida por estudiosos de cerâmica artesanal e de etnopedologia, como NICKLIN (1979), GOSSELAIN (1994) e TABOR et al (1990). Neste último caso, os autores consideraram que

“Levantamentos pedológicos futuros deveriam determinar como predizer a localização de ‘Yumba’, um material de solo vermelho e argiloso importante para confecção de vasos cerâmicos queimados. Em muitas áreas, esse material de solo é raro ou difícil de encontrar e as pessoas têm que comprar vasos de sítios distantes. A identificação, em futuros levantamentos pedológicos, de fontes desse material para zonas com limitado acesso a ele seria um benefício”

Por outro lado, a descrição e classificação de solos usados em cerâmica são temas escassos na literatura pedológica e etnopedológica. O levantamento bibliográfico mais completo em etnopedologia (BARRERA-BASSOLS & ZINCK, 2000) é totalmente dedicado ao uso agrícola do solo, embora outros estudos (BARRERA-BASSOLS, 1988; BARRERA- BASSOLS & ZINCK, 2003b) tenham demonstrado que o uso do solo por camponeses inclui aspectos diversos, tais como a produção de alimentos e o fornecimento de materiais para uso em construção, cerâmica, medicina e rituais mágico-religiosos. Portanto, o enfoque etnopedológico poderia servir como ferramenta para enriquecer os levantamentos formais e ajustá-los às demandas das populações locais, não somente para fins agrícolas.