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4. METODOLOGIA

4.2. Coleta e análise de solos encontrados nos “barreiros”

Para aprofundar os conhecimentos sobre o “barro de loiça” e materiais correlatos, perfis de solo foram descritos junto a diferentes “barreiros”. Primeiramente, cada perfil foi submetido a uma descrição morfológica e coleta de solos (abordagem eticista), seguindo os métodos estabelecidos por LEMOS & SANTOS (1996), através do trabalho conjunto de três pesquisadores graduados em agronomia e pós-graduados (em nível de mestrado e/ou doutorado) em ciência do solo (Figura 5a). No dia seguinte, realizou-se, em cada um desses perfis, outra coleta de amostras de solo (abordagem emicista), solicitando-se a um dos cinco informantes primários que indicasse e nomeasse, de acordo com seus próprios critérios, os tipos de materiais que ele(a) fosse capaz de reconhecer nesses perfis (Figura 5b). Nestas ocasiões, coletaram-se amostras dos materiais indicados pelos ceramistas, medindo-se também as respectivas profundidades e espessuras, quando cabível. Posteriormente, realizou- se a caracterização desses materiais através de análises laboratoriais (físicas, químicas e mineralógicas) e morfológicas, sem a participação de qualquer informante.

Os trabalhos de coleta, descrição e análise das categorias eticistas de solos foram realizados pela mesma equipe de agrônomos-pesquisadores em todos os perfis descritos. Para a abordagem emicista, o autor consultou, junto a cada perfil descrito, aquele(a) entre os informantes primários que tivesse mais experiência na exploração do respectivo “barreiro”, quando estivesse mais disponível para essas consultas. Com exceção do autor, os pesquisadores que atuaram na descrição eticista não presenciaram a subseqüente amostragens das categorias emicistas nos perfis aqui apresentados. Por outro lado, nenhum “loiceiro” presenciou as situações em que se fez a descrição eticista. Cada perfil passou por uma limpeza no intervalo de tempo entre essas duas coletas, para desfazer as marcas da separação de horizontes deixadas pelos agrônomos-pesquisadores.

Os primeiros perfis foram descritos junto aos três “barreiros” mais explorados pelo conjunto de ceramistas locais. Prosseguiu-se com as turnês e descrições de perfis, até um momento em que o acúmulo de informações repetitivas indicou a exaustão do campo semântico de materiais de solo reconhecíveis pelos ceramistas naquele contexto, não se verificando a emergência de categorias adicionais. Ao todo, cinco perfis foram descritos.

Figura 3. Autor observando e participando de atividades relacionadas à “loiça de barro”: (a) informante escolhendo e coletando “barro de loiça”; (b) informante confeccionado fogareiro; (c) informante queimando vasos; (d) informante vendendo vasos em feira-livre; (e) informante observando autor durante aula de modelagem; (f) informantes vendo-se em fotos doadas pelo autor, que retratavam seu trabalho artesanal. Fotos por Sandra B. Queiroz (a, c), Francisco J. B. Souto (b), Joelma de Medeiros (d) e Joel de Medeiros (e).

a b

c d

a

b

a

b

Figura 4. (a,b) “loiceira” auxiliando contato com outras informantes, destacando-se o registro de informações orais com uso do gravador (seta).

Figura 5. (a) agrônomos–pesquisadores realizando descrição eticista de perfil de solo, destacando-se o uso da carta de cores de Munsell (seta); (b) “loiceira” indicando a seção horizontal do solo da qual se costuma extrair “barro de loiça”, destacando-se o registro de informações orais com gravador (seta). Foto (a) por Ivandro de França da Silva

A consistência das informações etnopedológicas obtidas no campo foi testada pela repetição de entrevistas e turnês com pessoas diferentes, e também com as mesmas pessoas em momentos diferentes. Além dos cinco locais aproveitados para a descrição de perfis, outros 11 “barreiros” foram visitados e avaliados pelo autor em companhia de ceramistas locais (informantes primários e secundários), para confirmação de dados, sem que fossem realizadas descrições morfológicas completas nesses locais. O período principal de entrevistas, turnês, coletas e descrições de solos foi desde setembro de 2000 até agosto de 2002. Após isso, visitas periódicas foram feitas à Chã da Pia (com intervalos de 30 a 60 dias), para coletar informações adicionais sobre a seqüência operacional da confecção da “loiça de barro” e continuar o registro fotográfico de algumas atividades produtivas cotidianas da população-alvo.

Além da descrição e coleta de solos junto aos “barreiros”, obtiveram-se também, durante as entrevistas e turnês, amostras de anti-plástico, corante e pasta cerâmica, que foram posteriormente submetidas a análises morfológicas (textura, cor, pegajosidade e plasticidade) e granulométricas, quando cabível.

Para as análises laboratoriais efetuadas nas amostras resultantes de ambas as coletas (emicista e eticista) de solos, seguiram-se os métodos de EMBRAPA (1997). A caracterização física baseou-se em análises da composição granulométrica (método do densímetro), argila dispersa em água, grau de floculação, densidade do solo (método do torrão parafinado) e densidade das partículas (método do balão volumétrico). Para a caracterização química, fizeram-se análises de pH em água e KCl 1mol L-1, Ca2+ e Mg2+ (extraídos com KCl 1 mol L-1 e determinados por complexiometria), Na+ e K+ (extraídos com solução de Mehlich-1 e determinados por espectrofotometria de chama), Al3+ (extraído com solução de KCl 1 mol L-1 e determinado por titulação), H+ + Al3+ (extraídos com solução de acetato de cálcio 0,5 mol L-1 e determinados por titulação), P disponível (extraído com solução de Mehlich-1 e determinado por colorimetria), carbono orgânico (oxidação pelo dicromato de potássio em meio sulfúrico) e condutividade elétrica no extrato da pasta de saturação.

Para análise mineralógica (JACKSON, 1974), a fração argila foi separada da areia por peneiramento e do silte por gravimetria. As amostras foram preparadas em lâminas de vidro, orientadas, e submetidas a tratamentos com potássio (a temperatura ambiente e a 550º C) e magnésio (a temperatura ambiente), sendo estas últimas solvatadas com glicerol. Posteriormente, foram submetidas a difratometria de raios X.

Tendo como referência os resultados das descrições eticistas, os solos foram classificados por meio do Sistema Brasileiro (EMBRAPA, 1999), buscando-se também a correspondência com a “Soil Taxonomy” (SOIL SURVEY STAFF, 1999) e com a legenda da FAO/UNESCO (OLIVEIRA & BERG, 1996). De posse dos resultados de campo e laboratório, buscou-se estabelecer comparações e articulações entre os resultados das abordagens emicista e eticista. Procurou-se, desta maneira, detectar eventuais convergências e divergências entre o conhecimento local (camponês) e o formal (acadêmico) a respeito dos solos.