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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1.2. Seqüência operacional da “loiça da Pia”

5.1.2.7. Venda dos vasos nas feiras

Cerca de ¾ dos “loiceiros” da Pia vendem sua produção crua para vizinhos que têm fornos. Todos aqueles que compram a “loiça” crua são também residentes na Pia, sendo que alguns deles também trabalham modelando vasos, atuando simultaneamente como “loiceiros” e como intermediários. A venda da “loiça da Pia” se dá regularmente (uma vez

por semana) em feiras livres de sete cidades do Agreste Paraibano36, sendo feita nestes locais pelos próprios “loiceiros” e seus familiares, ou por vizinhos que atuam como intermediários (Figuras 22a,b,cd,; 23a,b,c,d,e). Entre esses vizinhos intermediários, alguns não dispõem de forno, dependendo portanto do fornecimento dos donos de fornos. Ocorre também a intervenção de intermediários não-residentes na Pia, que compram os vasos já queimados, em lotes maiores e por encomenda, e os recolhem diretamente nas residências dos “loiceiros” ou naquelas feiras-livres onde estes fazem também a venda a varejo. Esses intermediários não- residentes transportam a “loiça” para vendê-la em feiras mais distantes. De maneira geral, os intermediários são localmente denominados “retalhadores”.

“Loiceiros” e “loiceiras” participam da venda da “loiça Pia” nas feiras agrestinas, entretanto a maioria dos intermediários é composta de homens, principalmente no caso dos intermediários que não residem na Pia. A relação entre os gêneros é bastante variável, no que tange à divisão do trabalho na seqüência operacional da “loiça”. Há somente um núcleo familiar na Pia em que ambos os cônjuges são “loiceiros”. Neste caso, há uma certa especialização interna, o marido produzindo recipientes maiores para armazenamento de água (“jarras”), ficando os menores (“panelas”, “fogões” e outros) sob a responsabilidade da sua esposa e da filha, que é também “loiceira”. Esse casal e filha encarregam-se individualmente de vender sua produção em feiras-livres, seja diretamente aos consumidores finais, ou a intermediários que os visitam nesses locais. Um filho adulto desse casal vive numa comunidade vizinha e costuma visitar a casa dos pais “loiceiros”, onde auxilia o pai modelando ou finalizando vasilhas, mas essa colaboração pai-filho acontece apenas durante os eventuais picos de demanda de “loiça” (Figura 19c). Em outros núcleos familiares, a divisão de trabalho se dá com a esposa modelando a “loiça” e entregando a produção ao marido, que se encarrega de fazer a cocção e a venda. Também há casos em que a esposa modela os vasos, o esposo os queima e o casal vai junto vendê-los na mesma feira, ou ainda

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Durante a pesquisa, foram visitados e fotografados os pontos de venda regular (semanal) de loiça da Pia nas feiras livres das seguintes cidades agrestinas: Areia, Remígio, Esperança, Barra de Santa Rosa, Arara, Alagoa Nova e Alagoa Grande. Nesta última, que se situa em município vizinho a Areia, a loiça da Pia é vendida por um intermediário que reside na Pia, e que compra loiça queimada por seus vizinhos. Segundo informações obtidas entre os “loiceiros”, um homem residente na Pia vendia a loiça produzida por sua esposa na feira da cidade de Pocinhos (também no Agreste), mas não foi possível visitar esta feira a tempo de fazer o registro fotográfico. Após receber uma área através do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), ele teria interrompido a venda direta da loiça e sua esposa teria passado a fornecer loiça crua para alguns intermediários residentes na Pia. Informantes indicaram ainda outras cidades agrestinas em cujas feiras-livres atuavam intermediários (não-residentes na Pia) vendendo loiça da Pia: Casserengue, Lagoa Seca, Cuité e Campina Grande, bem como Jaçanã no Rio Grande do Norte. Entre estas, as feiras de Lagoa Seca e Campina Grande foram visitadas, mas apenas esta ultima foi fotografada. O caso da feira de Campina Grande difere ainda dos demais, porque a loiça é transportada até lá por um intermediário residente na Pia, que vende vasos no atacado para os donos de duas lojas fixas nessa feira, sempre por encomenda e com freqüência irregular.

de a esposa modelar e vender a “loiça” diretamente nas feiras-livres, ficando as tarefas intermediárias de cocção e transporte dos vasos para os parentes homens (marido e/ou cunhado). Registraram-se apenas duas pessoas (um homem e uma mulher, parentes, mas não cônjuges) executando regularmente as funções de coleta e transporte de barro e lenha, modelagem e cocção de vasos e venda ao consumidor nas feiras. Mas essas duas pessoas pagam para transportar seus vasos às cidades e para armazená-los ali, e também não dispõem de lenha ou barro suficiente em áreas sob sua posse.

De modo geral, não há tarefas exclusivamente masculinas ou femininas no contexto da “loiça da Pia”, mas algumas atividades são mais comumente executadas por um ou outro gênero, dependendo, aparentemente, de regras culturais locais. No que tange à predominância feminina para aquelas etapas de produção da “loiça” que se realizam em ambiente doméstico, outros estudos demonstraram tendência semelhante na periferia de Vitória do Espírito Santo (DIAS, 1999) e nas Ilhas Canárias (CABRERA-GARCÍA, 1996), locais onde a modelagem artesanal de cerâmica utilitária é feita por mulheres, com participação minoritária de homens.

Naquelas feiras-livres onde os “loiceiros” (e seus vizinhos intermediários) vendem a produção cerâmica da Pia, os locais de venda situam-se nas periferias das feiras (“pontas-de-rua”). A venda direta ao consumidor é feita a céu aberto e os vasos ficam dispostos no chão, à vista dos passantes. Os “loiceiros” e os possíveis compradores costumam fazer uma avaliação sensorial (auditiva) das peças, com base no som (“tinido”) que emitem (Figura 23d) ao serem percutidas com a mão fechada. Para eles, o “tinido fixe” é considerado como indicativo de melhor qualidade, em comparação ao “tinido fofo”. Formas semelhantes de avaliação por percussão foram observadas por LIMA (1987), entre as “oleiras Marubo”, e também por OLIVEIRA (1998) entre as “ceramistas de Conceição das Crioulas” (Pernambuco).

No Agreste Paraibano, as prefeituras municipais cobram um tributo pelo “chão” (área de aproximadamente 10 a 12 m2) ocupado pelos vendedores de “loiça”, sejam eles “loiceiros” ou não. Na cidade de Esperança, cada vendedor pagava semanalmente à prefeitura o valor de R$ 1,00 pelo “chão” que ocupava com seu lote de vasos na feira (observação feita em dezembro de 2001). Além disso, os “loiceiros” da Pia pagam o aluguel de recintos cobertos, situados em espaços contíguos aos seus pontos de venda, onde armazenam os vasos remanescentes após o encerramento da feira semanal, de modo que não precisam transportar esses vasos de volta à Pia. O valor desse aluguel estava em torno de R$ 60,00 por ano (observação feita em junho de 2004).

A venda dos vasos a céu aberto, diretamente no chão das “pontas de rua” das feiras-livres agrestinas, parece ratificar o caráter marginal dessa produção artesanal. Nas cidades de Lagoa Seca e Campina Grande, a venda ocorre em lojas fixas, cujos recintos são cobertos, embora permaneçam alguns vasos do lado de fora da loja. No caso de Campina Grande, a loja que vende “loiça da Pia” chama-se “Casa de Iansã” e é dedicada principalmente à venda de produtos usados em rituais de cultos afro-brasileiros (Figura 24a,b). Foi unânime nos depoimentos dos “loiceiros” a noção de que a “loiça da Pia” está em declínio, alegando-se como principal motivo a concorrência com artigos de alumínio e plástico, industrialmente produzidos.