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1 O OLHAR DA PESQUISA

1.1 APROXIMAÇÕES SOBRE O OBJETO

A escolha do recorte específico sobre oncologia e sua intersecção com o mundo virtual foi complexa. Vários outros segmentos da área da saúde poderiam ser abordados: distúrbios alimentares (anorexia e bulimia), HIV, dengue, parasitoses, infertilidade – a diversidade de opções é imensa. O câncer, no entanto, por assumir um caráter de doença típica da modernidade, apresentou-se como escolha prioritária.

O câncer é uma doença em que os fatores genéticos, ambientais, de políticas públicas e de comportamento individual mesclam-se de maneira indissociável. Além disso, a menção da doença acabou migrando para outros ambientes, para além do espaço clínico: “câncer social”, “câncer econômico” e outras expressões fazem parte da linguagem cotidiana. Assim, de uma doença oculta, o câncer tornou-se um vocábulo de senso comum, que exige uma abordagem interdisciplinar, pois:

O foco é melhor atingido com uma abordagem interdisciplinar: de um lado, trazendo o conhecimento e a tecnologia fundamentada nos avanços laboratoriais e, de outro lado, as disciplinas das ciências sociais e do comportamento, trazendo importantes fatores de risco que operam desde os indivíduos até as comunidades ou a sociedade como um todo (SARACCI; WILD, 2015, p. 243, tradução da autora).

Esta interface entre tecnologia e comportamento individual, tão cara nas abordagens oncológicas, fez do câncer o campo ideal para minha pesquisa. Pelo caráter interdisciplinar do tema escolhido, acabei optando pelo uso de três métodos empregados em diferentes partes desta tese: a pesquisa bibliográfica; a pesquisa documental; e o método interpretativo, amparados por uma perspectiva interacionista (BLUMER, 1986).

A pesquisa bibliográfica abrangeu as principais referências para conceituar e mapear a interpolação entre as áreas da oncologia e da internet. Utilizei autores que, muitas vezes, apresentam pontos de vista conflitantes, mas busquei criar uma ponte entre eles para permitir empregar o conceito de redes inter-relacionadas que me é tão caro. Assim, coloco lado a lado Foucault (2001) com sua análise do surgimento da clínica, onde insiro a oncologia, e Ortega (2008), que se debruça sobre o corpo invisível. Analiso as colocações do núcleo canadense “Internet et Santé” (THOER; LÉVY, 2012), que investiga a internet e suas conexões com a saúde, com levantamentos estatísticos minuciosos; e Hélène-Cixous (1991), que adota uma abordagem mais fluída, pois

Nesse tipo de pesquisa, recolhem-se dados para serem utilizados em outros trabalhos, como: organização de informações, produção de políticas e estratégias, elaboração de categorias analíticas etc. São dados puros e não bibliografias e referências já analisadas (MANCINI, 2014, p. 48).

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Para desenvolver minha análise, além de me debruçar sobre os sites institucionais, sem fins lucrativos, que aparecem nas primeiras posições no buscador Google11, realizei também uma análise de documentos fornecidos por estes sites, bem como aqueles obtidos com o Google Trends12.

Uma parte dos dados foi coletada diretamente nos mecanismos de busca da internet, outra parte foi cedida pelos administradores dos sites pesquisados, como foi o caso do INCA e do ONCOGUIA.

É importante salientar que tais dados representam uma amostra quantitativa relevante13, embora a análise tenha sido realizada de maneira crítica, pois busquei detectar “[...] hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc.” para abranger o objeto analisado (LAKATOS; MARCONI, 2010, p. 269).

Tal análise foi efetuada dentro de uma perspectiva interacionista, que dá conta de enfatizar a importância da interdisciplinaridade no campo das disciplinas sociais. Ao alinhar-me com a perspectiva interacionista, deixo transparente que é minha a leitura dos dados coletados, que estes formam um alfabeto cujo vocabulário depende de quem faz tal leitura. Minhas perguntas, sintetizadas nos objetivos que coloco mais à frente, orientam as respostas que busco: minhas intenções intervêm nas minhas escolhas. Além disso, alinhando-me com Clifford Geertz (1989), tentei evitar reducionismos nas conclusões e interpretações efetuadas, para que elas ganhassem corpo e significado em relação a outras situações similares e para além da especificidade desta tese.

A metodologia, o objeto de pesquisa, a problematização, o levantamento dos dados e a análise caminharam, assim, de maneira entrelaçada e foram se alterando à medida que eu, como pesquisadora, envolvia-me cada vez mais com o tema escolhido. O ponto de partida foi meu interesse pelo impacto da popularização das informações a

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Utilizei o buscador Google por ser esta a ferramenta predominante no Brasil, sendo utilizado em 94,3% das pesquisas (INNOVARE, 2016).

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O Google Trends é uma ferramenta desenvolvida pelo Google que permite analisar os termos mais pesquisados na internet em um determinado período de tempo, incluindo variáveis como local de origem da pesquisa. A ferramenta também apresenta, no formato de gráfico, dados comparativos de busca por dois ou mais termos.

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A relevância quantitativa do material analisado é definida pelo número de acessos aos sites analisados, que ultrapassa a casa do milhar, bem como pela diversidade de inputs que alimentam cada site, constituindo o que se define como Big Data, conceito explorado nesta tese (GANTZ; REINSEL, 2012).

respeito das doenças oncológicas e como os sujeitos se apropriam de tais informações. Meu ponto de chegada, como sites oficiais disponibilizam informações sobre o câncer e como a percepção sobre o paciente oncológico é construída.

Neste percurso, transitei do sujeito que fala como terceira pessoa do singular para a primeira pessoa do singular: o pesquisador integra-se ao sujeito que escreve, o autor, o “eu”, assume que a escrita acadêmica se enriquece como uma “voz que repele a morte, a minha morte, a sua morte; minha voz é o meu outro” (CIXOUS, 1991, p. 4, tradução da autora).

1.1.1 O ponto de partida

Esta tese, como se verá nos objetivos a seguir especificados, investiga como as informações relativas ao câncer (sintomas, diagnóstico, prognóstico e tratamentos) são disponibilizadas na internet e como o paciente oncológico é desenhado no mundo virtual.

A forma como diferentes sites apresentam estes dados é uma das variáveis que busquei analisar: afinal, a rede é um vasto campo, com inúmeras fronteiras onde o internauta finca suas bandeiras. Existe um momento crítico em que as informações disseminadas pelos meios virtuais passam a se auto-referenciar, tornando impossível identificar onde se localiza a primeira fonte e tornando a popularização da informação um fator crítico, como colocam Castiel e Silva:

Em anos recentes, as TIC se dedicaram mais a desenvolver a cultura de consumo de informações. O amplo estoque de informações, sem muitas sínteses, nos assombra, causando ansiedades e neuroses frente à perspectiva de ter acesso a terabytes de dados em nanossegundos. Que fazer com eles? Onde se encontram os dados relevantes e consistentes que nos conduzirão ao próximo passo? Qual é nosso propósito? (CASTIEL; SILVA, 2005, p.28, grifo dos autores, tradução da autora).

A minha pergunta, portanto, é a mesma de Castiel e Silva (2005), que questionam como analisar e categorizar esse manancial de informações apresentado pelos meios virtuais. Além disso, como os autores acrescentam (2005, p. 34), “Pouco se sabe como os pacientes interagem com tais recursos. Como lidar com a possibilidade de

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estímulo à automedicação e à suposta proliferação de „cibercondríacos‟?”

Delimitado como campo para pesquisa a interface internet/saúde, precisava circunscrever, ainda, pela extensão do tema, uma área mais específica. Escolhi a oncologia, pois o câncer é uma doença que caracteriza uma nova postura frente às enfermidades, sendo um marco significativo da modernidade, assim como o são a internet e a medicalização da saúde (IARC, 2015).

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Geral

O objetivo principal desta tese é investigar como as informações sobre a doença oncológica são disponibilizadas no mundo virtual, especialmente a partir dos vetores oficiais – instituições que se dedicam à oncologia (pesquisa, prevenção e tratamento). Na tese analiso como o crescente volume de informações relacionado com oncologia é disponibilizado por especialistas na internet e como tais informações surgem na interface com os sujeitos que acessam o mundo virtual.

1.2.2 Específicos

O contorno dos objetivos específicos ficou delineado como se segue:

• investigar e refletir como são disponibilizadas pela internet as informações médicas para o paciente oncológico;

• verificar como tais sites são construídos (estrutura de navegação);

• verificar como o paciente oncológico é descrito nos sites analisados.

Tais objetivos específicos foram delineados durante o percurso do levantamento bibliográfico e análises piloto realizados nas oficinas REUNI (Programa do Governo Federal de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras) que ministrei no decorrer do processo de doutoramento14,

A investigação aqui proposta poderá contribuir para clarificar como as informações na área oncológica são construídas na geografia virtual e, para caminhar em direção a tais objetivos, tracei algumas hipóteses preliminares.