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Aquecimento muscular e jogos de expressão física

O aluno com deficiência visual, quando não estimulado precocemente, carece de motivação para perceber o mundo em torno de si, consequentemente, seus movimentos tornam-se mais tímidos e acanhados. A depender da modalida- de de vida que o indivíduo leva o corpo pode se transformar num mero instrumen- to de sobrevivência, um corpo objeto, fisiológico e até mesmo, um corpo atrofiado, fechado, triste ou deprimido.

A entrega ao espaço é diferente, existe certo receio do choque com as pessoas e os objetos, e isso vai reduzindo a sua capacidade motora. Por isso, o primeiro nível de trabalho consistiu no desbloqueio, na mobilização do corpo, para que fossem além dos movimentos utilizados cotidianamente.

Começávamos a sessão nas oficinas de teatro, geralmente, imprimindo cer- ta ordem por meio da disposição do grupo em forma circular 5 e execução de

exercícios corporais de aquecimento muscular e de flexibilização das articulações. Iniciávamos com exercícios simples, de preferência lentos, envolvendo, sobretu- do, movimentos espontâneos, prazerosos, ou que fossem do conhecimento e inte- resse do aluno.

5 A forma circular organiza e facilita a orientação em relação ao centro da roda onde acontece-

rão as improvisações teatrais. A liberdade criativa depende de disciplina, de organização no espaço e facilita a apreciação das cenas no meio da roda. Ultrapassar o limite do círculo significa machucar as pessoas que estão apreciando a cena.

É importante observar que mesmo os jogos em que o indivíduo atuava indi- vidualmente implicavam em um diálogo corporal, dele consigo mesmo, fazendo-o penetrar no mundo dos movimentos simbólicos.

Um modo simples de aquecimento era realizado com o grupo em círculo, todos de pé, com uma pessoa a cada vez propondo um movimento, ou um movi- mento e um som, para todos repetirem em seguida, com o auxílio verbal do profes- sor. Os movimentos que executavam inicialmente geralmente promoviam o alongamento, a flexão do tronco e as articulações dos membros. Propúnhamos, então, que o mesmo movimento sugerido fosse repetido por todos, com um ritmo bem mais lento, mais consciente e muitas vezes acompanhado pelo rosto: espre- guiçar ruidosamente, abrir e fechar com o corpo todo, mobilizar as partes em que sentiam mais dificuldade de movimento, entre outros.

A verbalização dos exercícios, por si só, por vezes se tornava impraticável, exigindo o contato físico direto entre o professor e o aluno. O corpo do aluno era manipulado, e este em seguida fazia o mesmo, reproduzindo para algum colega, até atingir a todos. Dessa maneira, até mesmo posturas simples de ioga foram pra- ticadas, como forma de aquecimento6.

Utilizar o corpo todo para pesquisar o espaço da sala, verificando o tama- nho, as distâncias, o piso e os objetos, foi também fundamental para o desenvol- vimento do sentido de localização, tão necessário à atividade teatral. O reconhecimento inicial do espaço, que nos videntes acontece com uma rápida olhada, para o aluno com deficiência visual exigia a ida aos diversos cantos, perce- bendo a distância dos trajetos percorridos.

Apesar de suas limitações, os participantes das oficinas de teatro sabiam como se localizar no espaço da sala e percebiam, com tranquilidade surpreendente, à distância em termos de tempo e movimento, o que permitia o deslocamento de uma parede a outra, ou da parede para o centro da sala, sem maiores dificuldades. Após a realização dos exercícios individuais, partíamos muitas vezes para os exercícios em dupla. Quando o jogo de caminhar pelo espaço era realizado em dupla (por exemplo, puxando o colega pelos quadris, pelos ombros, pelas mãos), criava outro tipo de relação e atenção, pois o jogador tinha não apenas que evitar o choque com as pessoas e objetos, mas também atender ao contato do parceiro. Assim, o caminhar em dupla costas com costas exigia o foco no movimento do outro, com o sentido de não perder o contato dorsal.

Nessas atividades, o aluno tinha que estar aberto ao que o outro estava fazendo, aos limites e desejos do parceiro, percebendo tanto as impressões do seu próprio corpo, como as do corpo que era externo a ele. A articulação entre o espaço próprio da pessoa e o espaço alheio era altamente significativa, para pesso- as que não percebiam de forma visual a aproximação e o afastamento entre elas.

Descobrir e orientar o espaço alheio desembocava em formas diferentes de contato que iriam também enriquecer a cena posteriormente. As diferentes pro- postas geralmente partiam da realização de movimentos com as duas mãos dadas, tipo baixar, levantar, rodar, puxar, empurrar, pular, dançar ou de manipular as arti- culações do corpo do colega (cabeça, tronco, membros, boca). A sincronização rítmica que se estabelecia a partir de exercícios como andar costas com costas, ou caminhando apoiado nos pés do colega, como nos exercícios anteriores, foi ensi- nada/compreendida por meio do contato direto, uma vez que o professor não podia ser um “espelho” para os demais.

Dando prosseguimento, após os exercícios em dupla, realizava-se, com fre- quência, exercícios ou jogos corporais que mobilizavam o grupo como um todo, ou então que envolviam elementos estéticos de maneira mais acentuada. Por exemplo, em círculo, de mãos dadas, todos ao mesmo tempo se movimentavam lentamente buscando o entrelaçamento e depois o desamarrar dos corpos. Esse jogo exigia o contato corporal e a ajuda de todos na solução do problema de desamarrar sem soltar as mãos, o que contribuía para a integração da turma.

Outros exercícios e jogos, como “mais pesado quando cheio”, “cabo de guerra”, “ordem geral”, “hipnotismo”, dançar em dupla ou em grupo, andar em câmara lenta ou mudando a forma de caminhar, incluem atividades que traba- lham de maneira mais intensa com elementos estéticos, tais como: espaço, gesto, ritmo, peso, som, fala. (SPOLIN, 1979)

Para o aluno que não é solicitado no dia a dia para essas atividades, a con- tribuição para a expressão e comunicação teatral é bastante significativa, pois com esses exercícios e jogos, pequenas unidades de improvisação teatral eram realizadas.