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Enredo criado a partir de tema preestabelecido

A proposta inicial sugerida, após os jogos de aquecimento físico21 foi de que

falassem um pouco sobre a instituição família. Em geral saíam frases de efeito, enaltecendo a família, e piadinhas, desconstruindo o que o colega estava dizendo. Em seguida, os alunos, divididos em grupo de quatro pessoas, deveriam combinar rapidamente uma cena do cotidiano de uma família, com início, meio e fim.

O foco recaía, portanto, na estrutura dramática do enredo – no problema apresentado, na sequência de acontecimentos e na solução do problema estabe- lecido. Eles deveriam combinar o ambiente, o personagem que iriam representar e os acontecimentos.

O relato a seguir mostra como eles tinham consciência em relação à estru- tura dramática rigorosa. Os títulos das cenas foram dados por eles.

Grupo 1: Mariana, Ronaldo, Tuca e Júlia. Tema: “A menina desinteressada pelos estudos”.

Cena 1: Um casal resolveu adotar um filho; rapidamente o homem saiu para trabalhar e a mulher foi procurar uma menina para adotar, caminhando pelo espa- ço da sala. As outras pessoas do grupo estavam espalhadas no espaço cênico.

20 Vide Rosenfeld (1985).

21 O aquecimento envolveu a brincadeira do “feitiço virou” e o reconhecimento das pessoas pelo

Cena 2: A mulher procurou a menina, circulando a sala e aproximando-se das pessoas da plateia (a aluna tinha baixa visão):

Gostaria de ser adotada?

Primeira menina: Não, eu gosto muito da minha família. Segunda menina: Sim, minha família não é muito legal.

Cena 3: A filha legítima aparece em casa chorando desesperada porque não queria estudar, odiava estudar.

Cena 4: Chegou a mãe juntamente com a filha adotiva e o pai, dizendo que a filha legítima estava aos prantos.

Cena 5: A filha adotiva conversou com a irmã que a principio disse que preferia ficar pelas ruas a ter que estudar. De repente ela mudou de atitude, dizen- do que ia ser “estudiosa e feliz”.

O segundo grupo apresentou a seguinte situação: Grupo 2: Denilson, Ludimila, Dermeval e Solange.

Tema: “Pai que não tem poder sobre os filhos ou Revolta em família”

Cena 1: Mãe tentou acordar o filho (que estava com muito sono) para ir para a escola; Pai acordou e tentou a mesma coisa - O rapaz disse resmungando que a farda estava rasgada.

Cena 2: Mãe saiu e pediu para filha arrumar tudo em casa, mas esta disse, grosseiramente, que não queria arrumar nada. O pai se revoltou com a filha por- que esta não queria fazer as coisas em casa.

Cena 3: Filho voltou dizendo que não teve aula.

Após as apresentações foi sugerido que os grupos que apreciaram o exercí- cio comentassem primeiramente a cena, e só depois os grupos que apresentaram se manifestariam, colocando as suas intenções.

De maneira geral, os alunos criticavam a lógica das cenas, a desorganiza- ção, sobretudo das falas e da ausência de finalização. Na avaliação do primeiro

grupo, por exemplo, argumentaram que a dramatização teve início com a coloca- ção do problema da adoção e somente na terceira cena aparece o problema principal, da filha desinteressada pelos estudos.

Foi colocado também que a mudança da filha legítima foi muito repentina e não contou explicitamente com o apoio da irmã adotiva – a falta de atitude da aluna que representava a irmã adotiva parece ter determinado uma precipitação por parte da colega que representava a irmã legítima, no sentido da finalização do trabalho.

A proposta da plateia, portanto, era que a presença da filha adotiva fosse o pivô para a mudança de comportamento da filha legítima em relação aos estudos. Este exemplo mostra a consciência que possuíam em relação à estrutura dramáti- ca tradicional, na busca de uma lógica plausível para as situações. Ou melhor, o entendimento que os alunos já tinham do teatro relacionado com a estrutura dramática.

Na sessão seguinte, foi sugerido que realizassem a mesma cena com inver- são de características dos personagens (bruto-dócil, feliz-infeliz, alegre-triste, opri- mido-opressor, calmo-agressivo), considerando que revissem o enredo, uso de gestos, conflito da história e assim sucedeu-se o o desdobramento das duas cenas, citadas como exemplo.

Grupo 1: Mariana, Ronaldo, Tuca, Júlia e Rafael. Tema: “Mãe que engravida e perde a criança”.

Cena 1: Mãe pede aos filhos para dormirem, o que eles fazem com roncos exagerados. Ela conversa com o pai e depois pede a ele para acordar os filhos.

Cena 2: Filhos tomam banho e “Cíntia” (Júlia) não acorda. O caos se instaura na hora do café (falam ao mesmo tempo).

Cena 3: Dois saem de carro. Uma das filhas volta da escola dizendo que tirou nota dez na prova. O pai age friamente (contrário da postura ante- riormente) dizendo que aquilo nada significava e ela deveria ficar em casa e ajudar sua irmã.

Mãe (com ânsia de vômito): Será que você não ta enxergando? (enjoan- do cada vez mais).

Filha (denunciando o problema): Magna ta grávida.

Pai: De quem? (a plateia ri muito, mas o grupo depois se perde; não con- tinua explorando a questão de quem é o filho).

Cena 5: Pai e filha conversaram sobre a situação. Chamaram o médico, pois a mãe já estava perdendo o filho. Enquanto o pai pedia ao filho para telefonar, ouviu-se a sirene da ambulância.

Cena 6: O médico examinou e disse que “ela perdeu a criança, mas está tudo normal”. A família finalmente resolveu viajar para o Caribe para es- quecer os acontecimentos.

Avaliação:

Professor: Conseguiram personagens opostos?

Alunos: Sim, eles apresentaram cenas mais de reconciliação que de revolta. O pai era muito frio, o contrário do que era antes.

Professor: Houve finalização?

Alunos: Houve. Eles foram pro Caribe pra relaxar.

Professor: Dá para imaginar os gestos que foram realizados?

Alunos: Eles estavam deitados dormindo, depois acordaram, tomaram banho, almoçaram.

Professor: O que mais vocês perceberam?

Alunos: Rafa fazia uma voz engraçada... (Rafa era novo no Instituto e estava estreando no grupo de teatro, as mudanças de voz que conseguia fazendo o médico eram muito interessantes, lembrava os recursos que alguns atores utilizam no distanciamento brechtiano. Na finalização, en- tretanto, o médico ficava em cena perdido, rindo como se fosse uma

pessoa da plateia, na verdade se sentindo fora de cena, alheio à existên- cia da plateia).

Os personagens mudam de características, mas a situação concebida foi completamente diferente (uma nova situação). Apesar da modificação no enre- do, o grupo solucionou o problema da inversão de característica, porém neces- sitava de maior concentração e, ao mesmo tempo, de espontaneidade de atuação. O segundo grupo conseguiu a realização de cenas paralelas e uma estrutu- ra mais organizada, como podemos ver a seguir.

Grupo 2: Denilson, Ludimila, Dermeval e Solange Tema: Reconciliação em família.

Cena 1: Pai e mãe conversavam na cama. Depois acordaram os filhos, que bastante dóceis, faziam tudo na boa.

Cena 2: Surgiu um personagem virtual (imaginário), uma empregada, que levava a culpa de tudo (A atriz representava a empregada fechando o nariz para mudar a voz).

Cena 3: O filho em outro ambiente, disse para a irmã que os pais estavam grosseiros porque a mãe estava na menopausa.

Cena 4: Eles voltaram para casa e todos almoçaram (obs: apenas Dermeval faz o gesto de comer).

Cena 5: Duas cenas paralelas se organizaram: Pai e filho (Dermeval, o pai, ficou lendo jornal enquanto falava); e mãe e filha.

Cena 6: Todos foram ao shopping: entraram no carro, o pai dirigiu (apare- ceu inclusive o som do carro, mas o gestual era diferente). Numa mesa fizeram as pazes.

O grupo conseguiu tornar a cena mais interessante ainda, pois lembrava as reações anteriores. Sugerimos marcar mais o final mediante uma ação conjunta, tipo um abraço coletivo.