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Comunicação interpessoal

Na literatura especializada que trata a temática abordada neste capítulo muitos autores, a exemplo de Ramiro (1997), referem-se à pobreza gestual das pessoas cegas. Na comunicação interpessoal, estes sujeitos ficam privados de im- portantes pistas sociais fornecidas pelo contato visual, pela expressão facial, gestos e movimentos e, consequentemente, usa expressões faciais e gestos com menos frequência e com menos propriedade. A impossibilidade de observar e imitar nuanças de gestos convencionais no diálogo resulta numa comunicação sem uso de gestos complementares da mensagem verbal, o que causa estranheza, sobretu- do quando pensamos na atuação teatral.

Ortega (1994) mostra que os elementos que a criança utiliza para a comuni- cação inicial com os pais são mais gestuais que linguísticos, e a comunicação tem uma função mais afetiva e pragmática. Com a continuidade dos gestos é que as palavras começam a fazer sentido, ampliando as possibilidades de comunicação e ajudando a criança cega a transpor os limites da dificuldade do diálogo gestual.

Para que a comunicação se inicie é necessário um esforço da mãe, ou da figura de apego, no sentido de se fazer entender e de interpretar os sinais corporais de seu filho, compreender o que a criança procura comunicar com seus sons e gestos e interagir com ela efetivamente. Mesmo que o movimento não tenha uma intenção comunicativa a mãe deve procurar convertê-los em significativos, com o sentido de desenvolver um repertório de gestos, o que permitirá à criança partici- par de um autêntico diálogo.

Fraiberg (1982 apud ORTEGA, 1994), ao estudar o efeito da cegueira sobre a aquisição da linguagem, observou a existência de um vocabulário visual de sig- nos e sinais na relação entre a criança e a mãe. O olhar é a primeira forma de contato e comunicação. Na ausência dessa “linguagem ocular”, a mãe não pode interpretar, por meio de respostas visuais, a discriminação, o reconhecimento, a preferência e a valoração da criança. Essa ausência pode produzir, inclusive, signos negativos. Por exemplo, a criança tende a girar a cabeça quando ouve a voz das pessoas, colocando a orelha na direção da fonte sonora, o que aparentemen- te é um signo de repulsa e termina dificultando a comunicação ou atrapalhando a adaptação social.

O sorriso provocado pela voz da mãe é outro signo dessa comunicação. A criança cega não possui os signos faciais expressivos que assinalam a forma de olhar zangado, aborrecido, alegre, interessado, etc. Mas os signos faciais não estão completamente ausentes, eles surgem espontaneamente e podem ser provocados por estímulos externos.

Como observa Telford (1978), aparentemente, na criança cega, se dá uma ausência de signos faciais. Porém, a criança cega sadia, devidamente estimulada, manifesta seus estados afetivos por meio da expressão motora. O estímulo tátil ou cinestésico (cócegas, por exemplo) produz sorriso. A criança geralmente não toma a iniciativa de sorrir para provocar algo, pois esse tipo de sorriso necessita da mediação de signos visuais e se vê confirmado por gesticulações de caráter visual, mas ela responde com um sorriso a uma voz conhecida.

Segundo um código universal de gestos convencionais característico dos videntes, a criança cega não é capaz de se comunicar, mas o vocabulário auditivo- tátil e o amor com que conta a criança cega lhes servem para criar vínculos huma- nos, pois a visão não é indispensável para a formação de laços afetivos. (ORTEGA, 1994) Além do mais, embora seja sem sentido a utilização de gestos convencionais complementares da mensagem verbal, a linguagem das mãos explorando os obje- tos constitui o signo do desejo, da discriminação, da preferência, da maneira de ser e de agir da pessoa cega.

Da mesma forma que o desenvolvimento linguístico, a relação com as pes- soas e com o mundo exterior é o que vai estimular ou frear o desenvolvimento gestual da criança cega. A comunicação gestual é mais explorada inicialmente, porém, uma vez aprendida a linguagem, essa comunicação gestual deixa de ser estimulada e a pessoa passa a ser entendida como um “corpo-voz”, apenas.

Os campos físicos da comunicação – os sorrisos, os gestos das mãos, do rosto e do corpo como um todo – vão cada vez mais sendo substituídos pela fala articulada. Dessa maneira, em face da ausência de estimulação, a deficiência visu- al termina por interferir na quantidade de experiências que a criança vem a ter, influenciando nos aspectos cognitivos necessários para a aquisição da linguagem: imitação, jogo simbólico e representação.

A questão da imitação e do jogo na criança com deficiência visual tem chamado a atenção de diversos estudiosos, devido às condições perceptuais e aos problemas de relacionamento. Ochaita e Rosa (1995) acreditam que a imita- ção como mecanismo fundamental da formação de significantes, na ausência da visão, é pobre, encontrando-se pouco evoluída. Além do mais, segundo os auto- res, a criança tem dificuldade para imitar ações da vida diária que constituem o argumento dos jogos, encontrando-se atrasadas nas etapas de desenvolvimento do jogo simbólico.

A ausência da imitação de movimentos, gestos, expressões faciais, retroinformação pode dificultar o relacionamento do cego com o ambiente físico e social. Como ressalta Ramiro (1997), a criança privada da possibilidade de imitar não adquire padrões de comportamento social, como postura, mímica facial, ges- tos expressivos, o que pode provocar reações nos outros – curiosidade, tratamen- to impessoal –, dificultando o relacionamento e aumentando a insegurança dessa criança.

Isso não significa, de forma alguma, incapacidade para brincar. Apesar de estar privada de modelos visuais para imitar, a criança cega possui modelos auditi- vos e táteis cinestésicos e gosta de brincar como qualquer outra. A ausência da visão, por si só, não acarreta déficit intelectual ou motor que impeça a sua partici- pação em jogos.

Ortega (1994) traz o exemplo de uma criança cega congênita de quatro anos que consegue brincar com suas bonecas representando a si mesmo como mãe destas. A criança é capaz de jogar com um companheiro imaginário, e joga com a linguagem. Tivemos a oportunidade de observar crianças com deficiência visual em uma sala de recursos de uma escola pública de São Paulo e verificamos que elas gostam de interagir verbalmente, dramatizando histórias conjuntamente.

A visão fornece o estímulo natural para que a criança alcance os objetos e brinquedos, enquanto a criança cega necessita de objetos sonoros, de textura ou de cheiro estimulante. Ramiro (1997) discute a não existência de brinquedos e brincadeiras especiais para a criança cega e aponta para a necessidade de conhecê- la melhor.

No campo do jogo, enquanto brincadeira, o autor sugere ainda que ao selecionar brinquedos para crianças com deficiência visual, sejam privilegiados aqueles que possibilitem uma experiência sensorial completa. Ou seja, brinquedos que fomentem a experiência tátil, auditiva e cinestésica, mediante o fato do aluno com deficiência visual rejeitar os brinquedos rígidos, frágeis, ásperos e peludos, preferindo os macios, sedosos, sonoros, possíveis de serem explorados integral- mente pelos sentidos que possuem.

Já a perspectiva de Telford (1978) propõe atividades como gangorra, nata- ção, dança, luta, esportes, além das atividades da vida diária e do treino específico de locomoção. Por meio do jogo e das atividades teatrais de caráter lúdico, o indivíduo pode perceber a diferença de ritmo, de força, de peso, de fluência, de flexibilidade e de rigidez; sentir a respiração do outro, os sons do corpo, os cheiros, as batidas do coração, o silêncio; verificar as texturas dos corpos e dos objetos, as posturas, as atitudes, os movimentos, as ações, os gestos; como também as atitu- des, as idéias, os impulsos, as emoções, fantasias e desejos do outro. E tudo isso com prazer, pois o ser humano gosta de brincar, independente do aprendizado que isso represente.

Não encontramos na literatura nenhuma referência ao jogo teatral. Acen- tuamos, entretanto, o significado da educação mediante o jogo, incluindo aqui o jogo teatral, para que o aluno com deficiência visual não seja entendido, reiteran- do o que diz Masini (1994), como um corpo sem interioridade, como acontece em muitos programas educacionais.

Privada do incentivo visual que a estimularia a engatinhar para alcançar brinquedos e outros objetos, a criança cega depende de fontes auditivas, princi- palmente verbais para que sua locomoção seja motivada, pois não pode ver as outras crianças avançando para alcançar brinquedos e outros objetos. A mobilidade restrita causada pela limitação na percepção de objetos distantes e a falta de moti- vação em função disso exige, portanto, apoio externo para que o contato, o som ou o cheiro aconteça e desperte a sua curiosidade.