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3 TÓPICO E FOCO

3.1.2 Aquisição de tópico

De Cat (2003) apresenta dados que revelam que as crianças já nos primeiros estágios da aquisição da linguagem têm a competência necessária para codificar tópicos. Ela mostra evidências por meio da produção espontânea de crianças adquirindo o francês falado. Segundo a autora, no francês falado, a associação entre elementos deslocados e a interpretação de tópico é extremamente robusta. Os tópicos são obrigatoriamente deslocados e os elementos deslocados são obrigatoriamente interpretados como tópicos.

Nos dados das crianças, os elementos deslocados foram identificados com base nos seguintes aspectos: a presença de elementos resumptivos, a prosódia e a aparente interrupção da ordem canônica dos constituintes. De acordo com De Cat, a primeira observação dos dados indicou que os elementos deslocados pelas crianças são sempre compatíveis com a interpretação de tópico, mesmo quando a produção não está completamente de acordo com o modelo adulto. Esses elementos expressando tópico apareceram no início da combinação de palavras das crianças. O uso de deslocamentos à direita e à esquerda não apenas se parece com o modelo adulto, como também está em conformidade com seus requisitos: a produção das crianças sugere que elas apenas deslocam elementos indefinidos quando uma interpretação de tópico é permitida e que elas cumprem a exigência de que sujeitos pesados de ILPs (Individual Level Predicates)

são deslocados, exceto quando estão em foco. Esses aspectos demonstram que as crianças são capazes de identificar e codificar tópicos como no modelo adulto.

Quanto à língua de sinais, Pichler (2001), conforme mencionado brevemente no capítulo 2, apresenta os dados de uma criança surda que apontam para um uso precoce de topicalização na ASL. A criança em questão (ABY) apresenta uma produção maior de sentenças VO do que as demais crianças analisadas. Seu uso de reordenação morfológica, que gera a elevação do objeto, é pequeno, e sua produção na ordem OV deve ser licenciada por outros fatores e não como resultado de reordenação morfológica.

Estudos anteriores, como Reilly et al (1990), apontam para o uso de topicalização na criança somente a partir dos três anos de idade, quando aparece a marca não-manual típica associada ao tópico. Na produção de ABY, essa marca não aparece; entretanto é possível perceber uma pausa entre o objeto e o resto da sentença. Ao considerar o fato de que a topicalização implica em uma pausa entre o elemento topicalizado e o resto da sentença, Pichler analisa algumas instâncias da produção de ABY como construções de tópico. Apesar de o padrão prosódico de ABY não ser exatamente o mesmo do adulto, percebe-se que ela está marcando a topicalização de forma consistente por meio da prosódia.

Isso pode ser confirmado pelo fato de ABY apresentar a marca prosódica de pausa somente nas ocorrências OV. No entanto, mesmo que a pausa indique o uso produtivo de sentenças com tópico na linguagem de ABY, cobre apenas 41% das sentenças OV. Isto quer dizer que as demais sentenças devem ter sido motivadas por outras questões. Das 38 construções OV produzidas por ela, 21 aconteceram com o verbo WANT. Há uma associação dessas construções com WANT com as interrogativas s/n e talvez esse fato esteja licenciando a elevação do objeto.

Com base nesses dados, Pichler tenta explicar parte das produções de ABY como topicalização que acontece por volta dos 24 meses de idade. Com esse resultado, a aparição de construções com tópico dá-se quase um ano antes do que foi reportado por Reilly et al. (1990). Essa diferença dá-se em função de considerar a pausa entre o objeto e o verbo como indício de topicalização, apesar da ausência da marcação não-manual.

O conhecimento necessário para que o adulto produza sentenças com tópicos na ASL envolve três aspectos: (a) as estruturas de topicalização, (b) as marcas não-manuais associadas com os tópicos e (c) os contextos discursivos em que se aplicam. Segundo Pichler, ABY parece conhecer (a), mas não (b) e (c). Além disso, ABY utiliza com freqüência referentes desconhecidos de seu interlocutor como se fossem informações conhecidas, afetando as condições discursivas para a produção de tópicos. Essas questões, entre outras, ainda precisam ser mais investigadas na produção da criança adquirindo uma língua de sinais.

3.2 FOCO

As sentenças também podem ser estruturadas a partir da bipartição foco- pressuposição. O foco é o elemento da sentença que contém a informação não pressuposta e a pressuposição apresenta os constituintes que são conhecidos dos interlocutores de um determinado contexto discursivo, ou seja, a informação partilhada. Em um contexto neutro, não é possível identificar o foco e a pressuposição de uma sentença. Zubizarreta (1998) se utiliza de uma pergunta Wh para determinar como a sentença se divide em foco e pressuposição, no caso de foco não-contrastivo. Assim, o foco é o elemento que substitui na sentença-resposta o elemento Wh da pergunta- contexto, conforme exemplos em (26).

(26) a. Quem comeu a torta? [F O JOÃO] comeua torta.7

b. O que o João comeu? O João comeu [F A TORTA].

c. O que o João fez com a torta? O João [F COMEU] a torta.

d. O que aconteceu? [F O JOÃO COMEU A TORTA].

De acordo com os exemplos acima, observa-se que a pergunta-contexto em (26a) focaliza o sujeito, em (26b) o foco é no objeto e em (26c), no verbo. No caso de (26d), toda a sentença é focalizada, caracterizando foco neutro. Além de a pergunta- contexto determinar o foco da sentença, pois ela solicita que o ouvinte forneça uma informação que o falante desconhece, ela pode também identificar a pressuposição. Para tal, basta substituir o elemento Wh da pergunta por um indefinido. Como a resposta de uma pergunta Wh tem a mesma pressuposição da pergunta, o foco na afirmação será identificado pela parte que substitui o elemento Wh no contexto da pergunta, ou seja, o indefinido. O resto é a pressuposição, conforme os exemplos em (27) referentes às respostas de (26a) e (26b) respectivamente.

(27) a. Alguém comeu a torta. b. O João comeu alguma coisa.

Zubizarreta (1998) sugere que, assim como a articulação tópico-comentário, a estrutura foco-pressuposição de uma sentença também pode ser representada por duas asserções ordenadas que formam a Estrutura de Asserção (AS). A primeira asserção (A1) contém a pressuposição fornecida pela pergunta-contexto. A segunda asserção (A2)

contém o elemento focalizado e é chamada de asserção principal. Retomando as

7 Está sendo utilizada a letra F subscrita para indicar o foco nas sentenças, que está identificado dentro de

sentenças em (26), as duas asserções ordenadas para cada exemplo seriam como em (28), respectivamente:

(28) a. A1: Existe um x tal que x comeu a torta.

A2: O x tal que x comeu a torta = [F O JOÃO].

b. A1: Existe um x tal que o João comeu x.

A2: O x tal que o João comeu x = [F A TORTA].

c. A1: Existe um x tal que João fez x com a torta.

A2: O x tal que João fez x com a torta = [F COMEU]

d. A1: Existe um x tal que x aconteceu.

A2: O x tal que x aconteceu =[F O JOÃO COMEU A TORTA].

Em (28), a asserção A1 expressa o pressuposto presente nas sentenças (26)a, b, c

e d. A asserção A2, que é tida como a asserção principal, é uma sentença equativa e

contém a expressão definida (o x e os predicados O JOÃO em (26a), A TORTA em (26b), COMEU em (26c)) e correspondem ao elemento focalizado. Na ASs em (28d), o foco é uma proposição que consiste em um predicado e seus dois argumentos. Até aqui foram mostrados exemplos de contextos de foco não-contrastivo, ou seja, o foco entendido somente como a informação que a pergunta solicita, sem estabelecer contraste.

Entretanto, Zubizarreta apresenta também a AS para o foco contrastivo8. O contexto para esse tipo de foco é fornecido por uma afirmação prévia. Ele também estabelece um valor para uma variável, mas de forma diferente do foco não-contrastivo, pois tem dois efeitos. Por um lado, nega o valor atribuído à variável na AS da sua

8 Para diferenciá-lo do foco não-contrastivo, o foco contrastivo será representado por letras maiúsculas e

afirmação prévia, mas por outro lado, atribui um valor alternativo para tal variável. Em (29a) é apresentada a afirmação prévia para (29b):

(29) a. O João está vestindo uma camiseta azul.

b. O João está vestindo uma camiseta VERMELHA (não uma azul).

Em (29b) o falante nega o valor atribuído para a variável (azul) e introduz um novo valor para a mesma (VERMELHA), que é o foco da sentença. A interpretação do foco contrastivo é representada como na AS abaixo:

(30) A1: Existe um x tal que João está vestindo x

A2: Não é o caso que o x (tal que João está vestindo x) = uma camiseta azul & o

x (tal que João está vestindo x) = uma camiseta VERMELHA.

Em (30), assim como em (28), a asserção A1 é formada pela pressuposição

existencial. A asserção A2 é constituída por duas asserções. Na primeira é negado o

valor atribuído anteriormente para a variável x (uma camiseta azul) e na segunda é introduzido um novo valor para essa variável (uma camiseta VERMELHA). Assim, apesar de os dois tipos de foco terem semelhanças, já que ambos introduzem um valor a uma variável, o foco contrastivo apresenta uma diferença importante: ele faz uma declaração sobre a verdade ou a correção da asserção introduzida pelo seu contexto (sua afirmação prévia).

Nesse quesito, o foco contrastivo assemelha-se à ênfase, já que esta pode negar a asserção introduzida pela sua afirmação prévia (31). A ênfase pode também afirmar

uma informação previamente dada (32). Os exemplos em (31) e (32) foram retirados de Zubizarreta (1998):

(31) a. Someone lied to you. (contexto)

b. NOBODY lied to me. (resposta)

c. ‘there is no x, such that x lied to me’ (asserção)

(32) a. I think Mary lied to you. (contexto)

b. You are right; Mary DID lie to me. (resposta) c. ‘there is an x, such that x (=Mary lied to me) happened’ (asserção)

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