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3 TÓPICO E FOCO

3.3 TÓPICO VERSUS FOCO

O tópico é o elemento compartilhado, conhecido pelos membros do discurso, enquanto o foco é o constituinte que veicula a informação não pressuposta. O primeiro é destacado na sentença por uma pausa, já o segundo é destacado por meio de uma determinada acentuação. Apesar de serem interpretados de forma distinta, esses dois elementos podem se estruturar de maneira semelhante quando estão na periferia esquerda da sentença.

Rizzi (1997) apresenta cinco propriedades sintáticas que diferenciam tópico de foco. A primeira delas é quanto à retomada por um pronome resumptivo. O tópico pode ser retomado por um pronome no comentário (46c), já o foco não tem essa possibilidade, deixando a sentença agramatical, conforme exemplos em (46a,b)15:

(46) a. O JOÃO t comeu a torta. b. *O JOÃO ele comeu a torta. c. O João, ele comeu a torta.

A segunda propriedade que difere tópico de foco é quanto aos efeitos do cruzamento fraco (WCO - Weak Cross-Over). O tópico não sofre os efeitos de WCO, enquanto o foco reage aos mesmos.

(47) a. *O JOÃOi a mãe delei ama ti (não a Maria).

b. O Joãoi, a mãe delei ama elei.

Em (47a) observa-se que o foco O JOÃO não pode estar co-indexado com o pronome dele e nem com t, tornando a sentença agramatical. A variável ti deveria estar

vinculada diretamente ao foco, sem a interrupção do pronome. Já (47b) é bem formada, pois o tópico está co-indexado com os pronomes dele e ele, indicando que ele não reage aos efeitos de WCO.

A terceira diferença refere-se aos elementos quantificacionais nus (Bare Quantificational Elements). Os quantificadores nus não podem ser topicalizados (48b), mas podem aparecer na posição de foco (48a).

15 O foco das sentenças a partir de (46) está em letras maiúsculas para destacá-lo na sentença, enquanto o

(48) a. NINGUÉMi a Maria convidou ti para a festa.

b. *Ninguémi, a Maria convidou cvi para a festa.

Outra diferença indicada por Rizzi é a unicidade do foco. Uma sentença pode ter mais de um tópico (49), mas apenas um foco é aceito, ou seja, só existe uma posição estrutural para a focalização, como ilustra a agramaticalidade de (50).

(49) O livro, para o João, ontem, Maria entregou a ele.

(50) *PARA O JOÃO MARIA entregou o livro.

A explicação para tal restrição está no fato de a categoria FocP possuir apenas uma posição para acomodar o elemento focalizado, isto é, o especificador de FocP. Se uma sentença apresentar mais de um foco, como (50), é necessário incluir mais uma categoria FocP na estrutura, para que o outro foco ocupe o especificador desse segundo FocP, gerando a representação em (51)16:

(51)

16

A estrutura representada em (51) foi retirada de Rizzi (1997: 297)

FocP

XP Foc’

Foc1 YP=Foc2

ZP Foc’

Entretanto, isso não é possível visto que o complemento de FocP conteria uma informação nova (FocP2), o que é incompatível com a noção de pressuposição que deve conter apenas informação previamente dada no discurso. O mesmo não acontece com o tópico. Ele não precisa ser único na sentença, como mostra (49), pois o comentário pode ter informação já partilhada no discurso ou informação não pressuposta.

Por último, a quinta diferença entre tópico e foco é a compatibilidade com perguntas Wh. Um operador Wh é compatível com o tópico (52), em uma ordem fixa (Top Wh), enquanto é incompatível com o foco (53), independente da ordem em que aparece.

(52) O João, que livro ele comprou?

(53) *O JOÃO que livro comprou? (não a Maria)

A agramaticalidade de (53) é facilmente explicada levando em consideração a proposta de Zubizarreta (1998). Segundo a autora, o foco de uma sentença corresponde à resposta de uma pergunta Wh. Dessa forma, tanto o foco da resposta quanto o elemento Wh da pergunta estariam competindo pela mesma posição, ou seja, o especificador de FocP. Como não é possível projetar mais de uma vez a categoria FocP em uma sentença, a incompatibilidade entre o foco e o elemento Wh é verificada.

De acordo com Rizzi (1997), as três primeiras propriedades que diferem tópico de foco estão relacionadas ao fato de o foco, mas não o tópico, ser de natureza quantificacional. O autor segue a afirmação de Lasnik e Stowell (1991) de que WCO é uma característica distintiva de relações A’ envolvendo quantificação genuína. Assim, há dois tipos de relações A’: aquelas que envolvem quantificação que liga uma variável a um quantificador e as que envolvem ligações A’ não-quantificacionais. Nesta última,

o constituinte não-quantificacional vincula uma categoria vazia que não é uma variável, e é chamada de constante nula (nc – null constant).

Assim, uma sentença como (47a), em que o foco sofre os efeitos de WCO, mostra que a mesma envolve uma relação A’ quantificacional entre o constituinte focalizado e a categoria vazia. Já (47b) não sofre os efeitos de WCO, indicando que a co-indexação entre o tópico e o pronome envolve uma relação A’ não-quantificacional.

Em relação aos quantificadores nus, Rizzi afirma que eles não podem ser topicalizados porque são operadores inerentes e devem vincular uma variável em posição A. Como a relação entre o tópico e a categoria vazia não é de natureza quantificacional, não há variável no comentário para ser vinculada pelo operador. Por sua vez, não há restrição sobre a focalização de um quantificador nu, já que o foco é quantificacional.

Para finalizar, o fato de o foco não poder ser retomado por um pronome resumptivo (ele deve ser retomado por uma categoria vazia (cv)) também está relacionado à sua natureza quantificacional. O motivo disso é que o resumptivo é [+pronominal] não podendo ser identificado como uma variável que é [-pronominal]. O foco só pode vincular uma variável que é [-pronominal] em posição-A. Assim, em (46b), O JOÃO é um constituinte quantificacional e não há uma variável para que a vinculação possa ser estabelecida.

Como foi possível perceber ao longo deste capítulo, existem diferenças semânticas e sintáticas que diferem o tópico e o foco. Estes dois constituintes veiculam informações distintas e possuem como características propriedades sintáticas específicas.

4 METODOLOGIA

Os dados analisados são de uma criança surda, filha de pais surdos, que está adquirindo a língua de sinais brasileira como sua primeira língua. Estes dados foram coletados de forma longitudinal pelos pesquisadores do projeto “Tópicos em Aquisição da Sintaxe: estudos interlingüísticos e intermodais”, que tem como responsável a Profa. Dra. Ronice Müller de Quadros. O sujeito analisado é um menino (LÉO), que foi filmado de um ano e oito meses até os quatro anos de idade. O período analisado dos dados do LÉO para esta dissertação foi de 1:8 a 2:5, em virtude dos dados já estarem todos transcritos e revisados.

As filmagens foram realizadas, inicialmente, uma vez por semana com duração média de uma hora. Algumas sessões ocorreram com uma periodicidade maior, com intervalo de quinze dias. LÉO foi filmado em ambientes familiares a ele, como por exemplo, na sua própria casa, na escola, interagindo lingüisticamente com seus pais ou com a pessoa que realizou as filmagens. Esta pessoa é surda, fluente na língua de sinais. Foram realizadas brincadeiras com ele utilizando seus próprios brinquedos e livros, bem como, um conjunto comum de brinquedos e livros a todas as crianças que participam do projeto. O objetivo de incluir estes materiais foi de poder contar com elementos que possam, eventualmente, favorecer o mesmo tipo de produção em diferentes crianças.

Quanto à transcrição, ela “deve ser feita por usuários da língua de sinais, preferencialmente surdos. Caso tenham ouvintes envolvidos na transcrição, pelo menos uma das revisões deve ser realizada por surdos fluentes na língua de sinais. Também há uma preferência pelos falantes nativos da língua” (Quadros e Pizzio, 2005). Nesta pesquisa, a transcrição foi realizada por alunos bolsistas de iniciação científica conhecedores da LSB, sendo que um deles era surdo. A revisão da mesma também foi

feita por um surdo e por uma falante nativa da língua. O protocolo de transcrição de dados utilizado será descrito a seguir.

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