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2 AQUISIÇÃO DA ORDEM DAS PALAVRAS

2.2 NAS LÍNGUAS DE SINAIS

2.2.1 Língua de sinais americana (ASL)

Em Pichler (2001), a autora propõe examinar duas generalizações propostas em estudos anteriores sobre a ordem das palavras em línguas faladas. A primeira generalização diz que os parâmetros da ordem das palavras são ajustados universalmente cedo. Já a segunda propõe que a variação na ordem das palavras em línguas com flexão rica e regular é adquirida antes daquelas com flexão pobre ou irregular. Os dados analisados para tal foram de quatro crianças surdas, filhas de pais surdos, entre vinte e trinta meses de idade aproximadamente, adquirindo a língua de sinais americana como primeira língua.

Segundo a autora, a ordem canônica da ASL é SVO, mas outras ordens também são possíveis e freqüentes na produção do adulto. Elas são derivadas da ordem SVO

através de operações sintáticas (movimentos). Os sujeitos pós-verbais (VS) são bastante limitados na ASL e com exceção dos subject tags, os sujeitos com NPs completos não podem aparecer na posição pós-verbal, conforme exemplo o (5) abaixo:

(5) BABY SLEEP (Pichler, 2001: 16)

*SLEEP BABY The baby is sleeping.

Entretanto, o sujeito na forma de pronome é permitido em posição pós-verbal ou em posição final da sentença e resulta de uma cópia do sujeito (6). Este processo é chamado de cópia do pronome-sujeito e sua função pragmática é de confirmação ou ênfase.

(6) (BABY) SLEEP IX (baby) (Pichler, 2001: 113) ‘(The baby) is sleeping (he is).’

A cópia do sujeito necessariamente deve ser um pronome; NPs completos nesta posição são agramaticais. Pesquisas revelam que essas estruturas são acompanhadas de movimentos de cabeça, indicando confirmação, conforme o exemplo (7):

(7) MOTHER SICK SHE (Pichler, 2001: 17)

‘My mother is sick (she is). ’

Com freqüência, a cópia do pronome-sujeito ocorre juntamente com elementos nulos, resultando numa ordem V(O)S, em que o único elemento declarado é o pronome cópia, como em (8):

(8) Ø EAT (SUSHI) HE (Pichler, 2001: 18)

‘(My husband) eats (sushi) (he does). ’

A outra ordem possível refere-se aos objetos pré-verbais, que normalmente são agramaticais em ASL, conforme o exemplo (9) abaixo:

(9) FORGET NUMBER (Pichler, 2001: 113)

*NUMBER FORGET ‘(She) forgot the number.’

Entretanto, esta ordem pode ser gramatical quando licenciada por topicalização do objeto. Os tópicos em ASL são acompanhados por uma marcação não-manual específica, cujo escopo é mostrado por uma linha, conforme o exemplo (10):

(10) NUMBER, (SHE) FORGET (Pichler, 2001: 114)

‘The number, (she) forgot (it).’

A marca não-manual de tópico pode incluir uma combinação de vários traços não-manuais como: elevação das sobrancelhas, inclinação da cabeça, elevação do queixo, o arregalar dos olhos, inclinação do corpo, entre outros. Desta lista, a elevação

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das sobrancelhas é universalmente considerada como a mais saliente e o único componente obrigatório da marcação não-manual de tópico. Sem a elevação das sobrancelhas, os tópicos são considerados inaceitáveis.

Outra possibilidade de gerar objetos pré-verbais refere-se a condições morfológicas, cujas ocorrências incluem os verbos manuais, os verbos com aspecto e os verbos espaciais. A questão que gira em torno desses verbos é se a ordem OV é obrigatória nestes contextos. Segundo a autora, esta idéia parece convincente, em vista de outros estudos conflitantes quanto à aceitabilidade da ordem SVaspO, que o objeto

pré-verbal obrigatório é uma característica dialetal da ASL. O ponto crucial é que a ordem OV está disponível, independentemente do dialeto. O mesmo serve para os verbos manuais e espaciais. Após conversar com sinalizantes nativos, Pichler verificou que eles aceitam ambas as ordens (VO e OV) para certos verbos, enquanto outros necessitavam especificamente a ordem OV. A autora ainda não encontrou uma explicação para o fato de que a ordem OV é obrigatória em alguns contextos, mas não é em outros. Como esta ordem é normalmente agramatical com verbos simples, a autora acredita que deve haver questões morfológicas que licenciam esta ordem não-canônica. Assim, ela propõe agrupar estes verbos (manuais, aspectuais e espaciais) em uma única categoria, chamada de “reordenação morfológica”. Segue abaixo exemplos destes três tipos de verbos, respectivamente (11a), (11b) e (11c):

(11) a. Verbos manuais: (Pichler, 2001: 115)

SHOES TAKE-OFF

‘(In Japan, before entering a house, people) take off their shoes.’

PAPER TYPEasp

‘(She was) typing (and typing) her paper.’

c. Verbos espaciais: (Pichler, 2001: 115)

MONEY PUT-on-table

‘Just put the money on the table.’

Segundo Pichler, estudos anteriores sobre a ordem das palavras em ASL se restringem basicamente a dois autores: Hoffmeister (1978) e Schick (2001). Esses estudos são aparentemente contraditórios. No primeiro, os achados revelam forte preferência pela ordem canônica SVO na combinação espontânea de sinais dos três sujeitos analisados, enquanto que, no segundo estudo, as crianças surdas de vinte e quatro meses de idade produziram alta variabilidade na ordem das palavras na sua produção espontânea.

Já os dados em Pichler revelam que as crianças surdas usaram a ordem canônica das palavras de forma inconsistente, de forma similar às crianças em Schick (2001). Entretanto, este resultado não indica necessariamente falha no ajuste do parâmetro da ordem das palavras, ao contrário, indica que as crianças estão usando uma ordem gramatical variada das palavras decorrente da ordem canônica.

Para testar esta possibilidade, todos os exemplos de ordem VS e OV realizados pelas crianças foram analisados para identificar evidências de operações de reordenação que licenciam ordens gramaticais VS e OV na produção de ASL em adultos. Os critérios para a identificação das operações de reordenação estão resumidos no quadro 2.1:

Operação de reordenação Característica Identificada

Cópia do pronome-sujeito O sujeito pós-verbal é um pronome.

OV aspectual O verbo é repetido com movimentos grandes ou produzido com grande duração.

OV espacial O verbo é direcionado para um lugar específico com fixação do olhar ou diretamente articulado sobre o objeto.

OV manual O verbo é sinalizado com um classificador manual. Topicalização de objeto O primeiro objeto é marcado com a elevação das

sobrancelhas.

Quadro 2.1: critérios para identificação das operações de reordenação

Em relação às combinações de sujeito e verbo, todas as quatro crianças preferiram sujeitos pronominais a NPs completos em posição pós-verbal, de acordo com o processo de cópia de pronome-sujeito. Um exemplo dado é o (12):

(12) I SEARCHasp I (Pichler, 2001: 116)

‘I’m looking and looking (for my shoes).’

Quando consideradas juntas, as ordens SV e VS gramaticais em todas as sessões superam a porcentagem de 95% em cada criança. Estes dados indicam que o conhecimento da ordem sujeito-verbo torna-se igual ao padrão adulto cedo, normalmente antes dos vinte e dois meses de idade.

Quanto à ordem OV gramatical devido à reordenação morfológica, ela foi também identificada nos dados das quatro crianças, conforme exemplos (13a) e (13b):

(13) a. YELLOW THROW-into the corner (Pichler, 2001: 117) ‘I threw the yellow one (ball) into the corner.’

b. CAT SEARCHasp (Pichler, 2001: 117)

‘I’m looking and looking for the cat.’

Em geral, verbos espaciais e manuais foram mais comuns do que os verbos aspectuais e ocorreram em ambas VO e OV ordens. Esta variação está de acordo com o padrão gramatical adulto, que permite flexibilidade na ordem das palavras com vários verbos espaciais e manuais. Entretanto, a ordem OV para verbos com aspecto é obrigatória para alguns sinalizantes e opcional para outros. Esta diferença parece ser dialetal, e uma das crianças mostrou que está ciente desta restrição em seu dialeto.

Em algumas sentenças, as crianças produziram erros de supergeneralização, marcando morfologia espacial e manual em verbos que normalmente não as aceitam. Embora as crianças tenham cometido erros na sua avaliação quanto aos verbos que suportam reordenação morfológica, estes erros constituem evidências de que elas reconhecem a relação entre a reordenação morfológica e a flexibilidade na ordem das palavras.

No geral, foi verificado que a variação na ordem das palavras observada na produção inicial das crianças não é casual e reflete a variação permitida na língua adulta.

Um achado importante refere-se à topicalização. Uma das crianças fez pouco uso de reordenação morfológica e sua produção na ordem OV aponta para o uso precoce da topicalização. Um exame das combinações OV desta criança, que não estavam justificadas pela reordenação morfológica, revelou que aproximadamente metade delas tinha como característica uma pausa prosódica entre o objeto e o verbo, sugerindo topicalização, apesar de não apresentar a marcação não-manual obrigatória na ASL, no padrão adulto. Segundo Pichler (2001), na língua de sinais israelense (ISL) estas pausas

prosódicas são as marcas utilizadas para identificar tópico, e a autora propõe, então, que aquelas encontradas na produção da criança em questão possuem a mesma função na ASL inicial. Apesar da tendência da literatura em ASL focar na obrigatoriedade da marca não-manual para estruturas com tópico, as pausas prosódicas podem ser consideradas essencialmente como uma marca de tópico na ASL, assim como na ISL. Desta forma a autora propõe que a criança analisou de forma errônea a pausa prosódica como a marca de tópico relevante na ASL, supondo que qualquer tipo de pausa prosódica é suficiente para marcar tópico assim como no caso da ISL. Esta análise coloca a aquisição do movimento de topicalização antes dos vinte e quatro meses de idade (isto significa identificar a realização de tópico quase um ano antes do que foi reportado por Reilly et. al. (1990)), embora outros aspectos da topicalização em ASL ainda não tenham sido dominados (isto é, marcação não-manual do padrão adulto).

Os dados até aqui mencionados revelam que as crianças analisadas adquiriram a reordenação morfológica juntamente com a ordem OV por volta dos vinte e cinco meses de idade ou até antes disso. Assim, a produção precoce destas ordens não-canônicas gramaticais associadas à ordem canônica SVO indica um ajuste precoce dos parâmetros para ordem das palavras, estando de acordo com a primeira generalização. Com vistas à aquisição precoce da variação da ordem das palavras pelas crianças, apesar do sistema flexional irregular da ASL, a autora adota uma versão modificada da segunda generalização: a aquisição precoce da variação da ordem das palavras depende da aquisição precoce de sinais morfológicos associados com a ordem não-canônica. Diferentemente, ordens não-canônicas associadas com a falta de sinais morfológicos são, também, adquiridas precocemente, desde que não haja restrições sintáticas na sua aplicação.

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