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2 AQUISIÇÃO DA ORDEM DAS PALAVRAS

2.1 NAS LÍNGUAS FALADAS

2.1.1 Inglês

A ordem das palavras no inglês não é flexível. A ordem básica nessa língua é SVO. Para indicar a estrutura da informação, o falante do inglês não possui muitos recursos sintáticos e se utiliza de meios fonológicos, como a entonação e a acentuação, para tal. Entretanto, existem algumas construções pragmaticamente marcadas como as sentenças clivadas, passivas e topicalizadas, exemplificadas respectivamente em (1a), (1b) e (1c).

(1) a. It’s the dictionary that my neighbor lent me. b. The dictionary was lent to me by my neighbor.

c. His manners I really hate. (Dyakonova, 2004: 92, 93)

Quanto à aquisição, a criança falante do inglês comete poucos erros em relação à ordem das palavras desde as primeiras combinações (Brown 1973 apud Pichler 2001). A grande maioria das primeiras sentenças ocorreu na ordem SVO, conforme exemplo do autor:

(2) a. Fix bike. b. Mommy read.

c. Drink juice. (Pichler, 2001: 50)

Dyakonova (2004) em um estudo comparativo entre o russo e o inglês observou que a criança falante do inglês (Eve) produziu 100% das sentenças na ordem VO nos primeiros meses analisados, ou seja, a partir de 1:9. Nenhuma sentença na ordem OV foi verificada.

Quanto à ordem VS, houve duas ocorrências nos dados de Eve. Na primeira foi utilizado um verbo inacusativo, e na segunda, o verbo na posição inicial foi claramente produzido com intuito de ênfase. A ordem OSV também teve duas ocorrências, e essas construções mostram indicação de serem casos de topicalização.

Esse pequeno número de produções em ordens não-canônicas indica que a linguagem da criança está seguindo o padrão da sua língua materna. Entretanto, os dados do inglês revelam que, apesar de a criança estar adquirindo uma língua com pouca flexibilidade, ela tem acesso aos componentes da estrutura de informação.

2.1.2 Russo

Segundo Dyakonova (2004), o russo é uma língua em que a ordem das palavras é relativamente livre. Apesar dessa flexibilidade, a ordem SVO é dita a mais básica. As evidências para determinar o russo como uma língua de ordem SVO advêm de certas propriedades tais como o uso de preposições ao invés de posposições e a tendência de adjetivos qualificativos precederem substantivos (Greenberg, 1966). Outra evidência é o

teste de pergunta-resposta, em que a resposta mais natural para uma pergunta como “O que aconteceu?” vai ser uma sentença na ordem SVO.

A propriedade da linguagem que permite a flexibilidade no russo é o seu rico sistema morfológico. Os papéis temáticos dos argumentos em uma sentença podem ser atribuídos por meio da marcação de caso ao invés da forma estritamente configuracional. Dyakonova apresenta como exemplo a sentença (3) do inglês que pode corresponder perfeitamente com duas sentenças do russo (4).

(3) Raffael kissed Eva. (Dyakonova, 2004:91)

(4) a. Raffael potzeloval Evu. (Dyakonova, 2004:91) Raffael.nom. kissed Eva.acc.

b. Evu potzeloval Raffael. Eva.acc. kissed Raffael.nom.

Embora a interpretação temática dos argumentos em russo não seja alterada pela sua reordenação, as sentenças (4a) e (4b) diferem no significado. Dependendo da sua posição na sentença, o DP tem uma interpretação pragmática diferente em russo.

Outra questão dessa língua é que o russo permite construções com verbo inicial, seguindo a restrição de intransitividade. Com verbos transitivos, as construções com verbo inicial são muito raras.

Quanto à estrutura de informação, o russo utiliza a ordem das palavras para marcar o status informacional dos elementos em uma sentença. O russo usa produtivamente o movimento do DP, produzindo diferentes interpretações para a sentença dependendo da posição dos argumentos. A principal restrição é que o tópico

não pode aparecer na posição pós-verbal, caso contrário seria interpretado como foco de informação. O foco de identificação pode ser interpretado imediatamente antes do verbo ou na posição inicial da sentença.

Após essa breve descrição da ordem das palavras em russo, Dyakonova (2004) apresenta os dados de um estudo sobre a aquisição do russo, nos quais leva em consideração o desenvolvimento da estrutura de informação pela criança. O objetivo era mostrar evidências de que a criança tem acesso à estrutura de informação desde os primeiros estágios do desenvolvimento da linguagem. Sua hipótese é a de que a estrutura de informação é adquirida em paralelo com a sintaxe, ao contrário da afirmação corrente de que o início da linguagem da criança é puramente manifestação do desenvolvimento morfossintático.

Os dados analisados pela autora são de um estudo longitudinal de fala espontânea de uma menina (Varvara) adquirindo o russo como língua materna. O período observado compreendeu as idades de 1:6 a 2:10. Foram selecionadas para a análise as produções com pelo menos duas palavras, para ser possível investigar a ordem das mesmas. O contexto em que uma sentença foi produzida também foi levado em conta, dado o tipo de fenômeno gramatical investigado, ou seja, a estrutura da informação que está associada com a interface sintaxe e pragmática. Por isso, a análise da produção do adulto se fez necessária.

Como resultado, foi observado que a menina, desde os primeiros registros, utilizou ambas as ordens VO e OV. Isto já era esperado devido às propriedades da língua em questão, como mostra a Tabela 2.1:

Idades Ordem VO Ordem OV 1:6 40% 60% 1:7 40% 60% 1:8 58% 42% 1:10 66% 34% 2:0 57% 43% 2:4 60% 49% 2:10 40% 60%

Tabela 2.1: Porcentagem das construções VO e OV na produção de Varvara

Entretanto, apesar de sua língua materna ter a ordem SVO como básica, nos dois primeiros meses analisados a produção da ordem OV foi maior em relação à ordem VO (60% e 40%, respectivamente). Analisando a produção do input de Varvara, Dyakonova percebeu que este apresenta uma produção maior de ordem OV do que VO, sendo que este fato está relacionado à freqüência no uso de objetos pronominais com a ordem OV, ao invés de NPs completos. Assim, a autora concluiu que a predominância no uso da ordem OV nos primeiros meses reflete uma supergeneralização da regra da posição de objeto pronominal (o qual não deve aparecer na posição final da sentença). Como resultado, não apenas os pronomes como também os NPs completos na posição de objeto estão precedendo o verbo nas construções de Varvara.

Além disso, o uso da ordem das palavras indica que a menina apresentou um desenvolvimento em forma de U. Ela começou com o uso predominante de OV, posteriormente produziu mais na ordem VO e finalmente a ordem OV prevaleceu de novo. Essa predominância da ordem OV com 2:10 é explicada pelo fato de a menina já estar utilizando os pronomes produtivamente.

Quanto à ordem VS, esta também foi produzida por Varvara. As construções com verbo inicial, conforme descrito anteriormente, restringem-se a intransitivos. Nos dados da criança foram observadas 19 sentenças na ordem VS, de um total de 609. Dessas 19, 13 construções foram realizadas com verbos inacusativos. Analisando o

status informacional das sentenças pelo contexto, é possível determinar que a escolha da ordem VS foi para enfatizar o verbo. Esta estratégia também é observada no padrão adulto do russo. Na verdade, este é o único caso em que o sujeito pode ser pós-verbal no russo, isto é, quando o foco está no verbo.

Varvara produziu também sentenças na ordem OSV. Todas as construções com objeto inicial na produção dela são instâncias de topicalização do objeto e estão de acordo com o padrão adulto do russo.

Os dados apresentados acima fornecem evidências de que há manifestação da estrutura de informação desde cedo na produção da criança. O uso da ordem das palavras para expressar diferentes informações mostra que a criança tem consciência desse recurso lingüístico e o utiliza para marcar o status informacional dos constituintes de uma sentença.

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