• Nenhum resultado encontrado

6.2 – Araras (SP): formação do município sob o jugo dos irmãos Lacerda Guimarães

O ano de 1862 marcou a divisão da herança do Alferes Franco, mas naquele mesmo ano, um passo decisivo à constituição de uma nova localidade era dado. Das terras legadas pela viúva, Dona Maria Lourenço, e seu genro, Bento de Lacerda Guimarães, compunham-se o sítio das Araras. Esta propriedade localizava-se na vila de Rio Claro, mas pela lei provincial n° 17, de 20 de abril de 1864, ela passou a pertencer à vila da Limeira.

A origem desta propriedade está no desmembramento da sesmaria de uma e meia légua em quadra (4.050 alqueires), concedida em 1818, a Francisco de Góes Maciel, Vicente Pires de Andrade e Manoel da Rosa Maciel, no ribeirão das Araras. Naquele ano, uma quarta parte da sesmaria, com 1.125 braças de testada por légua e meia de sertão, foi adquirida por Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, o Senador Vergueiro. Posteriormente, em 25 de dezembro de 1836, Vicente Pires de Andrade e Manoel da Rosa Maciel venderam suas partes, e a

148

propriedade foi dividida, cabendo a Alexandre de Góes Maciel a metade e, ao Senador Vergueiro e Francisco Góes Maciel, um quarto a cada um (ALMEIDA, 1948, p. 22).

Na parte de Alexandre de Góes Maciel veio a se formar o sítio do Bom Sucesso, propriedade rural dedicada ao fabrico de açúcar e aguardente, mas também com criação de gado. Com a morte de Alexandre em 16 de julho de 1854, o sítio do Bom Sucesso – a época pertencente a Rio Claro, no bairro das Araras – com seus 46 cativos, algumas cabeças de gado e o engenho foi colocado a venda148. Isto se deu em virtude de o passivo ser maior que o ativo no inventário. O sítio do Bom Sucesso foi vendido e seu comprador foi Joaquim Franco de Camargo, o Alferes Franco.

Dentre as propriedades deixadas pelo Alferes Franco se encontrava o sítio das Araras, que compreendia o antigo Bom Sucesso, de Alexandre Góes Maciel, e outras porções de terras que haviam sido adquiridas a terceiros, possuindo o imóvel 600 alqueires e benfeitorias: casa de engenho de açúcar com seus acessórios; máquina; cilindro; um estanque; dois caixões; uma balança de conchas e quatro pesos que faziam tudo três arrobas e vinte libras; 49 formas de açúcar; seis cochos de azedar; um cocho de garapa; duas resfriadeiras; um alambique com capelo; 6 espumadeiras; três reminhões avaliados por Rs. 4:264$880; uma casa de morada avaliada por Rs. 800$000; uma casa de feitor e outra contígua para os escravos, avaliados por Rs. 300$000; a casa que fora de José Maciel avaliada por Rs. 200$000; a casa que fora de José de Siqueira Lima avaliada por 50$000; 40 quartéis de cana; 20 quartéis de cana nova; 11 alqueires de roça de milho; 4 alqueires de planta de feijão; um arrozal (ALMEIDA, 1948, p. 23).

Excluindo-se as benfeitorias citadas, a propriedade (inclusive pastos, cercas e açude) foi avaliada por Rs. 32:000$000, importância esta que foi lançada no quinhão de Manoela Assis de Cássia, casada com Bento de Lacerda Guimarães, que se traduziu nos canaviais novos e sete alqueires de roça de milho. As demais benfeitorias e plantações (engenho, casas de moinho, canaviais velhos e outras) foram lançadas na meação da viúva, Dona Maria Lourenço de Moraes.

148

Na descrição das benfeitorias encontradas no sítio do Bom sucesso estavam: casas de morada coberta de telhas, paiol, pastos, uma casa coberta de telhas de engenho de cilindro, com cinco tachos, um alambique, duas resfriadeiras, dois estanques, sendo um novo e outro velho e estragado, 49 formas, 5 escumadeiras de cobre, 9 caixas, um caixão de guardar açúcar, uma balança com coxas de pau com quatro arrobas de peso e outros utensílios para o serviço da fábrica de açúcar (ALMEIDA, 1948, p. 22).

149

Concomitante à partilha dos bens do Alferes Franco, em 1862 foi construída uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora do Patrocínio, no sítio das Araras, em sua parte ocidental, frente à estrada de Limeira à Pirassununga, no divisor das águas entre o ribeirão das Araras e o seu afluente das Furnas149. Em 19 de maio de 1865, Bento de Lacerda Guimarães e sua esposa Manoela Assis de Cássia, acrescidos de José de Lacerda Guimarães, lavraram uma escritura de doação para patrimônio à Capela de Nossa Senhora do Patrocínio que dizia:

Escritura de doação para patrimônio, que fazem Bento de Lacerda Guimarães e sua mulher Dona Manoela Assis de Cássia e José de Lacerda Guimarães, como abaixo se declara: Saibam quantos este público instrumento de escritura de doação para patrimônio virem, que sendo no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e sessenta e cinco, aos dezenove dias do mês de maio do dito ano, neste Sítio denominado das Araras, Distrito de Limeira, onde fui vindo eu tabelião e aí presentes partes entre si avindas e contratadas, Bento de Lacerda Guimarães e sua mulher Dona Manoela Assis de Cássia e José de Lacerda Guimarães, todos reconhecidos de mim tabelião e das testemunhas ao diante nomeadas e assinadas, perante as quais por eles foi dito que, tendo edificado nas suas terras uma capela sob invocação de Nossa Senhora do Patrocínio, e querendo constituir para a mesma patrimônio, na conformidade das leis canônicas, doavam para esse fim um terreno para a dita capela, com quinhentas braças de largo, começando dita medida na ponte do ribeirão das Furnas, e seguindo pela estrada pelo largo da capela, até completar ditas braças, cujo terreno para todo o sempre pertencerá a mesma capela, renunciando eles doadores os direitos que os mesmos tinham e nunca em tempo algum, nem eles ou seus herdeiros poderão reclamar contra esta doação, podendo porém eles doadores, ou seus filhos construírem no terreno ora doado as casas que forem precisas para as suas habitações independente do pagamento de qualquer preço, pensão, foro ou aluguel à capela doada, tendo o mesmo direito as pessoas que até aqui tenham concorrido para a capela edificada, não se transmitindo porém os direitos destes às suas famílias. Por eles outorgantes foi dito que aceitavam a presente escritura na forma declarada [...] (ALMEIDA, 1948, p. 24).

Em 22 de outubro de 1868, veio a provisão canônica que instituiu a capela curada. Ainda neste ano, em 27 de dezembro, foi instituída a paróquia. No ano seguinte, em 22 de julho de 1869, pela provincial nº 42, foi criada a freguesia de Nossa Senhora do Patrocínio das Araras. A freguesia do Patrocínio das Araras foi composta por terras que pertenciam às vilas de Limeira, Rio Claro, Mogi Mirim e Pirassununga, tendo como divisas: dividindo com Mogi, começavam pela beira do ribeirão do Ferraz no rio Mogi Guaçú e subindo por ele acima, entrando no município de Limeira, seguem a procurar a cabeceira; desta procura o espigão de Vicente de Almeida Prado e seguindo o mesmo até passar a fazenda do senador José Manoel da Fonseca e

149

Nos apontamentos de Marques (1980, p. 91), ele descreve Araras como: rio afluente da margem esquerda do Mogi-Guaçu; corre na direção mais geral de Oeste para Leste, curvando depois para o Norte, e seguindo esta direção até sua confluência. Rega a povoação de seu nome, e parte do município de São João do Rio Claro. A referência a esta ave viria pelo fato de no passado elas serem recorrentes na região do ribeirão, que ficou conhecido como ribeirão das Araras.

150

frontear o cafezal do coronel José Estanislau de Oliveira e procurando o meio deste cafezal seguem por ele até passar a fazenda Angélica – do Senador Vergueiro – e logo adiante fronteando a cabeceira do padre Joaquim Franco de Camargo – um dos filhos do Alferes Franco – desce por esta abaixo até o princípio; ficando a fazenda Cresciumal – propriedade do senador Francisco Antonio de Souza Queiroz – pertencente à paróquia de Pirassununga, e a de São José, de propriedade do Barão de Araraquara, à de São João do Rio Claro (ALMEIDA, 1948, p. 25).

A 24 de março de 1871, pela lei provincial nº 29, a povoação de Nossa Senhora do Patrocínio das Araras foi elevada à vila. Em sua primeira eleição para a formação da Câmara Municipal de Araras, realizada em 7 de setembro de 1872, foram eleitos os vereadores: Augusto Cincinato de Almeida Lima (presidente), Bento de Lacerda Guimarães, Antonio Alves Galvão, Martinho da Silva Prado Junior (Martinico), João Soares do Amaral, Hermenegildo Ribeiro do Prado, José Gonçalves de Souza Freire e Jorge de Aguiar Whitaker, que tomaram posse a 7 de janeiro de 1873. Na mesma data realizou-se a eleição dos juízes de paz para o quatriênio (1873- 1876), em que foram escolhidos os nomes de Antonio Alves de Almeida Sales, José de Lacerda Guimarães e João Soares do Amaral (ALMEIDA, 1948, p. 25 e 26).

Uma análise pormenorizada dos integrantes da primeira Câmara ararense permite a aferição do poderio dos Lacerda Franco desde a formação da vila de Araras. O vereador Bento de Lacerda Guimarães conseguiu emplacar entre os eleitos o nome de João Soares do Amaral, casado com sua sobrinha Maria da Glória Lacerda, que era filha de seu irmão José de Lacerda Guimarães (juiz de paz) e Clara Miquelina. Sobressalta também o nome de Martinho da Silva Prado Junior, o Martinico, cuja expansão financeira com os negócios do café fez com que ele partisse das terras ararenses para a região de Ribeirão Preto150.

Enquanto isso, em 1868, o irmão de Antonio, Martinico Prado, foi colocado à frente de ―Campo Alto‖ e ―Santa Cruz‖ [fazendas no município de Araras], depois de ter tido um aprendizado de dez anos de vida de interior. Pelo fim da década de 70, Martinico estava a caminho para estabelecer sua própria fortuna, tornando-se um dos líderes pioneiros a mover a fronteira do café para o norte. Deixando Casa Branca em 1877, Martinico explorou os municípios de São Simão e Ribeirão Preto, mandando de lá comentários enaltecendo seu potencial para o café [...] Pouco depois da pesquisa pelos municípios do norte, Martinico adquiriu sua primeira fazenda em Ribeirão Preto, batizando-a ―Albertina‖, em homenagem à sua mulher. Em 1885, mais provavelmente com dinheiro

150 Martinho da Silva Prado Junior, que era neto de Antonio da Silva Prado, o Barão de Iguape, além de possuir duas fazendas no

município, Campo Alto e Santa Cruz, deixou outras marcas na cidade de Araras, como a biblioteca municipal, que leva seu nome, e um bairro rural denominado Núcleo Caio Prado.

151 emprestado por seu pai, e com os lucros de ―Albertina‖, comprou uma fazenda maior, ―Guatapará‖, de 6.000 alqueires, ao preço de 70 contos [...]

Em 1889, os Prado adquiriram sua maior plantação, ―São Martinho‖, no município de Ribeirão Preto. Descrevendo a plantação do modo costumeiro, como um colosso fascinante como nenhum outro na província, Martinico convenceu Martinho a adiantar sua herança e colocar dinheiro adicional para comprá-la. Martinho, Martinico e Antonio tornaram-se sócios em ―São Martinho‖, que era a segunda maior plantação de café no Brasil, e a maior em um único bloco de terra. Medindo perto de 14.000 alqueires, ―São Martinho‖ foi comprada por 600 contos e chegou a ter 3.400.000 pés de café (LEVI, 1977, p. 165 a 167).

A força política da família Prado151 e de seus negócios no município de Araras era inegável, tendo em Martinho um grande expoente da economia cafeeira e do republicanismo, pois era membro do Partido Republicano Paulista (LOVE, 1982, p. 150 a 154). O Partido Republicano Paulista (PRP), formado em 1873, na cidade de Itu, era a expressão dos interesses econômicos e políticos da lavoura e do grande capital cafeeiro. Em seus quadros estava boa parte dos representantes do complexo cafeeiro que se formaria no Oeste Paulista, dentre eles Martinico Prado e Antonio de Lacerda Franco, republicanos que residiam na cidade de Araras.

A quadra histórica em que se formou o PRP teve como componentes o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870) e a Lei do Ventre Livre. A participação dos cativos no exército nacional durante a guerra causou grande polêmica acerca das liberdades de um povo para combater e da visão dos oficiais militares como feitores de escravos, imagem compartilhada pela sociedade brasileira e pelos oficiais dos outros países beligerantes, e que contribuiu para um sentimento abolicionista junto às forças armadas brasileiras (SCHULZ, 2004, p. 297).152. O debate acerca da continuidade da escravidão, em que pese não ter se iniciado em 1870, foi acirrado pelos chagas expostas pelo conflito. Até que, em 28 de setembro de 1871, o gabinete conservador chefiado pelo Visconde do Rio Branco aprovou a Lei do Ventre Livre, que libertava os filhos de escravos nascidos no país a partir daquela data153. O conservador Rio Branco foi conduzido por D. Pedro

151

Levi (1977), em seu estudo A Família Prado, cita a trajetória dessa família e como ela foi se aproveitando das oportunidades abertas pela economia cafeeira do Oeste Paulista. Homens como Martinho Prado, Martinico e Antonio Prado souberam se infiltrar nas mais diversas atividades, garantindo à parentela o controle em diversas áreas: presidência da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, novas fazendas de café nas zonas pioneiras, casa comissária e outros empreendimentos que fizeram parte deste caso representativo da diversificação dos negócios do café.

152 Para melhor esclarecimento da questão, ver COSTA, Wilma P. (1996). A Espada de Dâmocles: o exército, a guerra do

Paraguai e a crise do Império.

153

Segundo o disposto na lei, os filhos dos escravos - chamados de ingênuos - tinham duas opções: ou ficavam com os senhores de suas mães até a maioridade (21 anos) ou poderiam ser entregues ao governo. Na prática, os escravocratas mantiveram os ingênuos nas suas propriedades, tratando-os como se fossem escravos. Dessa forma, vemos que o gradualismo foi a solução encontrada pelos políticos nacionais para atacar a nefasta instituição do escravismo no Brasil, o que ia ao encontro dos interesses da elite proprietária.

152

II à liderança do gabinete imperial em março de 1871, em virtude ainda dos atritos entre política e exército durante a Guerra do Paraguai, quando o presidente do Conselho de Ministros, o liberal Zacarias de Góes, perdeu a queda de braço com o chefe das forças armadas brasileiras no Paraguai, o marechal Caxias.

No período entre 1868-1871, os gabinetes se sucederam sempre sob o espectro do debate que deveria ser feito acerca de uma lei abolicionista e as dificuldades de aprová-la junto aos políticos do Império. A questão escravista tinha como pano de fundo o próprio debate acerca da hegemonia saquarema na política imperial, uma que vez este grupo tinha em sua composição vários cafeicultores escravistas do Vale do Paraíba que eram contrários às medidas abolicionistas. Esta posição causou um fracionamento dentro do grupo saquarema devido aos políticos da região norte/nordeste serem favoráveis à lei, pois as crises econômicas levaram dificultaram aos potentados nordestinos a obtenção de escravos e induziram-lhes a vender seus plantéis à região sul/sudeste (SALLES, 2009, p. 72-73).

O posicionamento em um dos lados – escravistas ou abolicionistas – extravasava as ideologias e diferenças políticas entre liberais, conservadores e o novo grupo representado pelos republicanos. Os republicanos tiveram como ponto de partida da atividade política o Manifesto Republicano publicado no Rio de Janeiro e que, embasado nas idéias liberais clássicas, apregoava, além do federalismo e a descentralização, a verdade democrática, representação, direitos e liberdades individuais, demandas que emanavam de indivíduos egressos de linhas radicais, como Cristiano Ottoni e que representavam os republicanos do Rio de Janeiro, um grupo composto por profissionais liberais e homens de negócio, sobretudo advogados e jornalistas154. Por sua vez, os republicanos de São Paulo possuíam menos profissionais liberais em suas fileiras e maior número de proprietários rurais ligados ao café, sendo presente a figura do advogado- fazendeiro, como no caso de Campos Sales. Os republicanos paulistas tinham o pragmatismo como sua característica, aliando-se muitas vezes aos conservadores a fim de alcançar seus objetivos, que se fincavam em: defesa dos interesses locais expressa no desejo do federalismo, sem qualquer menção ao fim da escravidão (CARVALHO, 2007, p. 208-221).

A defesa dos interesses locais por parte dos políticos de São Paulo baseava-se na ascensão econômica da província paulista durante o século XIX, apoiada no crescimento das

154

Dentre os nomes de políticos republicanos do Rio de Janeiro, além de Ottoni, constavam: Limpo de Abreu, Saldanha Marinho, Aristides Lobo, Rangel Pestana, Lopes Trovão e Silva Jardim.

153

exportações de café. Entre 1840-1849, a participação paulista na receita total do Império representava 2,13% e, entre 1840-1853, de São Paulo vinham 21,75% dos ministros e 8,57% dos deputados. Todavia, no período 1870-1879, 5,02% da receita do Império era arrecadada em São Paulo – e na década de 1880 esta arrecadação chegaria a 8,40% - mas, entre 1871-1879 somente 9,09% dos ministros e 7,20% dos deputados eram paulistas. O sentimento de usurpação da renda paulista se evidenciava na constatação que, na década de 1850, 80% dos impostos arrecadados pelo Governo Central na província de São Paulo permaneciam em solo paulista (proporção entre a receita e a despesa do Império em São Paulo); porém, na década de 1870, esse número diminui para 34%, caindo para 27% na década de seguinte155.

O êxito econômico da São Paulo cafeeira era concomitante à cizânia deflagrada no grupo saquarema. A coalizão de burocratas, comerciantes e proprietários rurais com base na economia cafeeira do Rio de Janeiro, que comandavam o Partido Conservador, encontrava-se em momento descendente de sua trajetória econômica e política, com o crescimento do café nas Minas Gerais e em São Paulo, além do charque no Sul. Estas províncias tinham a ânsia de traduzir os ganhos econômicos em capital político, sendo que o controle da política poderia assegurar aos seus detentores as ferramentas necessárias à manutenção do crescimento econômico. O debate centralismo versus federalismo delineava a dicotomia entre conservadores e republicanos, considerando que, no fundo esta divergência significava um momento de mudança na história política e econômica brasileira, com a substituição de uma elite dirigente por outra.

A autenticidade das forças sociais, que operam de baixo para cima, se mantém pura mediante o processo de circulação e revitalização das elites. A história não é senão um cemitério de elites, que correm, ao longo do leito secular, como um rio: a classe dirigente de hoje não será a mesma de ontem (FAORO, 2000, p. 102).

Neste ínterim, a questão abolicionista mais uma vez sofreu com a ótica do gradualismo, tendo contra si tanto a atual elite quanto a futura. Se, os paulistas queriam a reforma do modelo político, ao mesmo tempo, em 1872, contando com 11,2% do plantel nacional de escravos concentrado nas lavouras cafeeiras, sobretudo no Vale do Paraíba, compreendia-se a posição dos republicanos paulistas contra a Lei de Ventre Livre, que aceleraria o processo de exclusão da mão-de-obra nas lavouras e desvalorizaria os africanos na condição de ativos dos

155

Os dados sobre o número de ministros e políticos de São Paulo no Governo Imperial vieram de Carvalho (2007, p. 135-136). Os dados fiscais de São Paulo vieram de Diniz (2010, p. 199-200).

154

fazendeiros. O lado escravista, de forma geral, contava com as províncias do Sul, sendo que Rio de Janeiro (acrescida da corte), Minas Gerais e São Paulo, somadas, tinham em 1872, a cifra de 55,4% do plantel escravista brasileiro – sendo que no Norte/Nordeste, a Bahia possuía o maior plantel escravista com 11,2% dos cativos (MARCONDES, 2009, p. 172).

Felizmente, a Lei do Ventre foi aprovada em 1871. A aprovação da lei demonstra que os paulistas ainda não controlavam as rédeas do jogo político nacional. Mas, eles sabiam da necessidade de cambiar o capital econômico em poder político. Internamente, o Partido Republicano Paulista, diferente do congênere fluminense, foi erigido a partir de uma forte estrutura organizacional baseada em células municipais (CARVALHO, 2007, p. 209). O município paulista de Araras foi berço de grandes republicanos, como Martinico Prado. Contudo, quem realmente delineava os contornos políticos que a nova localidade passaria a ter eram os Lacerda Franco, encabeçados pelos irmãos Bento e José de Lacerda Guimarães que, ao lado de Augusto Cincinato de Almeida Lima, eram os três ararenses de maior renda, como demonstra a tabela 31 (página 148). Na eleição de vereadores para o quatriênio 1877-1880 foram eleitos: Francisco Antonio Leite (presidente), José Martinho Pacheco, Martinho da Silva Prado Junior, José Gonçalves de Souza Freire, Manoel Augusto de Arruda Lima, João Soares do Amaral, e Bento de Lacerda Guimarães156. Como juízes da paz para o mesmo quatriênio foram eleitos: Jorge de Aguiar Whitaker, Antonio Alves de Almeida Sales, Antonio Joaquim de Vasconcelos Pinto Junior e José de Lacerda Guimarães.