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Quando migrou de Atibaia, em 1816, deixando seu nome de constar nos Maços de População daquela vila, Joaquim Franco de Camargo iniciou a construção de um patrimônio nas terras paulistas da fronteira do açúcar. Tropeiro, por pelo menos 14 anos, seu nome apareceu como morador da vila de Mogi-Mirim, em 1820. Com o capital acumulado no tropeirismo, ele passou a se dedicar à lavoura canavieira, tendo um engenho naquela vila em 1820. Em 1828, já instalado em terras que pertenceriam à freguesia de Tatuibi – futura vila de Limeira – ele produziu 500 arrobas de açúcar, com o uso de 34 escravos nesta e em outras atividades, como a lavoura de subsistência. Sua ascensão social foi denotada pelo fato de Joaquim ser conhecido nesta nova localidade como o Alferes Franco96.

O interregno de 12 anos entre a saída de Joaquim Franco de Camargo da vila de Atibaia na condição de negociante de animais e sua instalação na freguesia de Tatuibi, como proprietário de engenho, caracterizou-se em um período de acumulação de capital visando ascender socialmente, ou seja, entrar para o rol dos proprietários de terra com engenho. Estes fazendeiros se valiam dos serviços dos tropeiros para transportar o açúcar do interior paulista até Santos, sobretudo na região do quadrilátero do açúcar, que englobava as vilas de Mogi-Mirim e Piracicaba, região escolhida por Joaquim para ser seu campo de atuação quando saiu de Atibaia, na condição de negociante de animais.

O tropeiro seria o empresário de transporte durante o século XVIII e até meados do XIX, quando foi iniciada a construção de ferrovias no Brasil.

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No exército brasileiro, alferes é uma antiga patente de oficial abaixo de tenente. Em 1832, Joaquim Franco de Camargo fez parte da Comissão de Divisas em Limeira, Mogi e Rio Claro. Em 1833 é Guarda Nacional de Reserva. Serviu como curador no inventário do Capitão Cunha Bastos em 1835. Em 1836 era Juiz de Paz e foi Delegado de Polícia por muitos anos, sendo também líder político governista (Conservador) tomando parte ativa em todos os tumultuosos episódios do seu tempo, entre eles a notória eleição em duplicata de 1849.

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Em 1820, 15,5% dos condutores de gado (48 indivíduos) que passaram por Sorocaba eram oriundos de vilas do Oeste Paulista97, a maior região produtora de açúcar, ficando atrás apenas dos condutores da vila de Sorocaba e seus arredores que totalizaram 33,9% (107 condutores). Entretanto, no que tange ao comércio de gado de corte, não se pode negligenciar que os bovinos visavam essencialmente ao atendimento do mercado consumidor representado pela cidade do Rio de Janeiro, sobretudo após 1808, com a chegada da Corte de D. João VI, que fez crescer a procura pela carne como componente da dieta dos cidadãos fluminenses, demanda prontamente atendida pelos comerciantes de São Paulo e Taubaté (PETRONE, 1976, p. 88 a 90).

As conexões entre a vila de Sorocaba, onde ficava o Registro e se pagavam os impostos, e as localidades açucareiras do Oeste Paulista estabeleceram-se em função do comércio de muares. Sorocaba era o centro redistribuidor dos muares sulistas e grande era o fluxo de tropeiros que lá iam formar suas tropas de bestas, fato também decorrente da proximidade desta vila em relação à zona açucareira do Oeste Paulista (BACELLAR, 2001, p. 39). Os engenhos paulistas demandavam grande parte dos muares comercializados na feira de Sorocaba98, mas não de forma direta. O que se dava era que o tropeiro se dirigia à feira, adquiria os muares, formava a tropa, para então alugá-la ao fazendeiro ou lidar diretamente com o transporte da produção açucareira de seu contratante99.

Os negociantes de animais alimentavam um comércio que teve elevada demanda vinda do açúcar e, posteriormente, do café e que se manteve quase até a década de 1870, quando as ferrovias começaram a ser implantadas no interior paulista. Segundo Luna e Klein (2005, p. 239) o tropeiro seria membro da elite paulista da metade do século XIX, composta por elementos agrícolas – produtores de açúcar, café e outros gêneros – e não-agrícolas – profissionais liberais, comerciantes com negócios internacionais e tropeiros. Entretanto, pensamos que o pertencimento à elite em uma sociedade escravista passava pela condição de possuir cativos e terras, ativos buscados pelos membros da elite de então. Isto implica em que nem todo tropeiro pudesse ser

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Foram 48 condutores de gado no total, sendo 4 de Campinas, 18 de Itu, 12 de Porto Feliz, 4 de Jundiaí, 4 de Araçariguama, 1 de Indaiatuba 5 de Parnaíba (PETRONE, 1976, p. 73).

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A demanda por muares negociados em Sorocaba também vinha dos engenhos e cafezais fluminenses e mineiros (PETRONE, 1976, p. 96).

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Em Jundiaí, um tropeiro que se encarregava de transportar açúcar, no ano de 1822, ganhava anualmente entre Rs. 100$000 e Rs. 200$000 (CELIA, 2000, p. 77 e 78).

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inserido na elite paulista da metade do século XIX, mas somente os negociantes de animais mais prósperos que em muitos casos se tornariam fazendeiros.

[O investimento] Reproduz uma hierarquia social erguida em uma frágil sociedade civil, onde nem todos os homens têm os mesmos direitos. Assim sendo, o investimento na produção mercantil, e com ela a própria produção do sobretrabalho, não era motivado apenas pela possibilidade de lucro, mas tinha também outras razões. Tornar-se grande proprietário de terras e de homens representava também adquirir uma posição de mando em uma sociedade estratificada (FRAGOSO, 1998, p. 35).

Joaquim Franco de Camargo possuía uma propriedade rural na vila de Atibaia com área total de 360.000 braças quadradas, tamanho suficiente para a atividade açucareira. Mas, somente a terra não resolvia os óbices ao plantio do açúcar100. Ter um número mínimo de cativos – a média dos engenhos paulistas girava em torno de 20 escravos – era fundamental para cuidar da produção, o que inviabilizava a propriedade de Joaquim, com 4 cativos em 1816, sendo que eles lhe bastaram para sua lavoura de alimentos.101 Além disso, havia ainda o custo de aquisição de um engenho e o problema do fornecimento de lenha para suas fornalhas, associado ao abastecimento de água (PETRONE, 1968, p. 78).

Ter capital era condição primordial à formação de uma propriedade açucareira, mas, como visto, só os haveres financeiros não solucionavam problemas enfrentados por localidades já saturadas pela onda açucareira. A migração de uma vila à outra denotava estágios diferentes entre as localidades paulistas. As mais antigas vilas – como Itu, Porto Feliz e Jundiaí – apresentavam um déficit de oportunidades na primeira metade do século XIX traduzido na falta de terras disponíveis e carência de lenha, como no caso de Jundiaí e Itu. Buscando o acesso à terra, os habitantes destas vilas se deslocaram no Oeste Paulista, acompanhando a fronteira do açúcar, e depois do café, formando novas localidades, como Campinas, Rio Claro, Limeira e outras (BACELLAR, 1991, p. 40).

A mudança do perfil sócio-econômico da província de São Paulo na primeira metade do século XIX embasou-se na transição de uma economia de abastecimento, nômade e calcada no trabalho familiar, que foi perdendo espaço para a lavoura de exportação monocultora, estável e que se valia do braço do cativo africano (BACELLAR, 1991, p. 15 e 31). O açúcar era o carro-

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(INVENTÁRIO TERRAS ATIBAIA, 1818). Segundo Petrone (1968, p. 61), as propriedades paulistas com tamanho médio de 100.000 a 2.000.000 braças quadradas eram suficientes para a produção de açúcar em escala comercial.

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Em 1816, Joaquim Franco de Camargo colheu 100 alqueires de milho e 3 alqueires de feijão em Atibaia, vila caracterizada pela agricultura de gêneros de subsistência (MP ATIBAIA, 1816).

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chefe desse processo de mudança e a instalação de engenhos carecia de novas terras para a criação de imensas propriedades. Estas unidades produtivas açucareiras estavam na origem da formação de várias vilas do Oeste Paulista devido a esta região ser uma Zona Pioneira durante boa parte do século XIX. Era na Zona Pioneira que se situava uma elevada oferta de terras aos seus desbravadores, que se apossavam dos melhores solos e muitas vezes executavam uma revenda posteriormente, quando do crescimento demográfico do novo povoado (MONBEIG, 1984, p. 93).

Grosso modo, houve três fases na aquisição de terras no Oeste Paulista na primeira metade do século XIX: 1) Bandeirismo, em que a abundância de terras e a agricultura de subsistência legavam um baixo valor às propriedades fundiárias, predominando a posse e a sesmaria; 2) Início do Surto Açucareiro, em que propriedades não tão grandes impeliam os filhos sem terra dos senhores de engenho à formação de novas propriedades, predominando nesta fase a compra de terras – demonstrado pelo Inventário de Terras de 1818; e 3) Pós-Independência, em que surgem proprietários detentores de várias fazendas, quando se elevará a importância da herança como forma de aquisição de terras no Oeste Paulista, em que pese a compra ainda ser predominante – como demonstra o Registro de Terras de 1854 (BACELLAR, 1991, p. 34 e 35). Em todas estas fases, a compra conviveu lado a lado com a posse. Ainda no pós-1822, não podemos olvidar a posse como instrumento de aquisição de terras, uma vez que os posseiros empreenderam a aquisição de grandes porções fundiárias em São Paulo no interregno entre a Independência e a promulgação da Lei de Terras em 1854 – e assim continuariam mesmo após a introdução da lei.

O açúcar deu o estímulo à formação de grandes propriedades no Oeste Paulista, ao desbravamento da região e seu povoamento, como a futura vila da Limeira. Para tanto, era preciso de mínima infra-estrutura que permitisse o fluxo produtivo entre o interior e o litoral, ou seja, entre a zona produtora e a exportadora. Antes do advento das ferrovias paulistas, esta infra- estrutura atendia pelo nome das estradas e caminhos, muitas vezes precários. Uma dessas estradas era a do Morro Azul a Campinas, que se iniciou em 1823 e que teve à sua margem o nascimento do povoado próximo ao bebedouro do ribeirão Tatu, em cuja margem direita havia o ―Rancho da Limeira‖, bastante procurado por tropeiros e viajantes para o pousio nas marchas pelo interior

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paulista102. No ano de 1826, foi construída a capela de Nossa Senhora das Dores de Tatuibi, considerado o marco inicial do povoamento de Limeira; em 1830, foi constituída a freguesia de Tatuibi – com forte pressão no governo provincial exercida pelo Senador Vergueiro – pertencente a vila de Constituição (Piracicaba); e, em 1842, foi constituída a vila da Limeira, a partir do desmembramento de terras pertencentes à vila de Constituição (Piracicaba) (BUSCH, 1967, p. 69).

Dentre as nove sesmarias que se formaram nas terras em que se situaria o município de Limeira, a mais importante era a sesmaria do Morro Azul, concedida em 13 de janeiro de 1817 ao tenente Joaquim Galvão de França. Nela ficava o engenho de Ibicaba, propriedade formada a partir da compra de partes da sesmaria do Morro Azul por Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, o Senador Vergueiro103, que se notabilizaria pelo pioneirismo na introdução de imigrantes europeus nas lavouras paulistas com sua fazenda Ibicaba. As nove embrionárias sesmarias limeirenses deram origem aos municípios de Araras, Artur Nogueira, Conchal, Cordeirópolis, Cosmópolis, Iracemápolis, Rio Claro e Santa Gertrudes (SILVEIRA, 2007, p. 55 e 56).

Os primeiros habitantes da freguesia da Limeira eram originários de Piracicaba, Campinas, Mogi-Mirim, Bragança, e Atibaia. Joaquim Franco de Camargo era um destes povoadores que chegara à freguesia de Tatuibi em 1828 e que participaria de seu processo de formação, concomitantemente, a um movimento de ascensão sócio-econômica nesta nova localidade do Oeste Paulista. Ali, seus capitais acumulados na carreira de negociante de animais

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A limeira (planta) teria brotado em virtude de algumas sementes que foram deixadas no local por um frade que acompanhava uma caravana que se dirigia aos sertões de Araraquara (BUSCH, 1967, p. 12).

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Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, mais conhecido como Senador Vergueiro (Vale da Porca, 20 de dezembro de 1778 — Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1859), foi um fazendeiro de café e político luso-brasileiro. Nascido na região de Trás-os- Montes (Portugal), formou-se na Universidade de Coimbra em 1801. Mudou-se para o Brasil em 1803, e em 1804 casou com Maria Angélica de Vasconcelos, assumindo logo após a função de advogado no fórum de São Paulo, cargo que exerceu até 1815. Em 1813 foi nomeado vereador da Câmara Municipal de São Paulo. Foi juiz das sesmarias até 1816, quando mudou-se para Piracicaba, fundando engenhos em sociedade com o brigadeiro Luís Antônio de Sousa. Em 1821, às vésperas da Independência do Brasil, tornou-se membro do governo provisório da província de São Paulo. Exerceu outros cargos nas províncias de São Paulo e Minas Gerais. Participante da constituinte de 1823 como representante da província de São Paulo, como os irmãos Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e José Bonifácio de Andrada e Silva, foi preso após sua dissolução. Era senador e, com a abdicação de D. Pedro integrou a Regência Trina provisória (1831) durante a menoridade de Pedro II. Integrou o Gabinete de 13 de setembro (1832), assumindo a pasta do Império (até 23 de maio de 1833) e a da Fazenda (até 14 de dezembro de 1832). Ocupou a pasta da Justiça no Gabinete de 22 de maio, organizado por Manuel Alves Branco, segundo visconde de Caravelas, e, interinamente, a do Império. Foi senador durante dez legislaturas consecutivas. Como parlamentar, sempre defendeu posições liberais e anti- escravistas. Na década de 1840 e na década de 1850 foi pioneiro na introdução de imigrantes europeus em suas fazendas de café em Limeira (Fazenda Ibicaba) e Rio Claro (Fazenda Angélica). Seu filho, Nicolau José de Campos Vergueiro, recebeu do Imperador o título de barão e, posteriormente, visconde de Vergueiro.

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seriam investidos na formação de grandes propriedades rurais açucareiras e, posteriormente, cafeicultoras.

Em 3 de fevereiro de 1831, Joaquim se fez presente na primeira missa rezada na capela de Nossa Senhora das Dores de Tatuibi, que acabara de ser elevada à Curato. No ano seguinte, ele participou da comissão que demarcou as divisas de Limeira com as vilas vizinhas. O nome de Joaquim Franco de Camargo consta no Livro de Batismos da capela diversas vezes entre 1833 e 1838, na condição de padrinho de batismo de seus escravos ou batizando seus herdeiros104, ao lado de sua mulher Maria Lourenço de Moraes. Atesta a inserção do alferes Joaquim Franco de Camargo nos círculos de poder limeirenses o fato de ele ter sido nomeado curador do inventário do capitão Luiz Manoel da Cunha Bastos, falecido em 1835, em cujas terras teria sido erigida a capela de Nossa Senhora das Dores de Tatuibi. Com uma riqueza que totalizou Rs. 38:396$720, composta de 2 propriedades açucareiras com 68 escravos – o sítio da Lagoa Nova e o do Tatu, que em 1835 produziram 2.142 arrobas de açúcar – nota-se no item

Dívidas Passivas, que o capitão Cunha Bastos tinha como um de seus 24 credores o próprio

Alferes Franco (crédito de Rs. 210$700), além de casas comerciais de Santos e da vila de São Paulo. Isto denota que, em um tempo de incipientes instituições bancárias, o crédito às lavouras açucareiras provinha daqueles comerciantes mais abastados e que muitas vezes seriam os compradores da produção vinda do interior paulista, numa cadeia de dependência que fazia do custeio dessa economia uma atividade interna (FRAGOSO, 1998, p. 246 a 249). Do cabedal do falecido capitão, o Alferes Franco arrematou em leilão 12 escravos pelo valor de Rs. 5:521$000 (BUSCH, 1967, p. 68 a 116).

No cenário nacional, a década de 1830 marcou a abdicação de D. Pedro I (07/04/1831) e, em virtude do príncipe herdeiro ter somente 12 anos no dia da abdicação de seu pai, formou-se a Regência Trina Provisória, cujos membros eram o general Francisco de Lima e Silva, o conservador José Joaquim Carneiro de Campos (marquês de Caravelas) e o senador liberal Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. O fim do Primeiro Reinado se deu muito em decorrência da oposição que D. Pedro recebia dos liberais, estes subdivididos entre moderados de um lado e, de outro, os radicais ou liberais exaltados (ou farroupilhas). O grupo dos moderados, grande beneficiário da mudança de governo, congregava fazendeiros e senhores de escravos do

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Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, tendo como um de seus membros o padre Diogo Feijó (BETHELL, 2001, p. 708 a 720).

O projeto político dessa elite agrária brasileira era manter a unidade nacional e reformar o sistema político no sentido de alocar o poder nas mãos do grupo. O liberalismo francês era a fonte inspiradora de tais políticos-oligarcas, que no Brasil se traduzia na busca de medidas descentralizadoras – ainda sob o espectro das constantes dissoluções do Congresso efetuadas pelo antigo Imperador valendo-se do poder moderador – mas, mantendo o regime monárquico. Inspiração francesa logo revelada na lei brasileira de agosto de 1831, que criava a Guarda Nacional, ano em que a França também a criou. A congênere brasileira da Guarda objetivava dotar os representantes da oligarquia agrária dos meios de coerção e, ao mesmo tempo, frear uma possível união do exército com as classes menos abastadas. Para tanto, os oficiais só seriam eleitos se tivessem uma renda de 200 mil réis nas quatro maiores cidades brasileiras e 100 mil réis nos outros municípios. Entretanto, já em 1832, estes valores foram elevados para 400 mil réis e 200 mil réis respectivamente, uma vez que os grandes fazendeiros, com medo de derrota nas urnas para indivíduos não tão abastados, não se sentiam impelidos ao oficialato. Mas, o enquadramento do processo de escolha dos oficiais da Guarda Nacional se deu com o Ato Adicional de 1834, quando no âmbito das medidas liberalizantes que fortaleciam os poderes das Províncias, concentrou-se nas mãos das recém-criadas Assembléias Provinciais a nomeação dos oficiais da Guarda.

Tendo em mente que a máquina eleitoral comandada pelos liberais moderados e o sistema de eleições censitárias105 galgava ao poder, em sua maioria, os representantes da elite agrária e escravista, tornar estes indivíduos oficiais da Guarda significava imbuí-los de poder policialesco: patrulhar as ruas, proteger os edifícios públicos, transportar prisioneiros e manter a ordem em geral. Em alguns casos, os membros da Guarda eram chamados a participar do combate de conflitos fora de seus municípios, sob o comando do exército, que a esta altura ficara reduzido a 6.000 mil homens através das medidas de Feijó. Dessa forma, a Regência legara o poder local às forças agrário-militares que se traduziam, como no caso de São Paulo, em senhores de engenho e cafeicultores que se tornaram oficiais da Guarda Nacional.

105 No sistema eleitoral do Império, ao votante era necessária uma renda líquida anual de 100 mil réis; aos eleitores uma renda

mínima de 200 mil réis; aos deputados uma renda de 400 mil réis; e aos senadores uma renda de 800 mil réis (BETHELL, 2001, p. 700).

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Na lista dos Guardas Nacionais de Limeira em 1833, consta o nome de Joaquim Franco de Camargo, então com 50 anos, casado, natural de Atibaia, na ocupação aparece como lavrador. Aliás, dentre os 81 guardas, 24 vinham da vila de Bragança, 10 de Atibaia e 3 de Jundiaí (BUSCH, 1967, 97 a 102).

Representante da Guarda Nacional desde 1833, o cargo concedido ao alferes Franco estava no bojo das medidas descentralizadoras advindas do Ato Adicional de 1834. Estas ações tomadas pelos liberais no anseio de conceder mais poder às reivindicações provinciais redundaram em conflitos pelo poder entre facções dentro das oligarquias rurais. Estes conflitos desencadearam revoltas de cunho federalista e com nuances separatistas, como no caso da Farroupilha (1835-1845) no Rio Grande do Sul, a Cabanagem (1835-1840) no Pará, a Sabinada (1837-1838) na Bahia e a Balaiada (1838-1840) no Maranhão (FERREIRA, 2006, p 45).

O radicalismo das revoltas citadas colocava em xeque a manutenção da unidade nacional sob o jugo dos liberais e suas medidas de 1834. Afinal, a América Espanhola era um exemplo claro de que a fragmentação do Estado brasileiro poderia originar um mosaico de novas nações na América do Sul. Quem partilhava esta opinião era uma força política dissidente dos liberais, os conservadores. Neste grupo estava a oligarquia agrária e comercial do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. ―Foi uma aliança de magistrados, fazendeiros de café e senhores de engenho, de boa formação acadêmica [...] e com considerável experiência de governo‖ (BETHELL, 2001, p. 730).

A polarização entre liberais e conservadores marcará o cenário político do Segundo Reinado. Esta disputa logo produziu efeitos como a queda do regente liberal Padre Feijó e sua substituição pelo senador conservador Pedro de Araújo Lima (futuro Marquês de Olinda), ex- presidente da Câmara e senhor de engenho em Pernambuco. Ter os conservadores significava aproximar o país aos elementos ligados à principal atividade econômica – o café, que estava em crescente exportação – e situados em uma área específica dessa produção, o Rio de Janeiro. A estes indivíduos não era interessante ver o país cingido por rebeliões federalistas e/ou separatistas, sobretudo, pelos distúrbios que tais eventos levavam à produção cafeeira e ao