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O conceito de ―família‖ aqui abordado faz uma clivagem em relação à idéia de família extensa e patriarcal71. As unidades populacionais/residenciais paulistas, os fogos, continham ao mesmo tempo uma diversidade de pessoas e status que nos implicam uma melhor reflexão antes de colocarmos senhores, agregados e escravos no mesmo bojo. De tal modo, pensamos que família liga-se a uma descendência comum e à consangüinidade, ou seja, o casal e sua prole descendente direta do lado paterno – a família nuclear (CAMPOS, 2003, p. 241)72.

Destarte, os Maços de População da vila de Atibaia em 1813 demonstram que, no bairro do Rio Abaixo, o morador do fogo nº 1 era Ignacio Franco de Camargo – o capitão da companhia – e sua esposa Anna Maria da Conceição. Seus 3 filhos eram: Ignacio (16 anos), Joaquim (13 anos) e Izabel (15 anos). No fogo havia 16 escravos. Ocupado como lavrador, Ignacio colheu 1.000 alqueires de milho e 25 de feijão; vendeu 120 capados a Rs. 1$600 na cidade; e tem seu engenho de cana para 50 canadas de aguardente a Rs. 1$820 para vender na terra. Além disso, consta que teve diminuição de sua filha Maria e do enteado Antonio Corrêa,

que se casaram no mesmo bairro, e mais a escrava Thereza que deu de dote (MP ATIBAIA,

1813).

Os documentos de Atibaia para o ano de 1815 atestam o matrimônio (MP ATIBAIA, 1815). No bairro do Rio Abaixo, em que o sogro Ignacio Franco de Camargo ainda era o capitão de ordenanças, residia, no fogo 87, o soldado auxiliar Antonio Corrêa de Lacerda (23 anos) e sua mulher Maria Pires (19 anos), além da filha recém-nascida (1 mês) chamada Anna. Possuíam 2

71 O conceito de família patriarcal de Gilberto Freyre e as apropriações indevidas que dele se fizeram é criticado por Samara

(1981, p. 190).

72Segundo Queiroz (2006, p. 184), há também o conceito de ―parentela‖, que passaria pela formação de alianças entre famílias

nucleares. Estas relações de sentido horizontal serviriam para constituição de grupos de interesse e apoio mútuo, a fim de prestar auxílio em questões econômicas, sociais e políticas. Entretanto, preferimos em nosso trabalho nos valer da idéia de ―família‖, por entender a união dos Franco de Camargo com Corrêa de Lacerda/Lacerda Guimarães levará a constituição de uma nova e única família, que será a dos Lacerda Franco.

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escravos: João (18 anos) e Thereza (16 anos) que fora recebida como dote. Nas ocupações, o lavrador Antonio colheu 100 alqueires de milho e 10 alqueires de feijão.

Teve papel fundamental a união entre Antonio Corrêa de Lacerda e Maria Pires. Antonio, em que pese os enteados serem considerados filhos, não tinha o traço da consangüinidade com os Franco de Camargo, uma das grandes famílias atibaienses. Considerando que no Inventário dos Bens Rústicos de Atibaia para o ano de 1818, a propriedade rural declarada por Antonio advinha de herança e fazia divisa com a de seu sogro Ignacio Franco de Camargo – portanto, fazendo parte do dote que recebeu – é de se admitir o interesse do Corrêa de Lacerda em se unir à Maria Pires.

De outra parte, a endogamia73 exercia papel-chave na seleção dos cônjuges na sociedade colonial paulista. Era fundamental garantir que os herdeiros só se unissem a pessoas do mesmo nível social, pois a manutenção da riqueza adquirida até o momento e o evolver dela no futuro dependeriam de bons genros que administrassem este capital. Neste ponto, o enteado Antonio Corrêa de Lacerda descendia de uma família de tropeiros e conhecia as conexões do comércio paulista. Sobretudo, chegara à casa de Ignacio há 10 anos, vindo com a mãe, tempo que pensamos suficiente para conquistar a confiança do capitão de ordenanças. O casamento de sua filha Maria com o enteado/filho Antonio significava a amalgamação do relacionamento advindo com seu terceiro matrimônio e, ademais, consolidaria a formação de uma nova família: os Franco de Camargo unidos aos Corrêa de Lacerda, o que fortaleceria ambos.

O casamento em São Paulo colonial significava alianças entre famílias e agia como um instrumento essencial à reprodução da sociedade. O funcionamento das regras de aliança – confiança, lealdade, solidariedade – deixa entrever o papel das manipulações sociais sobre a organização do sistema de parentesco. A escolha do cônjuge dentro do mesmo grupo deve ser vista como uma manifestação do sistema social, buscando coerência entre as tensões que nele se produziam (CAMPOS, 2003, p. 152).

Dentre as 246 propriedades atibaienses arroladas no Inventário dos Bens Rústicos (INVENTÁRIO TERRAS ATIBAIA, 1818) em 1818, no bairro do Rio Abaixo constava um terreno de 270 alqueires que era morada do capitão do bairro, o capitão Ignacio Franco de Camargo – que ele possuía por escritura pública – e onde eram empregados 12 escravos de serviço e 9 menores. Contrastando esta fonte com os Maços de População (MP ATIBAIA, 1818) da vila de Atibaia para o mesmo ano, é possível identificar este proprietário como um lavrador

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que colheu 1.000 alqueires de milho; vendeu 600 capados a Rs. 3$000 na cidade; tinha engenho e vendera 50 canadas de aguardente; além de ter negociado 20 crias de sua tropa. Os 21 cativos eram compatíveis à média paulista em 1809; os 270 alqueires ou 1.350.000 braças quadradas situariam o terreno como uma média propriedade e, não havendo uma correlação direta entre o tamanho e a produção nas propriedades açucareiras paulistas, sua produção de apenas 50 canadas de aguardente se explicaria74. O fato de ter tropa se ligava à necessidade de comercializar sua produção de mantimentos e de aguardente na própria vila ou no mercado da vila de São Paulo.

No bairro do Rio Abaixo em 1818, residia também Chrispim da Silva Franco, capitão de ordenanças reformado e lavrador, que com seus 10 escravos colheu 1.000 alqueires de milho e deles vendeu 350 a Rs. $160 na terra; vendeu também 30 capados a Rs. 2$500.

Ainda no mesmo bairro, residia Antonio Corrêa de Lacerda um auxiliar da infantaria, que possuía um terreno de 22,5 alqueires e que era cultivado por 2 escravos. Este terreno divisava para o nascente com o do Capitão Ignacio Franco e nele o lavrador Antonio colhera 500 alqueires de milho e 22 de feijão; e vendera 30 capados a Rs. 2$000 na cidade. A propriedade de Antonio era fruto de herança.

Na vila de Atibaia, mas no bairro do Campo Largo, Joaquim Franco de Camargo (34 anos e natural de Atibaia) possuía um sítio com 72 alqueires. Estas terras não possuíam cultura, sendo campos aonde ele tinha animais, não constando o nome de Joaquim entre os habitantes de Atibaia no ano de 1818. Este ano de 1816 marcou a última vez em que foram encontrados simultaneamente os nomes de Chrispim da Silva Franco, Ignacio Franco de Camargo, Joaquim Franco de Camargo e Antonio Corrêa de Lacerda na lista de habitantes da vila de Atibaia. Ignacio Franco de Camargo e seu pai Chrispim da Silva Franco permaneceriam na vila de Atibaia. Joaquim, na condição de tropeiro, migraria para as terras açucareiras de Mogi Mirim em 1820 e, posteriormente, em 1828, para Limeira, lá levantando grande cabedal baseado na cultura da cana (CRESSONI, 2007, p. 35).

74 Petrone (1968, p. 63 e 72) classifica uma grande propriedade açucareira como possuindo mais de 2.000.000 de braças

quadradas, a média propriedade tendo entre 1.00000 e 2.000.000, e as pequenas com menos de 1.00000 de braças quadradas. Ao tratar de Jundiaí, vila vizinha à Atibaia, a autora encontrou apenas 8 engenhos em grandes propriedades, enquanto havia 18 nas médias propriedades, sendo que a maior produção vinha de uma média propriedade, que nas suas 571.000 braças quadradas produziu 1.760 arrobas de açúcar em 1818. Segundo Petrone (1968, p. 76 e 77) ―Para as condições de São Paulo, acreditamos que o tamanho da propriedade média, de 100.000 a 2.000.000 de braças quadradas, devia ser suficiente para a lavoura da cana estabelecida em bases comerciais‖.

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Quadro 1: GENEALOGIA DOS FRANCO DE CAMARGO-CORRÊA DE LACERDA E FORMAÇÃO DA NOVA FAMÍLIA DOS LACERDA FRANCO: casamento de Ignacio

Franco de Camargo com Anna Maria da Conceição (1803)

Moradores na vila de Atibaia

Moradores na vila de Jundiaí até 1800, quando o Capitão Francisco Corrêa de Lacerda

desaparece

Casam-se no ano de 1803, na vila de Atibaia

Filhos do casamento do Capitão Ignacio Franco de Camargo com Gertrudes Pires

Filhos da união entre o Capitão Francisco Corrêa de Lacerda e Anna Maria da Conceição Francisco Corrêa de Lacerda Anna Maria da Conceição Escolástica Ignacio Corrêa de Lacerda Crispim da Silva Franco Isabel Cardoso da Silveira Ignacio Franco de Camargo Gertrudes Pires Joaquim Franco de Camargo Maria Franco Ignacio Franco de Camargo Anna Maria da Conceição Joaquim Franco de Camargo Maria Franco Antonio Corrêa de Lacerda Jozé AntonioJoão Anna Izabel Joaquim Ignacio Maria Lourenço de Morais Lourenço Franco de Camargo Padre Joaquim Franco de Camargo Antonio Correa de Lacerda Miguel da Silveira Franco Maria Jacintha Franco Rita da Cássia Franco Francisca da Assis Franco José da Silveira Franco Escolástica de Cássia Franco Bento da Silveira Franco Anna Joaquina Franco da Silveira Carolina Amélia de Camargo Cândida Franco de Camargo

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Em 1822, na vila de Atibaia aparecia como morador do bairro do Rio Abaixo, no fogo 1, o capitão de ordenanças Ignacio Franco de Camargo e sua esposa Anna Maria da Conceição. Não mais havia filhos do casal no fogo, mas constava um afilhado, no caso o neto Bento (4 anos), filho do casal Antonio Corrêa Guimarães (genro) e Maria Pires (filha) (MP ATIBAIA, 1822).

A ausência dos pais de Bento indicava que o ciclo deles em Atibaia findara e que a família se movia. Mas, não para muito longe.