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O mundo de meados do século XIX era o resultado do período da Revolução Dual – Industrial e Francesa – que entre 1780 e 1840 lançara as bases econômicas e políticas do capitalismo e do liberalismo. Um dos avanços atingidos pelas mudanças do período foi a criação de um mercado mundial, unindo regiões que, muitas vezes, não eram distantes geograficamente, mas que, em virtude das dificuldades de comunicação, tornavam-se quase que universos paralelos.

Na bibliografia, os parâmetros deste processo são, na maioria, as estatísticas do comércio britânico. Afinal, o imperialismo de livre comércio britânico se deu com a materialização de uma indústria de bens de capital pujante, de uma praça financeira de alcance mundial e de um poderio bélico – sobretudo nos mares - que não deixava dúvidas sobre a hegemonia política e econômica da Grã-Bretanha na maior parte do século XIX (ARRIGHI, 1996, p. 164 e 165).

O fortalecimento do mercado mundial era desejo da indústria britânica desde o início da década de 1840, tempo em que ficava nítido que o mercado interno inglês não seria capaz de absorver toda a produção de suas máquinas – sobretudo têxteis. Era a fase de expansão material da economia inglesa em período inflacionário117 do mundo que foi de 1850 até 1873 – com término das Revoluções Liberais na Europa de 1848, passando pelas descobertas de jazidas de ouro e prata nos Estados Unidos, Chile e Austrália e, findando com a Grande Depressão econômica de 1873 (ARRIGHI, 1996, p. 164).

Com um Império de extensão planetária, que incluía possessões da América à Ásia, era claro o apelo dos ingleses aos cânones do livre comércio. Podendo se valer de várias fontes de

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Landes (1994, p. 241), acerca das tendências longas da economia na era industrial, afirma que há quase que um consenso sobre a periodização: 1790-1817 (inflação); 1817-50 (deflação); 1850-73 (inflação); 1873-96 (deflação); e 1896-1914 (inflação).

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matérias-primas para suas modernas indústrias, a Inglaterra lucrava no capitalismo global em formação inundando o mundo com seus vastos e baratos produtos. Se, aliarmos a isto o fato de grande parte dos governos financiarem suas dívidas e até mesmo suas industrializações com o capital inglês, que buscava oportunidades de investimento no exterior, forma-se uma relação de dependência das outras Nações em relação à Inglaterra que fomentou seu imperialismo de livre comércio.

Pois a economia capitalista mundial, tal como reconstituída sob a hegemonia britânica no século XIX, tanto foi um ―império mundial‖ quanto uma ―economia mundial‖ – um tipo inteiramente novo de império mundial, sem dúvida, mas, ainda assim, um império mundial. O traço mais importante e inédito desse império mundial sui generis foi a ampla utilização que seus grupos dirigentes fizeram de um controle quase monopolista dos meios de pagamento universalmente aceito (a ―moeda mundial‖) para garantir a anuência a suas ordens, não apenas em seus domínios largamente dispersos, mas também por parte dos soberanos e súditos de outros domínios políticos (ARRIGHI, 1996, p. 58).

Entretanto, tamanha integração que propiciou à Grã-Bretanha e aos demais países ampliarem suas redes comerciais em escala global deve-se a alguns inventos que revolucionaram os meios de transportes e as comunicações: ferrovias118, navios a vapor e telégrafos. Havia uma relação de complementaridade entre locomotivas e a navegação: os trens levavam a produção do interior dos países até os portos, donde eram exportados pelos navios ao resto do mundo. Por sua vez, a instalação de cabos telegráficos submarinos fez com que a abrangência das notícias alcançasse um âmbito mundial (HOBSBAWM, 2004, p. 91 a 95).

A economia podia realmente ganhar a alcunha de global. Enquanto no ano de 1848, as exportações da Inglaterra para os mercados da América Central e do Sul fora de 6 milhões libras; em 1872, elas foram de 25 milhões de libras. No cômputo geral, entre 1840 e 1875, o valor do comércio entre britânicos e as regiões mais atrasadas ou remotas do mundo multiplicara-se por seis119. A evolução econômica dos anos 1850-1873 representava o expansionismo da Revolução Industrial Inglesa pelos países da Europa Continental – França, Alemanha e Bélgica – que cresceram entre 5% e 10% ao ano, nas áreas de: extensão das ferrovias, consumo ou produção de

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As ferrovias substituíram os têxteis como marcadores do ritmo industrial, pelas suas relações com a cadeia produtiva do ferro e o carvão, e por ter dinamizado os transportes das mercadorias e das pessoas (HOBSBAWM, 2004, p. 68 e 69).

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Para Hobsbawm (2004, p. 82), as áreas atrasadas ou mais remotas seriam: Turquia e Oriente Médio; América Central e do Sul; Índia; e Australásia.

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carvão mineral, capacidade instalada de geração de energia a vapor, fabricação de ferro-gusa e consumo de algodão cru (LANDES, 1994, p. 201).

Estes futuros concorrentes dos ingleses pelas oportunidades no mercado mundial – que, em termos de conquistas territoriais, redundaria no Neocolonialismo que dividiu o continente africano entre as nações mais desenvolvidas do mundo na segunda metade do XIX – tinham a companhia de uma pujante ex-colônia britânica: os Estados Unidos. Os norte- americanos, em que pese o extremado conflito pela sua Independência em 1776 e 1783, nas décadas iniciais do século XIX também se valeram dos capitais ingleses que migravam pelo mundo e que na ex-colônia assumiam a forma de empréstimos oficiais aos Estados. Os capitais ingleses buscavam ações e títulos de companhias ferroviárias americanas vendidos em Londres coexistindo estes investimentos com o financiamento proporcionado pelos fabricantes de material ferroviário britânicos às companhias norte-americanas (OLIVEIRA, 2003, p. 224)120.

Recorrer ao capital inglês não era exclusividade dos Estados Unidos. O Brasil, desde sua Independência em 1822, tinha consciência do quão importante era encontrar a porta dos Rothschild121 sempre aberta. Durante todo o período Imperial, o país contraiu 17 empréstimos, quase todos negociados com a Casa Rothschild. Aliás, já em 1824, o Brasil buscou auxílio dos capitais britânicos contraindo em Londres um empréstimo de 3 milhões de libras, sendo 2 milhões concedidos pela Casa Rothschild em 1825. Este empréstimo teve como uma de suas motivações o acordo firmado com Portugal no momento de nossa Independência no qual o Brasil se comprometia a pagar uma dívida que os portugueses contraíram no valor de 1 milhão e 400 mil libras, sendo que o Império recebeu 2.999.940 libras e constituiu-se como devedor de 3.686.200 libras (PINTO FERREIRA, 1965, p. 94 e 95).

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Ao mostrar a importância do capital inglês no início da industrialização dos Estados Unidos, de forma alguma queremos negligenciar o papel que o mercado interno e os bancos norte-americanos tiveram neste processo. Pensamos que a associação indústria-banco no processo de desenvolvimento do capitalismo norte-americano se deu, sobretudo, a partir da década de 1870, após a Guerra de Secessão e com a consolidação do mercado leste-oeste.

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Os Rothschild participaram dos negócios mais dinâmicos da época, em especial a indústria têxtil, que florescia em plena Revolução Industrial. O comércio do algodão oriundo da América do Norte para as tecelagens na Grã-Bretanha permitiu que a Casa Rothschild criasse vínculos, através do Atlântico, com a florescente economia estadunidense. Os Rothschilds fizeram grande parte de sua fortuna no fim das guerras napoleónicas, quando tiveram conhecimento da vitória da Inglaterra e lançaram um rumor no mercado que Napoleão ganhara a guerra. Assim, a bolsa caiu quase a zero, e os Rothschild praticamente compraram a economia inteira da Inglaterra. Quando a verdade veio à tona, os Rothschild emergiram como a família mais rica da Europa. Para acompanhar a trajetória dos Rothschild ver LANDES, David (2007). Dinastias: esplendores e infortúnios das grandes famílias empresariais.

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As idas do Brasil ao banco do mundo, como era conhecida a Inglaterra e sua função de emprestador de última instância, não iriam diminuir com o passar das décadas. Entretanto, o empréstimo financeiro não se limitava a ser uma operação de natureza econômica. O elemento fiduciário tinha grande relevância no momento de dizer sim, ou negar o pedido de outrem. O jogo financeiro inglês do século XIX tinha uma regra principal: o padrão ouro-libra. De forma simplificada, e se valendo do ceteris paribus, ao exportar um produto, o agente exportador recebia um pagamento em ouro, que ele deveria levar à casa da moeda para ser cunhado. Por sua vez, quando um importador comprava produtos no exterior, ele deveria pagá-los exportando ouro. Neste modelo, déficits comerciais acarretavam uma perda de ouro que seria corrigida por uma deflação no mercado interno e uma inflação no externo, que estimularia as exportações do país deficitário e, conseqüentemente, a entrada do ouro recebido como pagamento das vendas ao mercado externo, até findar o desequilíbrio comercial (EICHENGREEN, 2000, p. 51).

A consolidação do padrão ouro-libra no mercado financeiro mundial se daria no último quartel do século XIX, quando foi adotado pelas maiores potências imperialistas e o engajamento de seus respectivos bancos centrais pela estabilidade cambial e a conversibilidade de suas moedas um ouro. Era natural que estes países aceitassem a regra adotada pelos ingleses nos fluxos comerciais, pois a Inglaterra era maior potência econômica mundial, comprando produtos de todas as partes do globo que, por sua vez, importavam capitais ingleses (EICHENGREEN, 2000, p. 42).

Entretanto, o que levou o Brasil a ser um dos primeiros países a adotar o padrão ouro- libra, em 11 de setembro de 1846? O império brasileiro era calcado em uma economia mercantil-

escravista cafeeira nacional na metade do século XIX que tinha como elementos fundamentais: a

manutenção do trabalho escravo e sua exploração nas propriedades fundiárias; uma fronteira agrícola aberta que, ao mesmo tempo inibia um mercado de trabalho assalariado e fomentava a formação de grandes propriedades rurais; um produto em expansão no mercado mundial (café); e um setor mercantil nacional que financiava a produção, resumido na figura do comissário (MELLO, 2009, p. 48 e 49).

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Tabela 22: Rendas alfandegárias e o total da receita do Brasil (1830-1850)

Anos

% das rendas alfandegárias cobradas no Rio de Janeiro

sobre o total do Brasil

% do total da rendas alfandegárias sobre o total da receita 1840/1841 58 84 1841/1842 60 82 1842/1843 56 80 1843/1844 54 79 1844/1845 50 78 1845/1846 51 80 1846/1847 49 78 1847/1848 49 78 1848/1849 54 79 1849/1850 49 81 1850/1851 50 82

Fonte: CAVALCANTI, Amaro (1900). Resenha Financeira do ex-Império em 1889. Rio de Janeiro, p. 330 apud BETHELL (2001, p. 745).

Tabela 23: Direitos de Importação e Exportação na Receita Geral do Império (1845-1855) – em réis

ANO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO

1845 12.820:969$061 4.129:897$754 1846 13.334:139$127 3.906:103$107 1847 11.515:041$127 4.118:805$434 1848 15.455:014$299 3.834:369$966 1849 17.429:436$256 3.815:941$825 1850 20.506:637$454 4.718:941$123 1851 24.840:292$032 4.538:306$709 1852 24.758:150$637 4.982:343$536 1853 23.527:067$603 3.833:442$512 1854 23.687:616$134 4.476:455$104 1855 25.485:031$773 4.662:445$594 Fonte: Granziera (1979, p. 157).

Em uma nação tipicamente agrícola do século XIX, como era o Brasil, a economia estava atrelada aos sabores e dissabores da demanda externa pelo gênero comercializado122. Em nosso caso, o café apresentava três características que poderiam afetar o valor de suas vendas no mercado internacional: o tempo de quatro anos que leva a maturação do cafeeiro; a demanda dos

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Entre 1841-1850, os principais produtos da pauta de exportação do Brasil foram: café (41%), açúcar (27%), couros (9%), algodão (7%) e outros produtos (16%) (SINGER, 2006, p. 387).

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mercados consumidores europeus por um gênero de sobremesa que não compunha a cesta básica de alimentos; e possíveis catástrofes naturais (MELLO, 2009, p. 54). Estes fatores davam um caráter oscilatório aos preços do café, uma vez que, aumentos nos preços internacionais levavam não só intensificação da produção brasileira, mas também de seus concorrentes, o que inexoravelmente conduzia às enormes safras e, conseqüentemente, à baixa das cotações – pois a demanda pelo café não acompanhava a produção. O ciclo de preços somente voltava a uma tendência ascendente através de rearranjos produtivos, ou seja, os preços em queda retiravam alguns produtores do mercado e, além disso, serviam como barreira à entrada de novos concorrentes; outra hipótese seria desastres naturais – como as geadas e as secas – nas plantações que diminuiriam as safras e, por conseguinte, levariam à alta dos preços. E, com preços em alta, o ciclo mais uma vez se daria, tendo sido três grandes ciclos de preços do café na segunda metade do XIX: 1857-1868, 1869-1885; e 1886-1906 (DELFIM NETTO, 2009, p. 28).

Por tudo isso, de forma alguma se coloca em questão as crescentes exportações do café brasileiro ao longo do século XIX. O que se busca é realçar a componente de instabilidade presente nesta economia mercantil-escravista. Esta instabilidade refletia-se, por exemplo, na taxa de câmbio, pois na época da safra ocorria um aumento que, passado este período, desvanecia-se, o que se articulava em um jogo manipulado pelos bancos e suas tentativas de privilegiar seus correntistas, os comissários.

As tarifas, concebidas como parcela do valor importado, calculado segundo o câmbio oficial (27 pence por mil réis), eram fixas. Essa característica permitia, então, ao importador, adquirir o papel-moeda, com o qual pagaria as tarifas, quando o câmbio estivesse em baixa, e recolher imediatamente os direitos. Com a subida do câmbio no mercado recuperava-se o poder de compra da moeda brasileira, e as importações, já com os respectivos direitos recolhidos, efetuavam-se com ganhos. Abria-se, assim, aos importadores, vasto campo especulativo, pois, podiam ganhar, com a baixa, pelo menor dispêndio real no pagamento de tarifas, e, com a alta, pela recuperação das cambiais com menor quantidade de moeda brasileira (GRANZIERA, 1979, p. 39).

A instabilidade da taxa cambial, apesar de favorecer alguns grupos dentro da sociedade brasileira – como os importadores – causava, a outros, verdadeira ojeriza. À massa urbana, por exemplo, uma queda cambial se expressaria no aumento de seu custo de vida, pois grande parte dos víveres e manufaturas era importada. Acrescenta-se a esta instabilidade interna

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sua face externa: crises econômicas internacionais poderiam arrastar nossa economia ao desequilíbrio, afinal, dependíamos da demanda externa pelas nossas commodities.

Neste cenário, contar com os capitais de um emprestador de última instância era uma válvula de escape aos momentos agonizantes da economia nacional. O Banco da Inglaterra tinha essa função, assessorado em boa parte pelas grandes casas bancárias inglesas: Baring e Rothschild. Estas grandes casas bancárias inglesas solucionavam a escassez de capitais em países como o Brasil, com um sistema bancário em formação e concentrado, sobretudo, na praça do Rio de Janeiro na metade do XIX.

Os sistemas bancários na periferia eram frágeis e vulneráveis a perturbações que poderiam fazer desmoronar os arranjos financeiros tanto externos como domésticos de um país, especialmente em vista da inexistência de um emprestador de última instância. Uma perda de ouro e de reservas resultava em uma correspondente diminuição nos meios de pagamento, uma vez que não havia um banco central capaz de esterilizar as saídas de metal do país ou mesmo um mercado de bônus ou de descontos onde se pudessem colocar em prática operações de esterilização (EICHENGREEN, 2000, p. 68).

A confiança movia o padrão ouro-libra. Confiança em que os ingleses manteriam a paridade da libra com o ouro. Confiança nos benéficos efeitos dos investimentos de capitais ingleses ao redor do mundo. Ademais, confiança na solidariedade inglesa nos momentos de abalos financeiros em escala global. O Brasil não era diferente e a manutenção de vínculos com os capitais britânicos se dava, desde nossas origens em 1822, através do serviço da dívida externa.

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Tabela 24: Dívida Externa no Império (1824-1889) – em cruzeiros-ouro123

Decênios

Saldo médio em circulação das dívidas externas em ouro 1824-1829 16.326.500,00 1830-1839 19.466.300,00 1840-1849 38.834.900,00 1850-1859 51.309.100,00 1860-1869 91.570.600,00 1870-1879 144.759.400,00 1880-1889 180.829.900,00

Fonte: Pinto Ferreira (1965, p. 45).

Rui Granziera (1979, p. 34) é taxativo ao dizer que “O serviço externo da dívida

contraída nunca chegou a parcelas significativas do volume das exportações, tanto até 1850, quanto nos 20 anos posteriores. Até 1850 ele chega a ser mesmo irrisório [...]”. Contudo, não é

no volume da dívida que focamos, mas na busca constante dos capitais externos que dá um caráter perene à dívida externa brasileira no Império.

O compromisso assumido pelo Brasil em 1846, a adesão ao padrão ouro-libra, se de todo não explica a relação entre capitais ingleses e a economia nacional, ao menos embasa a hipótese da confiança britânica na manutenção da paridade da moeda nacional – 27 pence a cada um mil réis (Rs. 1$000) – e na solvência dos empréstimos brasileiros. De nosso lado, a necessidade de se inserir nos ditames da economia internacional era fundamental, pois dependíamos dos fluxos de capitais externos para viabilizarmos nossas exportações (NOZAKI, 2009, p. 12).

Objetivamente, foram três os efeitos de nossa adesão precoce ao padrão ouro-libra: 1) o Brasil passou a ser destino dos capitais externos que financiaram boa parte de nossa infra- estrutura; 2) fomentou uma atividade especulativa que resultou na criação de várias sociedades anônimas (como ferrovias e companhias de navegação); 3) deu o impulso à formação de um

123 A unidade de medida utilizada foi a mesma da fonte, neste caso, o cruzeiro-ouro. Pensamos não invalidar a análise, afinal, o

que se busca é ver que a dívida teve um aumento, indicando os constantes empréstimos tomados no exterior, independentemente de o volume desse aumento ter sido maior, por exemplo, em mil-réis.

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sistema bancário, mesmo que concentrado na praça carioca e com foco na emissão de notas bancárias sem lastro (ALMEIDA, 2010, p. 20).

As decorrências acima podem ser tidas como benéficas. Todavia, estar enredado na teia de relações econômicas internacionais do padrão ouro-libra também imputava alguns efeitos colaterais, em caso de crises no sistema.

Mas, mesmo no plano internacional de negócios, a unificação não era uma vantagem indiscutível. Afinal, ela criava uma economia mundial onde todas as partes eram de tal modo dependentes umas das outras que um empurrão numa delas ameaçava inevitavelmente pôr todas as outras em movimento. Disto era ilustração clássica a crise internacional (HOBSBAWM, 2004, p. 103).

O padrão ouro-libra tinha como um de seus pressupostos a confiança nas atitudes de governos e bancos centrais em relação à paridade de suas moedas nacionais. Declínios na confiabilidade das práticas bancárias poderiam afetar os correntistas destes bancos, na medida em que desconfiassem que a instituição financeira não seria capaz de fornecer lastro ao meio circulante, ou seja, que os bancos, ao lidar com os capitais de vários depositantes, conservasse apenas parte deles em caixa. Se, impulsionados pela desconfiança, os depositantes corressem aos bancos para resgatar seus depósitos provavelmente haveria uma crise de liquidez (EICHENGREEN, 2000, p. 64).

O estopim destas crises geralmente vinha da economia real. Todo o arcabouço institucional do padrão ouro-libra talvez não fosse viável sem as descobertas de jazidas auríferas na Califórnia e na Austrália a partir de 1849-1850. No caso norte-americano, a localização do ouro induziu ao desbravamento e colonização de sua costa oeste, cabendo ao colonizador superar barreiras geográficas e humanas – como os índios cherokees – para atingir o local de seu possível eldorado na América.

A construção de toda uma infra-estrutura que articulasse o território dos Estados Unidos era algo premente, sobretudo as ferrovias. Grande parte desta infra-estrutura se fez a base de importações de bens de capital, o que resultou na diminuição das reservas norte-americanas de ouro, fragilizando o sistema financeiro dos Estados Unidos. Toda esta fragilidade financeira teve seu tipping point em agosto de 1857, com a falência da Ohio Life Insurance & Trust Company, casa bancária baseada em Ohio e com filial em Nova York, que trabalhava com hipotecas e tinha

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ligações com diversos bancos, além de ativos superiores a 5 milhões de dólares investidos em ferrovias (ALMEIDA, 2010, p. 6 a 10). A quebra desta casa bancária gerou o pânico de 1857, uma vez que os bancos que com ela tinham negócios estavam à mercê dos efeitos da falência, e redundou na provável primeira crise econômica mundial do tipo moderno, com fortes repercussões fora dos Estados Unidos, como no caso da Europa (145 casas bancárias quebraram) e América do Sul(HOBSBAWM, 2001, p. 104).

No Brasil, a crise econômica de 1857 foi sentida através da exigência dos credores europeus e norte-americanos, reflexo de seus compromissos assumidos nos países de origem, para que os devedores brasileiros saldassem seus débitos imediatamente, o que implicou no escoamento do estoque nacional de ouro. Este cenário se agravou devido à queda dos preços internacionais das commodities, pois menos ouro entrava em nosso mercado e saldar nossas dívidas com mercadorias não era suficiente devido às menores cotações (CALÓGERAS, 1960, p. 110 e 111).

A drenagem de nosso ouro para pagar credores externos implicava na desvalorização cambial, efeito que ia de encontro aos ditames do padrão ouro-libra. A atitude dos gabinetes conservadores – Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda) em 1857) com seu ministro da Economia Bernardo de Souza Franco e, em 1858 Antonio Paulino Limpo de Abreu (Visconde Abaeté), que teve como ministro da Economia a figura de Salles Torres Homem – era conter a desvalorização cambial, impedir a fuga de capitais e a conseqüente desmonetização da economia nacional, dentro de um princípio metalista. Para tanto, um dos expedientes foi a tomada de empréstimos externos, sendo que o Banco do Brasil levantou junto aos Rothschild a quantia de 600.000 libras, o típico emprestador de última instância. Além deste, ainda em 1858, o Brasil