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2.4 – O duplo viés da produção paulista de mantimentos: interno e externo

MANDIOCA TOUCINHO TABACO ALGODÃO OVINOS Vale do Paraíba 34,1 73,2 43,7 13,4 11,

Região da Capital 20,4 3,8 56,1 8,8 Oeste Paulista 5,5 33,1 20,8 35,6 Caminho do Sul 21,7 26,8 14,9 9,7 44,5 Litoral 18,2 4,4 TOTAL 100 100 100 100 100

Fonte: Luna; Klein (2005, p. 113).

Na economia açucareira paulista da primeira metade do século XIX, a produção de gêneros alimentícios teve grande destaque. Podemos aferir o crescimento da produção de alimentos em função de uma maior demanda originada pelo aumento da população da Província, sendo que esta elevação demográfica tinha raízes também na elevação do nível de vida de uma

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sociedade apoiada na exportação de um gênero de boa aceitação externa, o açúcar, nos dividendos por ele gerados através de sua exportação e nas condições exigidas ao seu comércio: muares para transportar o açúcar até Santos, milho para alimentar as tropas e seus condutores, além dos que trabalhavam nas lavouras.

Na análise da produção de milho pela província de São Paulo fica evidente uma relação positiva entre a agricultura de alimentos e as culturas de exportação. Açúcar e café não tiveram suas expansões apoiadas na exclusão do cultivo de milho, arroz ou feijão. Pelo contrário, o modo de produção das culturas de exportação foi adentrando às lavouras de alimentos: o uso de mão-de-obra escrava também passou a ser comum nas unidades agrícolas paulistas voltadas ao abastecimento do mercado interno (LUNA; KLEIN, 2005, p. 107 e 108).

Em que pese a historiografia consagrar a idéia do latifúndio monocultor, em São Paulo regiões como Oeste Paulista e Vale do Paraíba, que tinham as maiores produções de açúcar e café respectivamente em 1836, também tinham importante produção de gêneros alimentícios. Estas unidades agrícolas açucareiras e cafeicultoras se valiam da mão-de-obra escrava no trato da principal atividade que visava à exportação, mas também impeliam seus cativos à cultura de mantimentos.

Entretanto, havia exceções ao modelo apontado acima. A vila paulista de Cunha, situada no Vale do Paraíba, tinha forte produção de milho, entre 1804 e 1835, apoiada, em sua maioria, na utilização do trabalho escravo. No período em questão não se registrou produção de açúcar e café, sendo que veio da cultura de alimentos a base para o incremento do número de escravos em Cunha, pois no ano de 1829, dentre os 3.375 habitantes havia 1.549 cativos. Mais de 80% dos cativos eram empregados na agricultura, sendo que, em 1835, 47% em plantéis de 11 a 20 cativos – plantéis médios. Cunha exemplifica uma especificação dentro de uma economia exportadora: uma vila voltada à produção de alimentos ao mercado interno e que retirou desta atividade os capitais necessários à aquisição de sua mão-de-obra (LUNA: KLEIN, 2005, p. 110 a 117).

O exemplo da vila Paulista de Cunha pode ser considerado excepcional sob o prisma de uma localidade voltada exclusivamente ao atendimento de uma demanda interna que se valia do trabalho escravo. Entretanto, a realidade desta vila se alia ao quadro da produção de alimentos

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das áreas do Rio de Janeiro. Com uma forte produção de açúcar baseada no intenso uso do trabalho escravo40, as unidades agrícolas fluminenses demonstravam uma característica: a produção de alimentos vinha prioritariamente de áreas que não eram voltadas aos produtos de exportação. Por exemplo, Campos, com seus 168 engenhos e 5.066 escravos em 1788, era o maior produtor de açúcar fluminense, mas, ao mesmo tempo, produzia 46.067 alqueires de alimentos – arroz, farinha, milho e feijão – o que se traduzia em uma produção per capita de somente 9,1 alqueires de alimentos. Em contrapartida, no mesmo ano, Inhomirim, com seus 6 engenhos e 2.760 cativos, teve a menor produção de açúcar entre as áreas fluminenses, ao passo que produziu 43.560 alqueires de alimentos, o equivalente a uma produção per capita de 203,6 alqueires de alimentos (FRAGOSO, 1998, p. 100 a 102).

O modelo apresentado pelas fazendas fluminenses dista do exibido por oito importantes vilas de São Paulo entre 1816 e 183641. Devido ao fácil cultivo, baixos investimentos e safras anuais, o milho era plantado em toda a província de São Paulo. As grandes fazendas, por exemplo, açucareiras o cultivavam para a subsistência de seus trabalhadores e do gado. Ademais, sua ampla procura tornava simples a comercialização, o que pode ter gerado os capitais que sustentaram a implantação dos cafezais em algumas vilas paulistas enquanto os cafeeiros não começavam sua produção (LUNA; KLEIN, 2005, p. 125).

Na amostra da produção de milho nestas oito vilas paulistas, nelas havia mais de 2.000 agricultores que produziram 12.500 toneladas de milho. Destes produtores, cerca de 40% eram escravistas e responderam por 80% da produção total. Em 1836, os escravistas – 916 agricultores – produziram 10.184 toneladas de milho (81%), enquanto aos agricultores sem escravos – 1.341 agricultores – couberam 2.375 toneladas (19%). Os plantéis com média de 12 cativos predominavam, mas colocava-se a razão entre o número de escravos e o tamanho da produção, pois 20% (453) dos escravistas possuíam plantéis de 1 a 5 cativos que produziram 2.046 (16%) toneladas de milho, ao mesmo tempo em que 2,2% (50) de grandes escravistas

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Em 1796, os principais portos brasileiros exportaram um total de 1.688.431 arrobas de açúcar, sendo que do porto do Rio de Janeiro saíram 475.672 arrobas (28% do total), ficando atrás somente da Bahia que exportou 676.163 arrobas (40% do total) e de Pernambuco que exportou 502.538 arrobas de açúcar (30% do total). O açúcar paulista saído de Santos totalizou 11.817 arrobas (0,7% do total) (ARRUDA, 1980, p. 360). Na produção de açúcar fluminense no ano de 1778, enquanto 145 engenhos possuíam plantéis com até 20 cativos e concentravam 1.651 cativos (14,1% do total), no outro extremo estavam os 178 engenhos com plantéis maiores que 20 cativos e que concentravam 9.972 cativos (85,9% do total). Quanto aos 10 maiores engenhos, estes tinham 26,8% dos cativos em plantéis com mais de 100 cativos (FRAGOSO, 1998, p. 95).

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detentores de plantéis acima de 41 cativos responderam por 2.449 (19%) toneladas do milho nas oito localidades (LUNA; KLEIN, 2005, p. 131 a 133).

A produção de gêneros alimentícios na província de São Paulo da primeira metade do XIX mostrou um inter-relacionamento fundamental na associação com a principal atividade de então, a produção de açúcar. Os escravos trazidos para laborar nos engenhos passaram a fazer parte das lavouras paulistas de mantimentos, sendo que estes produtores de alimentos escravistas produziam em média 11 toneladas por unidade agrícola, produtividade 6 vezes maior do que a encontrada nas lavouras que não utilizavam escravos. Esta realidade do trabalho escravo na produção de alimentos também foi verificada na lavoura do arroz paulista (LUNA; KLEIN, 2005, p. 123).

Portanto, é possível assertar que há uma relação cronológica na economia paulista da primeira metade do século XIX. A passagem de São Paulo de uma região fornecedora de gêneros alimentícios às Gerais a uma economia com viés exportador assentou-se em três pontos fundamentais: 1) a ascensão do cultivo de um gênero de exportação com amplo mercado mundial, o açúcar; 2) a expansão do comércio de animais e dos serviços de transporte; e 3) o fortalecimento da lavoura de mantimentos. Esta passagem pode ser melhor detalhada pela análise da trajetória das localidades e de seus indivíduos.

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3 – RUMO À FRONTEIRA: VILAS PAULISTAS E MIGRAÇÃO