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2.2 Os Programas de Transferência Condicionada de Renda na América

2.2.3 Argentina: Programas Nacionais de Transferência de Renda

Em 2002, mediante o decreto 565/02 implementou-se em todo o território argentino, o Programa Jefas y Jefes de hogar desocupados (PJJHD), com o objetivo de promover a empregabilidade, a cultura do trabalho e a inserção do trabalho, ou

seja, dar apoio monetário às famílias cujo chefe de família se encontrava desempregado. Esse programa se destacava pela amplitude dos gastos, pela quantidade de beneficiários e por ser o único a destinar-se exclusivamente a pessoas que estão em situação de desemprego e por apresentar, nas suas condicionalidades, atividades de inserção produtiva.

É importante destacar que no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a Argentina enfrentou diversos problemas econômicos e sociais. Entre 2001 e 2002, o país foi atingido por uma forte depressão, o que leva a um aumento acentuado dos indicadores sociais de pobreza, sendo que, no final de 2002, atingiu mais de metade da população. Diante da crise econômica e dos conflitos sociais, o governo anunciou uma série de programas sociais de caráter emergencial, como os programas voltados à nutrição, à maternidade infantil e programa de solidariedade na educação. Esse momento foi considerado o marco de inflexão para as preocupações com o combate a pobreza.

Esses programas sociais não são pioneiros, pois a Argentina contava com políticas assistenciais bem antigas, como o sistema de pensões, assistência familiar e seguro desemprego. Porém, os programas assistências existentes não eram mais suficientes para resolver os problemas da população, uma vez que a maioria dos trabalhadores não estava inserida no mercado formal de trabalho. Assim, diferentemente dos programas mais antigos, cujo foco era as pessoas que se encontravam no mercado formal de trabalho, os programas atuais são direcionados a atender a população excluída e em situação de vulnerabilidade.

De acordo com Cruces, Epele e Guardia (2008), o PJJHD era semelhante aos demais PTCRs da América Latina. A finalidade do programa era garantir uma renda mensal de $ 150 pesos argentinos (US$ 45 aproximadamente)11 às famílias que não ultrapassassem o nível de renda indicado e comprovassem ter pelo menos um filho de até 18 anos ou incapacitado, independente da idade. Além dessa transferência monetária, também garantia uma renda mensal à própria beneficiária ou à esposa do beneficiário que se encontrasse grávida no momento da inscrição. Porém, Para receber o benefício, fazia-se necessário o cumprimento de condicionalidades tanto nas áreas de saúde quanto de educação. Assim sendo, os filhos das famílias

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Valores referentes à média anual de 2002, ano de criação do programa (BANCO CENTRAL DA ARGENTINA).

beneficiárias deveriam cumprir o calendário de vacinação obrigatório, sendo que as crianças em idade escolar deveriam frequentar a escola regularmente. Já as pessoas com mais de 60 anos, deveriam comprovar que estavam desempregadas e não receber benefícios de pensão. Assim, como nos demais programas mencionados anteriormente, o recebimento do benefício estava vinculado às contrapartidas.

Entre 2001 e 2002, o impacto das crises impulsionou ainda mais os problemas trabalhistas e sociais. Conforme documento realizado por Golbert (2004), publicado pela CEPAL, a taxa de desemprego aberto teve um acréscimo nesse período, passou de 18,4% para 21,5% no primeiro trimestre de 2002. O desemprego cresceu cerca de 17% afetando principalmente, os homens chefes de famílias. A cesta básica de alimentos também teve um acréscimo de aproximadamente 34%, em contrapartida, os salários nominais permaneceram constantes. Já em outubro de 2002, a taxa de pobreza atingiu 54,3% da população, ou seja, mais da metade da população era considerada pobre. A taxa de extrema pobreza também aumentou, passando de 3% em outubro de 1991 para 13,6% no mesmo período do ano seguinte, atingindo 24,7% em maio de 2002. A partir do segundo semestre de 2003, com a implementação do PJJHD, o primeiro plano de transferência de renda, o cenário começa a se inverter.

Entre o segundo semestre de 2003 e o segundo semestre de 2005, segundo o relatório feito por Cruces, Epele e Guardia (2008), os índices de extrema pobreza caíram quase pela metade, passando de 20,5% para 12,2% e o de pobreza caiu de 47,8% para 33,8%. Ainda de acordo com os autores, entre 2002 e 2006, aproximadamente 9 milhões de pessoas saíram da pobreza. Dessa forma, os esforços do governo argentino deram resultados positivos, nesse período a Argentina foi um dos países da América Latina que obteve êxito no combate a pobreza.

O PJJHD era de caráter emergencial, com duração prevista para menos de um ano, cuja finalização deveria ocorrer em dezembro de 2002. No entanto, foi prorrogado em três outras oportunidades. Com o governo do Presidente Néstor Kirchner (2003-2007), adotou-se uma estratégia de saída do programa, mediante a implantação de dois novos programas. O primeiro, com foco nas famílias mais

vulneráveis, o Programa Familias por la Inclusión Social (Plan Familias) do Ministério do Desenvolvimento Social, apresentava transferência de rendas condicionadas nas áreas de saúde e educação. Já o segundo, Seguro de capacitación y empleo (SCyE), na esfera do Ministério do Trabalho, Emprego e Seguridade Social, visava oferecer capacitação as pessoas desempregadas e apoio para aqueles com menos dificuldades para a reintegração no mercado de trabalho.

O governo ao criar tais programas, segundo Cruces, Epele e Guardia (2008) se aproximou de uma política de rendimento, independente da situação econômica. Entretanto, apesar dos programas refletirem uma vontade de superar os problemas, os mesmos apresentavam limitações. Pelo menos, até abril de 2008, só incorporaram beneficiários do programa anterior. Dessa maneira, excluindo uma grande parcela de pessoas que se enquadrariam nas exigências, mantendo assim, um alto índice de vulnerabilidade.

O Programa Plan Familias foi implementado em 2005 pelo Ministério do Desenvolvimento Social, com objetivo de promover a proteção e a inclusão social das famílias em situação de extrema pobreza e que apresentassem problemas na área de saúde, educação e desenvolvimento das capacidades técnicas, permitindo assim, o exercício dos direitos básicos. Esse programa incorporou os diversos programas sociais existentes no país e englobou principalmente, o programa de transferência de renda de maior expressão, o Jefas y Jefes de hogar desocupados.

Em 2007, em sua primeira etapa, o programa alcançou cerca de 500 mil beneficiários, distribuídos nos 416 municípios mais vulneráveis do país, porém a meta era atingir 700 mil famílias até o final de 2009. O benefício era cedido ao chefe de família, principalmente à mulher, que apresentava um nível educacional inferior ao segundo grau completo e que possuísse mais de dois filhos com idade inferior a 19 anos ou com deficiência independente da idade. O valor da transferência mensal por família era de $ 155,00 pesos argentinos, com uma variação de $ 30,00 pesos argentinos por criança, atingindo um teto máximo de $ 305,00 pesos argentinos para as famílias com até 6 filhos. Caso a família possuísse mais de 6 filhos menores poderia solicitar uma pensão não contributiva. Além do benefício já mencionado, bolsa de estudos era ofertada no valor de $ 50,00 pesos mensais aos estudantes

para completar seus estudos e promover sua formação profissional, desde que o mesmo realizasse atividade extraclasse em centros comunitários.

O recebimento do benefício estava atrelado ao cumprimento das condicionalidades relacionadas à educação e saúde. Os beneficiários deveriam estar com a carteira de vacinação das crianças em dia, as mulheres grávidas fazer os exames de controle de pré-natal e as crianças, apresentar regularidade escolar, sendo que essas condições eram verificadas duas vezes por ano.

Segundo Boyadijan (2009), dentre os programas de transferência condicionada de renda na América Latina, a Argentina se destacava por ter o benefício com maior valor pago aos beneficiários e que permitia um maior número de filhos na família beneficiária.

O Plan Familias apresentava diferenças em relação ao programa antecessor, o Jefas y Jefes de hogar desocupados. O Plan Familias era extremamente focalizado e o ingresso da família era definido de acordo com a renda, sendo que o controle ficava sob a responsabilidade dos postos de saúde e das escolas. Já o

PJJHD era voltado para a empregabilidade, isto é, a inserção do beneficiário no

mercado de trabalho, sendo que a condicionalidade estava no cumprimento de atividades de inserção produtiva e o valor do benefício era maior para as famílias que se encontravam em situação de extrema pobreza. As principais diferenças entre os planos, segundo Boyadijan (2009), eram os valores dos benefícios, a composição familiar, a contrapartida exigida pelo governo e a focalização dos programas.

Apesar de sua eficácia, o Plan Familias recebeu críticas em relação ao critério que o governo adotou para determinar quais pessoas estavam desempregadas, quais seriam capazes de ingressar no mercado de trabalho e quais não seriam.

Em 2009, durante o governo de Cristina Fernandez de Kirchner mediante o Decreto 1602/09 foi criado o Asignación Universal por Hijo para Protección Social (AUHPS). Segundo Marques (2013), com essa ação, a responsabilidade da proteção social retornou ao poder do Estado. Ao contrário de outras transferências monetárias que se enquadram como um programa de proteção social, o AUHPS se configura como um direito social, pois é decorrente da universalização da Asignación

adolescentes, cujos pais são trabalhadores informais ou desempregados, como evidência Marques (2013).

O AUHPS consiste de um benefício pago às crianças e adolescentes menores de 18 anos, residentes no país, ou incapacitados sem limite de idade, que sejam argentinos nativos ou naturalizados ou com residência legal no país mínimo de 3 anos, que pertençam a famílias cujos pais se encontram desempregado, exerçam atividade doméstica ou exerçam atividade na economia informal. No caso dos desempregados, não podem estar recebendo o seguro desemprego e, no caso dos dois últimos, a remuneração não pode ser superior a um salário mínimo (MARQUES, 2013, p.306).

Assim, o AUHPS tem o objetivo de melhorar a situação das crianças e dos adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade. Ainda segundo Marques (2013), com essa medida, a presidente Cristina Fernandez de Kirchner ampliou a cobertura da alocação por filho, de modo que passou a existir simultaneamente dois subsistemas de Asignación Universal por Hijo, sendo um contributivo para os trabalhadores do mercado formal (que já existia) e outro não contributivo, resultante do Decreto 1602/09.

Dentre os benefícios oferecidos, o subsistema contributivo concede ao trabalhador da economia formal um pagamento mensal por filho com idade inferior a 18 anos, sendo que o valor do benefício depende da faixa de remuneração em que o trabalhador se encaixa. Em maio de 2010, havia três faixas de remuneração, os trabalhadores com remuneração entre 100 e 2.400 pesos recebem um benefício mensal de ARS $ 180 (US$ 47)12 por filho, remuneração entre 2.400,01 e 3.600 pesos recebem ARS $ 136 (US$ 35), já os trabalhadores com remuneração entre 3.600,01 e 4.800 recebem um valor mensal de ARS $ 91 (US$ 24). Remunerações que excedam ARS $ 4.800 não têm direito ao benefício. O benefício é custeado pelos recursos das contribuições patronais, esse valor segundo Marques (2013) corresponde a 7,5% do total das remunerações dos trabalhadores.

Já o subsistema não contributivo consiste em um benefício mensal de ARS $ 180,00 por filho, com um limite máximo de cinco filhos por beneficiário. O pagamento

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Valores referentes à cotação média do dólar no mês de criação do programa, novembro/2009 (BANCO CENTRAL DA ARGENTINA).

é feito da seguinte forma: 80% são pagos diretamente e os 20% restante são depositados em uma conta, podendo ser retirados mediante a comprovação da frequência escolar da criança e/ou adolescente e o cumprimento do calendário de vacinação e os demais controles de saúde determinados pelo Ministério da Saúde.

Esse programa é financiando com recursos da Administración Nacional de la

Seguridad Social (ANSES), sendo previsto recursos adicionais da rentabilidade

anual do Fundo de Garantia de Sustentabilidade do Sistema Integrado Provisional Argentino.

Segundo as estimativas feitas pela ANSES realizadas no terceiro trimestre de 2009, o AUHPS reduziu em 30% a pobreza e 55% os níveis de indigência, de modo que a pobreza caiu de 13,9% para 9,7% e extrema pobreza de 4,0% para 1,9%, sendo que na Grande Buenos Aires, a pobreza foi de 32,6% e a extrema pobreza, 68,4%, (MARQUES, 2013, p. 307).

O AUHPS chama a atenção pela quantidade de beneficiários e pelos efeitos positivos em longo prazo, resultante das condicionalidades nas áreas de saúde e educação. Em março de 2010, o programa cobria mais de 3,5 milhões de beneficiários, dos quais 49% são do sexo feminino e 51% são do sexo masculino. Assim, por visar uma distribuição de renda mais igualitária e por dar ênfase à inclusão social, com redução da informalidade e do desemprego, é considerado um dos programas mais ambiciosos implantados na Argentina (MARQUES, 2013; CALABRIA et al, 2010).