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2.2 Os Programas de Transferência Condicionada de Renda na América

2.2.4 O Programa Juntos (Peru)

O governo peruano lançou em 2005, o PTCR, Programa Nacional de Apoyo

Directo a los más pobres denominado “Juntos”. Inicialmente, o programa cobria

cerca de 32.000 famílias distribuído em 110 municípios, mas a meta é atingir aproximadamente 500.000 famílias em 638 municípios, com foco na redução da pobreza e desenvolvimento do capital humano.

O programa visa melhorar a qualidade de vida, desenvolvendo o capital humano através da promoção de saúde, educação e alimentação, tendo como base a responsabilidade compartilhada entre as famílias beneficiárias, serviços de saúde e serviços de educação. Contudo, o programa tem enfrentado alguns desafios. O Projeto de Assistência Técnica “Juntos por La Nutrición”, segundo Perova e Vakis (2011), apresentou dificuldades de natureza institucional, técnica e setorial. Esse programa é promovido pelo Banco Mundial.

Em 2008, na tentativa de redesenhar o programa, foi realizada uma ação conjunta entre o programa, el equipo de Presupuesto por Resultados-MEF, el

Comisión Interministerial de Asuntos Sociales (CIAS), el Ministerio de Salud, el Sistema Integrado de Salud e o Banco Mundial. Essa ação, segundo Perova e Vakis

(2011), gerou um modelo de gestão embasado no regime institucional vigente, resultando uma série de processos que fortaleceram o programa. Apesar de o programa apresentar algumas deficiências nos primeiros anos de sua implementação, quanto à concepção, implementação e gestão, hoje a experiência do programa serve de modelo para implementação de outros programas sociais.

O programa “Juntos” tem dois grandes objetivos, um no curto prazo, voltado para redução da pobreza, mediante uma transferência de renda para as famílias e, outro no longo prazo, interromper a pobreza intergeracional, por meio do acesso aos serviços de saúde e educação. O valor da transferência monetária tem sido uma constante desde sua criação. Até 2009, as famílias selecionadas recebiam 100 soles mensais, a partir de início de 2010, passaram a receber 200 soles bimestralmente. Para receber tal benefício, as famílias devem participar de programas sociais em saúde, alimentação, educação e desenvolvimento do cidadão, sendo que esses requisitos variam de acordo com a idade e o gênero dos beneficiários. No entanto, o

programa é diferente de outros PTRCs da América Latina, pois o benefício consiste em um valor global, independente do número de filhos.

Assim, na área de saúde, as mulheres grávidas devem fazer o acompanhamento do pré-natal e as crianças menores de cinco anos devem fazer o controle de crescimento e desenvolvimento e estar com o calendário de vacinação em dia. Já na área de educação, as crianças entre 6 e 14 anos devem ter pelo menos 85% de frequência dos dias letivos.

O programa pretende atender as famílias que se encontram em situação de pobreza e extrema pobreza nos municípios classificados para receber investimentos sociais. Os municípios foram selecionados entre 2005 e 2007. Dada a prioridade em melhorar os indicadores sociais, o programa é predominantemente rural, diferentemente dos outros programas de proteção social abordado anteriormente neste trabalho.

A seleção das famílias ocorre em três estágios: no primeiro, selecionam os municípios de acordo com o nível de pobreza, a taxa de desnutrição crônica das crianças, a presença de extrema pobreza, o percentual de domicílios expostos à violência política e necessidades básicas. A partir desses fatores, cria-se um indicador de focalização geográfica. O segundo estágio, é feito com base nos dados do censo dos municípios realizado pelo Instituto de Estatística. Com base nos dados, são identificadas as famílias que se encontram em situação de pobreza, sendo o público alvo do programa, as famílias com filhos menores de 14 anos e as mulheres grávidas. Por fim, a validação da comunidade, para reduzir os erros tanto de inclusão quanto de exclusão de beneficiários. Essa validação é feita com representantes de membros das comunidades, autoridades locais e representantes do ministério da saúde e da educação.

Antes da implementação do Programa Juntos, aproximadamente 48,7% da população peruana vivia em situação de pobreza, quase metade deles se encontrava em situação de extrema pobreza. Após o programa, esse cenário se modificou. Para Jaramillo e Sánchez (2012), o Programa Juntos apresenta impactos positivos na redução da desnutrição alimentar. Para esses autores, a desnutrição crônica passou de 28,5% em 2007 para 23,2% em 2010.

Em 2011, a International Health Group E.I.R.L., sob a coordenação de Gualberto Segovia Meza elaborou um estudo com objetivo de analisar os efeitos do Programa Juntos na economia local do país. De acordo com os dados oficiais divulgados pelo documento, em 2007, o programa atendia 336.555 famílias em 625 municípios, aproximadamente 1.700.000 de peruanos beneficiários. Já em 2010, esse número ampliou para 420.000 famílias atendidas. Segundo o estudo, os resultados favorecem um cenário de desenvolvimento econômico local, pois as transferências monetárias estão desenvolvendo atividades produtivas locais, com criação de postos de vendas tanto de produtos alimentícios quanto não alimentícios, causando uma transformação na economia de determinadas comunidades do país. Além desta mudança, observou-se uma preocupação maior entre os beneficiários em relação aos cuidados com as crianças, tais como, educação, saúde e alimentação. Ainda segundo o estudo, entre 2009 e 2010, houve uma redução da pobreza tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. Nas áreas urbanas, a pobreza saiu de 21,1% para 19,1%. Já nas áreas rurais, passou de 60,3% para 54,2%.

O PNUD em parceria com o Programa Juntos promoveu em 2010, o projeto

Desarrollo de las Capacidades Humanas, que estudou a contribuição das

experiências de vivências locais de mulheres, comunidade e gestores no processo de construção de capital social, em virtude da presença do programa na vida destes agentes sociais. Os resultados apontam que tais agentes têm contribuído para a melhoria da qualidade de vida das famílias mais pobres através do acesso dos serviços de saúde, educação e alimentação. As famílias em situação de pobreza retratam mudanças como resultado de novos conhecimentos adquiridos, incorporação de práticas alternativas econômicas, percepções de sua própria capacidade e competências e a esperança de um futuro melhor para os seus filhos. Também, evidencia-se um fortalecimento do compromisso entre o Estado e a sociedade para melhorar a qualidade dos serviços públicos. Dessa forma, o programa tem contribuído com o principio de igualdade e inclusão social para todos os peruanos. Isto é, com o objetivo de quebrar a transmissão intergeracional de pobreza.

A partir do exposto foi possível analisar os programas de transferência de renda de determinados países da América Latina, mais especificamente, México, Chile, Argentina e Peru, sintetizados (Quadro 2).

País Programa Ano Objetivo Benefícios Condicionalidades Abrangência México México: Progressa/Oportunidades (1997) 1997 Melhorar o desenvolvimento humano das pessoas mais pobres

Várias modalidades: $ 189 por família para compra de alimentos; $ 250 por idoso; Bolsa de estudo de $ 120 a $ 760, com limite de $ 1.855 por família (pesos) Educação: 85% de frequência escolar das crianças; Saúde: cuidados com a saúde 6,5 milhões de famílias (2012)

Chile Chile: Chile Solidário 2002 Superação da pobreza e da extrema pobreza

Benefício bimestral varia entre US$ 12 e US$ 24; Bônus de saída US$ 13,8

Saúde, educação, dinâmica familiar, habitação, emprego e renda. 332.995 famílias (2008), equivalente a 6,8% da população. Argentina Jefas y Jefes de hogar

desocupados (PJJHD)

2002 Apoio monetário as famílias pobres, cujo chefe de família está desempregado

$ 150 pesos Frequência escolar e cuidados com a saúde

757.505 beneficiários (2007) Argentina Plan Famílias 2005 Subsídio monetário e

inclusão social das famílias mais pobres

$ 155 pesos por família com limite máximo de $ 305 pesos por família

Frequência escolar e cuidados com a saúde

500 mil famílias (2007)

Argentina Argentina: Asignación Universal por Hijo para Protección Social

(AUHPS)

2009 Melhorar a situação das crianças e dos adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade Três faixas de remuneração: Entre 100 e 2.400 pesos – benefício de ARS $ 180; Entre 2400,01 e 3600 pesos – benefício de ARS $ 136; Entre 3600,01 e 4800 pesos – benefício de ARS $ 91 Frequência escolar e cuidados com a saúde 3,5 milhões de beneficiários em março de 2010

Peru Programa Nacional de Apoyo Directo a los más pobres – JUNTOS

2005 Redução da pobreza e interromper a pobreza intergeracional

200 soles bimestrais Frequência escolar e cuidados com a saúde e alimentação

420 mil famílias em 2010 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados dos PTCRs do México, Chile, Argentina e Peru

Conclusão

O cenário socioeconômico que a América Latina apresentava no final dos anos 1990 obrigou os países a desenvolver planos emergenciais para combater a pobreza cada vez maior. Estava evidente que o sistema de proteção social vigente não era suficiente para assegurar a cobertura dos riscos no campo dos cuidados com a saúde, educação e desemprego. As políticas sociais tradicionais foram desestabilizadas em virtude dos ajustes estruturais que desregulamentou e flexibilizou o mercado de trabalho, com aumento do desemprego. Como citado por Marques (2013), muito dos habitantes destes países estavam no mercado informal de trabalho ou desempregados, como resultado ocorreu o agravamento da miséria e da pobreza, aumentando ainda mais a desigualdade da distribuição de renda.

A persistência da miséria e da pobreza chamou a atenção de instituições como o Banco Mundial e a CEPAL que recomendaram o resgate das políticas sociais para melhorar as condições dos serviços de saúde e educação. Ou seja, propuseram a adoção de novas políticas voltadas ao combate a pobreza. A partir de meados dos anos 1990, e principalmente nos anos 2000, uma nova geração de políticas sociais focalizadas entra em pauta na agenda de diversos países das América Latina, com o objetivo de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais. Essa modalidade de política, como citado por Solano (2009) faz parte de uma segunda geração de políticas assistenciais, com foco nas famílias pobres e extremamente pobres, caracterizada por transferência monetária e pelo cumprimento de condicionalidades pelos beneficiários.

O México foi o primeiro país analisado nessa seção, devido sua posição de destaque por ser o primeiro país a implantar programas de transferência condicionada de renda na América Latina, sendo considerado modelo para outros programas na região. O Oportunidades, que já tem mais de 15 anos, inicialmente atendia apenas as áreas rurais, mas ao longo dos anos ampliou sua cobertura para as áreas urbanas, atendendo atualmente cerca de 6,5 milhões de famílias em todo o território nacional. Os resultados são visíveis, principalmente relacionados à

educação, alimentação e saúde. Os resultados também apontam uma redução da mortalidade tanto materna quanto infantil.

No caso do Chile, o programa apresenta uma peculiaridade em relação aos demais PTCRs, seu valor é decrescente. Se comparado aos demais países da região, o país tem os indicadores de pobreza considerados relativamente baixos. A meta inicial do programa foi superada, dados recentes apontam mais de 300 mil famílias beneficiárias. Os resultados mostram que tanto a pobreza quanto à extrema pobreza vem caindo significativamente desde a década de 1990. A pobreza passou de 38,6% para 11,5% em 2009 e a extrema pobreza que era 13% caiu para 3,6%. Ao longo da história, o Chile tem desenvolvido outros planos e até mesmo convênios com outras instituições públicas para aperfeiçoar as políticas de redução da pobreza e erradicação da miséria.

A Argentina, o terceiro país analisado nessa seção, chama a atenção por apresentar diversos programas de transferência monetária desde 2002. Tais programas vêm se consolidando como um instrumento de alívio a pobreza no curto prazo com objetivos de longo prazo, mediante as condicionalidades para incentivar a saúde e educação dos beneficiários. O Programa Jefas y Jefes de hogar

desocupados se destacava por atender indivíduos desempregados, com

transferência de renda condicionada ao trabalho. No entanto, devido ao seu caráter transitório, aos altos custos e ao grande número de beneficiários, foi substituído pelo

Plan Famílias que durante três anos só incorporou beneficiários do programa

antecessor. Em 2009, o governo argentino substituiu o Plan Famílias pelo

Asignación Universal por Hijo para Protección Social que é um direito social e

constitui um subsistema contributivo para o mercado formal de trabalho e outro não contributivo. Como resultado desse sistema, evidencia-se uma redução significativa tanto da pobreza quanto da indigência. O AUHPS se configura como um benefício emergencial, pois considera que a combinação de múltiplos fatores supre o fato gerador do benefício, porém dá ênfase à inclusão social, a redução da informalidade e do desemprego.

Quanto ao Peru, o Programa Juntos faz parte das políticas de proteção social que visam melhorar os resultados nas áreas de saúde, alimentação e educação de modo a desenvolver o capital humano das futuras gerações. Nos primeiros anos, o

programa apresentou dificuldades relacionadas à concepção, implementação e gestão. Para resolver tais deficiências, foi reformulado e atualmente serve de modelo para a criação de outros programas. Além dos efeitos positivos na redução da pobreza, evidencia-se uma mudança de comportamento entre os beneficiários que tem contribuído para melhorar a qualidade de vida das famílias mediante os cuidados com as crianças, saúde, educação e alimentação. Assim, o programa está atingido seu objetivo, de reduzir a pobreza e quebrar o ciclo intergeracional de pobreza.

Os Programas de Transferência Condicionada de Renda analisados, apresentam semelhanças e diferenças. Os pontos distintos estão nas formas como as famílias são inseridas nos programas. A semelhança está no ponto de vista conceitual, pois os mesmos possuem foco nas famílias pobres e extremamente pobres, na exigência do cumprimento das condicionalidades e tem as mulheres como beneficiárias preferenciais. O México, Chile, Argentina e Peru optaram pela introdução dos PTCRs, pois conseguem atingir grande parte de seus objetivos relacionados às políticas de proteção social. Os resultados sugerem que esses programas vêm se consolidando como um instrumento que contribui para a redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiárias. No próximo capítulo será analisado o caso brasileiro, O Programa Bolsa Família, objeto de análise desse trabalho.

3 BOLSA FAMÍLIA E DESIGUALDADE DA RENDA DOMICILIAR NO

BRASIL: ALGUMAS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS

Apresentação

O objetivo específico desse capítulo é mensurar, de forma exploratória, a contribuição do Programa Bolsa Família para a queda da desigualdade da renda domiciliar no Brasil, no período de 2006 a 2011. Cabe ressaltar que o objetivo do PBF é reduzir a pobreza, porém nesse trabalho, optou-se por fazer um recorte de interesse científico, isto é, analisar a contribuição do programa para a redução da desigualdade de renda. Na primeira parte foram apresentadas algumas características do Programa Bolsa Família, incluindo suas condicionalidades e taxa de cobertura, além de alguns resultados da literatura especializada brasileira sobre as relações entre o Bolsa Família e a desigualdade da renda domiciliar. Na segunda, formaliza-se a técnica matemática de decomposição utilizada para as oito fontes de renda, macrorregiões e regiões metropolitanas, como também são apresentadas as considerações metodológicas sobre as variáveis do modelo, com o propósito de se identificar a natureza da técnica adotada e suas virtudes, além de possíveis limitações metodológicas. Finalmente, na última subdivisão dessa segunda seção, são apresentados os resultados das decomposições.