• Nenhum resultado encontrado

1.4 O debate brasileiro

1.4.1 Argumentos da abordagem liberal

A abordagem liberal ancora seus argumentos em uma visão setor neutra do desenvolvimento na qual a competitividade de curto prazo22de um dado setor é o fator preponderante na determina- ção de sua desejabilidade social, neste sentido políticas industriais focadas em setores especí- ficos são vistas como geradoras de distorções e ineficiências alocativas (SARTI; HIRATUKA, 2011, p.7). Trabalhos desta tradição tendem a rejeitar a hipótese de desindustrialização negativa, em favor da variedade natural do fenômeno, com base em alguns tipos de argumentos, dentre os quais se destacam: (1) a avaliação do desempenho da industria em níveis absolutos, caso de Schwartsman (2008) e Almeida (2012); (2) a comparação da participação média da industria nacional no total da economia com a respectiva média mundial, caso de praticamente todos os trabalhos; (3) e a avaliação do ganho de competitividade dentro de sua perspectiva setor-neutra que, como destaca Vergnhanini (2013), compõe o ideal liberal de industria forte. A seguir serão pormenorizados alguns argumentos deste grupo de autores, organizados de acordo com alguns eixos temáticos: relacionados a produção; ao emprego; ao comércio; à produtividade; e à estru- tura intra-industrial. Vale ressaltar entretanto que estes eixos não são mutuamente excludentes, ou seja, argumentos frequentemente combinam elementos de duas ou mais categorias.

No que diz respeito aos argumentos relacionados com a produção; Bonelli e Pessôa (2010) se posicionam contra a tese de desindustrialização precoce brasileira mostrando, dentre outras coi- sas, que mudanças metodológicas23 no sistema de contas nacionais do IBGE somadas à equi- vocada utilização de séries de participação da indústria no PIB a preços correntes — e não a preços constantes — por inúmeros autores levou-os a erroneamente concluir que esta em curso um processo de desindustrialização no Brasil. Mostram também que a perda de participação da indústria no PIB brasileiro existe como tendência desde meados da década de 1970, e que esta

22 Caso não se assuma, como é de praste, a existência de vantagens comparativas dinâmicas.

23 “É que a razão para essas descontinuidades está em mudanças no sistema de Contas Nacionais do Brasil havidas entre os anos mencionados. Em particular, ao fazer a revisão dos valores do PIB a preços correntes em 1995 (por retropolação) o IBGE não corrigiu os valores da série a preços correntes para os anos anteriores. Como o PIB nominal aumentou cerca de 10% com a última revisão (feita no começo de 2007), segue-se que o peso da indústria necessariamente diminuiu naquele ano, dado que o Valor Adicionado da indústria de Transformação não sofreu correção. Argumento semelhante pode ser usado na “virada” de 1989 para 1990, quando o sistema também sofreu alterações substanciais.” (BONELLI; PESSÔA, 2010, p.15)

perda repetiria um padrão internacional — figura 2 — amplamente observado de redução da indústria como proporção do PIB. A abertura comercial da década de 1990 teria apenas aproxi- mado o Brasil desta norma internacional, aumentando a competitividade industrial e corrigindo as ineficiências alocacionais geradas pelo modelo nacional-desenvolvimentista vigente na dé- cada de 1960–80.

Visando corrigir estes problemas Bonelli e Pessôa (2010) advogam pela utilização de uma série corrigida e a preços constantes — figura 5 — na qual se observa que o processo de perda de participação da indústria de transformação: (1) se inicia em 1970 e não com a abertura comercial; (2) tem seu último ciclo vigoroso de perda de participação em meados de 199224; (3) é menos

violento do que se observava nas séries não corrigidas, uma queda de 5,5% da participação da indústria no PIB contra cerca de 20% na série não corrigida e a preços correntes; (4) sofre bastante influência do efeito preço oriundo da redução nos preços relativos dos industrializados, consequência da abertura comercial e do câmbio valorizado do período 1994–1998 (BONELLI, 2005, p.13–14). 1947 1949 1951 1953 1955 1957 1959 1961 1963 1965 1967 1969 1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 10% 15% 20% 25% 30% 35% correntes (errada) correntes (corrigida) constantes (corrigida)

Figura 5 – Participação da indústria no PIB, correções de Bonelli e Pessôa

Fonte: Extraído de Bonelli et al. (2012)

Almeida (2012, p.56) concorda com esta caracterização da evolução estrutural brasileira, ao constatar a existência desta mesma tendência “natural” de desindustrialização desde a década de 1970, destaca que a mesma teria sido uma evolução positiva para o país, afastando-o de uma possível “doença soviética”25e em direção a um padrão de especialização em gêneros primá- rios que possibilitou aumentos substanciais na eficiência produtiva — vantagens comparativas

24 Como os dados apresentados pela figura 5 são mais novos do que aqueles originalmente discutidos em Bonelli e Pessôa (2010) que vão até o ano de 2007, atualmente é possivel argumentar em favor de outra queda acentuada da participação industrial no período 2004–2011.

25 Termo utilizado para denominar um grau de industrialização acima daquele esperado dado o nível de renda per capita de um país.

estáticas — e enriquecimento do país via valorização cambial e melhora dos termos de troca — figura 6b. Os reais problemas enfrentados pela indústria nacional derivariam apenas do lado da oferta — reduzida produtividade, altos custos, etc. — e das escolhas intertemporais dos brasilei- ros que, frente a um aumento de renda e poder de compra da população derivados da valorização cambial, por sua vez possibilitada pelo boom dos preços internacionais das commodities — fi- gura 6a —, teriam optado por aumentar o consumo presente ao invés de poupar, forçando o país a recorrer à poupança externa como forma de financiar o investimento.

A combinação de políticas fiscal, salarial e creditícia expansionistas teria trazido problemas para a indústria; como argumenta Almeida: o “padrão de crescimento” brasileiro teria se baseado, desde 2004, na valorização do salário mínimo e na expansão do crédito, ambas sustentadas pelas transferências de renda oriundas do boom nos preços das commodities. Se por um lado este padrão teria aquecido a demanda e reduzido a taxa de desemprego, por outro teria elevado os custos da mão de obra sem correlata elevação da produtividade. Como o setor de serviços não enfrenta o mesmo grau de concorrência externa que a indústria, pois seus produtos são “non-tradables”, o aumento dos custos de mão de obra pode ser mais facilmente repassado aos preços finais neste setor, essa dinâmica leva à compressão das margens de lucro da indústria frente àquelas do setor de serviços além de um aumento adicional nos custos industriais — pois a inflação de serviços aumenta os custos da indústria. Schwartsman (2012b) ressalta, em consonância com a problemática delineada por Almeida (2012), que a resposta expansionista do governo brasileiro à crise de 2008–09 levaria a uma elevação da inflação ao criar um choque entre um aumento de demanda e uma oferta que se encontra — meados de 2012–13 — perto do limite de capacidade.

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 40 60 80 100 120 140 160 180 200 All Commodity Non-Fuel Fuel (Energy)

(a) Índices preços commodities

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 95 100 105 110 115 120 125 130 135

(b) Termos de troca brasileiros Figura 6 – Preços internacionais das commodities e termos de troca (2005=100)

Fonte: Respectivamente, dados do FMI e IPEA data

Para Almeida (2012) o padrão de especialização do comércio exterior — em gêneros de menor conhecimento e valor agregados — não seria preocupante pois o Brasil estaria, ao se especi- alizar nos bens primários abundantes, aumentando sua eficiência produtiva e seu potencial de crescimento. Além disso o “recente” déficit da balança comercial da indústria não seria algo necessariamente negativo, pois apesar da elevação explosiva de exportações ter se localizado no setor primário, em termos absolutos26as exportações de manufaturados ainda teriam se ele- vado. Sobre a composição intra-setorial da produção Schwartsman (2008) ainda destaca que “nenhum dos setores de crescimento mais acelerado é remotamente associado a commodities. Pelo contrário, são setores produtores de bens diferenciados com conteúdo tecnológico de mé- dio para alto.”; a única exceção à regra é o setor de “material eletrônico e equipamentos de comunicação”, que fica entre os de pior desempenho.

Em suma, para este grupo de autores a “desindustrialização” observada no Brasil seria expli- cável por quatro componentes: (1) a redução nos preços dos manufaturados após a crise de 2008, um fenômeno nominal e não real; (2) conjugada ao aumento dos preços das commodities, fenômeno vigente desde 2004; (3) em conjunção com a tendência internacional de redução re- lativa da indústria; (4) somada à reduzida elasticidade renda do consumo por industrializados (SCHWARTSMAN, 2012a) ou efeito “curva de Bell”. Ou seja, a desindustrialização seria natu- ral, fruto de tendências internacionais, sendo qualquer grau extra de redução relativa da industria

26 O autor argumenta que não teria ocorrido uma perda generalizada de competitividade industrial pois as expor- tações de manufaturados teriam aumentado “em absoluto” a despeito de em termos relativos — comparada as exportações primárias — ter reduzido.

atribuível a movimentos nominais de preços relativos entre commodities e manufaturados e/ou à conjuntura internacional desfavorável.

O Brasil teria portanto passado por uma fase de crescimento industrial artificialmente induzido — nacional desenvolvimentismo — durante as décadas de 1960–1970, que teria gerado uma estrutura produtiva hipertrofiada, ineficiente e incapaz de competir internacionalmente. A aber- tura comercial teria trazido esta estrutura produtiva em direção ao padrão internacional, além de ter fortalecido a indústria conferindo maior capacidade competitiva a mesma. A hipótese de desindustrialização não se verificaria sob nenhum dos indicadores — relação indústria/PIB, em- prego, investimento, etc. — sendo a redução da participação da indústria no PIB um fenômeno estrutural mundial e que vem ocorrendo no Brasil, assim como no exterior, desde meados da década de 1970. Os momentos mais pontuais de degradação relativa da indústria, observáveis na década de 1980–1990, seriam consequência de uma conjuntura macroeconômica instável — inflação, juros altos, baixo crescimento, etc.

Os problemas do modelo brasileiro seriam de cunho microeconômico, relacionados à dificul- dades de se inserir de forma mais competitiva nos fluxos internacionais de comércio devido ao reduzido investimento, restringido pela baixa poupança, e ao elevado “custo Brasil” derivado dos problemas de infra-estrutura e dos aumentos salariais acima dos aumentos na produtividade do trabalho. O caminho para o sucesso industrial seria o de especialização — ao invés da diversi- ficação — em alguma(s) atividade(s) na(s) qual(is) o país gozasse de vantagens comparativas e capacidade inovativa. Para tanto deveríamos nos dedicar a aprofundar as reformas microeconô- micas já operadas além de gerar poupança interna suficiente para que se superem os problemas macroeconômicos e se possibilite a criação de mecanismos de financiamento para P&D.