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1.3 Causas da desindustrialização

1.3.1 Duas abordagens para o conceito de doença holandesa

Bresser-Pereira (2008, p.50) postula a existência de duas variedades da Doença Holandesa: a restrita, que seria a variedade original da patologia — maldição dos recursos naturais — tal como explorada por Corden e Neary (1982). Nela a abundância de algum recurso natural ba- rato e exportável valorizaria o câmbio e modificaria a estrutura produtiva da economia em prol dos setores com menor intensidade de capital e tecnologia impondo serias restrições ao desen- volvimento econômico de longo prazo. Na variedade estendida, discutida em Bresser-Pereira (2008, p.67), a mesma mecânica de abundância de um fator produtivo é aplicada também ao fator produtivo “mão de obra barata e de baixa qualificação”, ou seja, um mecanismo similar àquele operante no caso da variedade restrita levaria a uma modificação estrutural da econo- mia em direção aos manufaturados de baixo valor adicionado e intensidade tecnológica ou em direção aos setores primários.

Dutch disease is a market failure resulting from the existence of cheap and abundant natural resources [ou mão de obra na versão estendida] used to pro- duce commodities which are compatible with a more appreciated exchange rate than the one that would be necessary to make competitive the other tradable industries. (BRESSER-PEREIRA, 2008, p.50)

Mais detalhadamente Bresser-Pereira (2008) coloca a discussão em termos de duas taxas de câmbio de equilíbrio existentes em qualquer país: (1) a taxa de câmbio de equilíbrio corrente εc, que seria aquela compatível com o equilíbrio das contas correntes; (2) e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial εi que seria aquela que “na média, permitiria que empresas utilizando

dução nossa). A Doença Holandesa ocorreria em países para os quais εc < εi sendo seu grau dado pelo tamanho da discrepância entre as duas taxas, nos países não afetados pelo problema verificaria-se que εc= εi.

Historicamente grande parte dos problemas oriundos desta mazela teria sido neutralizado por uma variedade de países subdesenvolvidos — sendo boa parte asiáticos mas também alguns la- tino americanos — que lograram algum sucesso em evitar seus efeitos perversos através de me- canismos de política industrial, cambial e/ou tarifária bem desenhados. Como destacam Bresser- Pereira e Marconi (2010, pp.216–217), no caso particular Brasil a Doença Holandesa teria sido parcialmente “neutralizada pela política de controles tarifários, alfandegários e cambiais, que taxava a receita de exportações de commodities primárias e desestimulava a importação de pro- dutos manufaturados, resultando no incentivo à sua produção interna”. Tal política operou até meados da década de 1990 quando seu desmonte — abertura comercial — teria reintroduzido vários antigos empasses para o desenvolvimento industrial nacional. O quadro não teria sido tão grave durante a década de 1990 com uma ocorrência não tão inequívoca da Doença Holandesa, porém, a partir de 2003, o ciclo de valorização dos preços internacionais das commodities teria reforçado a discrepância entre as duas taxas de câmbio de equilíbrio e levado a uma agudização do quadro patológico.

Já Palma (2005) cunha o termo “Nova Doença Holandesa” através da redefinição do conceito original em termos distintos, sua analise se inicia com uma regressão18na qual ele divide países

em dois grupos de referência: (1) um constituído por aqueles que escolheram seguir uma política industrial objetivando a geração de superávits comerciais em manufaturados — o motivo da escolha pode ser tanto a carência de recursos naturais quanto uma opção deliberada de política; (2) outro formado pelos países que escolheram financiar seu déficit em manufaturados através de superávits comerciais em primários.

Para o autor existiriam tendências históricas generalizadas de modificação na relação entre renda per capita e emprego industrial que incidiriam uniformemente sobre os dois grupos de países da regressão. Tais tendências gerais foram subdivididas em três “fontes”19de desindustrialização:

(1) a primeira postularia a existência de uma relação “tipo U invertido”, assim como destacaram Rowthorn e Wells (1987), entre emprego industrial e renda per capita; (2) a segunda implicaria

18 Algo além de uma explicação superficial da metodologia adotada por Palma (2005) escapa dos objetivos deste trabalho, para maior detalhamento consultar o original.

19 O uso do termo “fontes” pelo autor foi infeliz pois sugere indevidamente a existência de uma relação de causalidade entre os resultados de uma regressão e a desindustrialização — causalidade da primeira para a última.

a existência de um declínio nesta “curva U invertido” ao longo do tempo, ou seja, a um dado nível de renda per capita estaria associado um nível de emprego relativo cada vez menor; (3) e a terceira aponta para uma mudança dos pontos de máximo da mesma curva ao longo do tempo, ou seja, o ponto de virada em direção a uma trajetória de desindustrialização se daria em níveis de renda per capita cada vez menores.

Em suma, para Palma (2005) a desindustrialização devido à Doença Holandesa seria: um grau adicional de desindustrialização em excesso do que se esperaria dadas estas três “fontes” gerais, e engendraria na mudança de algum país do primeiro grupo de referência em direção ao segundo. Ou seja, as três causas iniciais estariam relacionadas à movimentos da média dos países de um grupo de referência — e também de certo modo relacionadas à desindustrialização “natural” — enquanto um movimento de mudança de um país específico em relação à média do seu grupo seria classificado como desindustrialização por Doença Holandesa — caso fosse uma passagem do grupo 1 para o 2.

... it is now possible to explain my concept of Dutch disease properly [...] There is a group of countries, both industrialized and developing [...], that exhibits a specific additional de-industrialization phenomenon (additional to the three de-industrialization forces already discussed, that is). This phenomenon is as- sociated either with a sudden surge in exports of primary commodities or ser- vices [...] or, as in the Southern Cone of Latin America, with a sudden shift in economic policy. (PALMA, 2005, p.85)

Palma (2005) destaca que para muitos países a causa desta mudança de grupo de referência é a descoberta de recursos naturais ou a explosão de algum serviço de exportação — geralmente turismo ou finanças — mas que para a América Latina em especial, a Doença Holandesa teria sido majoritariamente causada pela onda de liberalização da década de 1980–90 que condicionou a reversão da política econômica desenvolvimentista dos modelos de ISI prevalecentes em vários países latino americanos levando a alguns países que se aproximavam do primeiro grupo, tal como o Brasil, em direção ao segundo.

Apesar das definições distintas para o fenômeno da Doença Holandesa parece haver relativa concordância em termos de prescrição de política e leitura da realidade econômica entre ambas as versões apresentadas. A principal divergência classificatória que deve ser levada em conta pelo presente trabalho é o fato de que Palma (2005) considera a reversão da política desenvol- vimentista como uma “fonte” da Doença Holandesa ao passo que Bresser-Pereira e Marconi (2010) e Bresser-Pereira (2008) consideram a mesma reversão de política como um abandono das estratégias de neutralização de uma Doença Holandesa pré existente. Em suma, a definição

de Palma (2005) é mais abrangente pois engloba o caso de maldição de recursos naturais e/ou serviços, o caso de mão de obra barata além do caso de uma causa politica; já a definição de Bresser-Pereira (2008) não compreende a reversão da política industrial como uma causa de Doença Holandesa e sim como uma falha em neutralizá-la.