• Nenhum resultado encontrado

1.4 O debate brasileiro

1.4.2 Argumentos da abordagem novo-desenvolvimentista

A abordagem Novo-Desenvolvimentista é composta por um grupo de autores que se propõe a oferecer uma alternativa tanto ao Nacional Desenvolvimentismo latino americano quanto às propostas políticas do Consenso de Washington27. O Nacional Desenvolvimentismo tinha como

pedra fundamental o modelo centro-periferia que postula uma tendência secular de desvaloriza- ção dos termos de troca dos países periféricos, especializados em gêneros primários, em relação àqueles dos países centrais industrializados. Os segundos, ao se especializar na indústria, usu- fruíam de da esmagadora maioria dos efeitos dinâmicos do progresso técnico sobre a produtivi-

dade, enquanto os primeiros ficavam relegados a parcos crescimentos da produtividade e baixo progresso técnico associados ao setor primário28 “o que levaria por si só a uma diferenciação secular da renda favorável [aos segundos]” (COLISTETE, 2001).

Tabela 2 – Desenvolvimentismos, o novo e o “velho”

Antigo Desenvolvimentismo Novo Desenvolvimentismo A industrialização é baseada na substituição de

importações

Crescimento baseado na exportação combinado com um mercado interno forte

O Estado tem um papel central na obtenção de poupança forçada e na realização de investimentos

O Estado deve criar oportunidades de investimento e reduzir as desigualdades econômicas A política industrial é central A política industrial é subsidiária Atitude mista em relação aos déficits orçamentários Rejeição dos déficits fiscais

Relativa complacência com a inflação Sem complacência com a inflação Fonte: Retirado de Bresser-Pereira (2010, p.22).

Em contraponto ao “Antigo” Desenvolvimentismo, Bresser-Pereira (2010) propõe a modifica- ção de alguns de seus principais pilares — vide tabela 2. Para o autor os países de renda média já teriam superado a fase da indústria nascente, sendo a doutrina protecionista dos modelos de ISI não só desnecessária como nociva ao seu desenvolvimento; a inserção externa seria central pois através dela os países em desenvolvimento teriam acesso a um mercado maior do que o interno e ao mesmo tempo estabeleceriam, através da competição externa, um “critério de eficiência” para as firmas nacionais que reduziria a ineficiência econômica associada aos modelos de in- dustrialização por substituição de importações. Ou seja, o “export-led growth” é aceito como norma (BRESSER-PEREIRA; MARCONI, 2010) apesar do setor interno ainda possuir função coadjuvante.

Além disso o papel do Estado também deveria ser diferente, a etapa de escassez dos recursos privados frente aos enormes investimentos necessários estaria no passado, agora o Estado deve- ria desempenhar uma função acessória (BRESSER-PEREIRA, 2015, p.111), de criação de um ambiente de negócios favorável que estimule o investimento produtivo privado (SICSÚ et al., 2007, p.517). Neste sentido “a política industrial é subsidiária” pois ela só deveria ser consi- derada verticalmente para o caso dos setores não competitivos, entendidos como aqueles que enfrentam o desafio da Doença Holandesa. A gerência da economia deveria ser feita através da

28 Soma-se a este efeito uma tendência de valorização relativa dos industrializados frente aos produtos primários — no longo prazo.

política macroeconômica, em detrimento de políticas industriais mais focadas, nas palavras de Gonçalves (2012b, p. 661) o novo desenvolvimentismo tem por características a “minimização da função alocativa do Estado” e a “baixa propensão a políticas setoriais”, que não deixam de ser “diretrizes do liberalismo econômico”.

A ênfase é na política macroeconômica, que teria a função e capacidade de neutralizar a re- gressão da estrutura produtiva derivada do quadro de Doença Holandesa, para isso o foco recaí sobre o tripé “taxa moderada de juros, taxa competitiva de câmbio e política fiscal respon- sável (divida pública baixa, poupança pública positiva — superávit fiscal.)” (GONÇALVES, 2012b, p. 656). De certa forma o tripé macroeconômico ataca exatamente os pontos que, segundo Bresser-Pereira (2015, p. 113–115), são as causas da “tendência a apreciação cíclica e crônica da taxa de juros”, que configuraria a pedra filosofal ou “o modelo central” da macroeconomia desenvolvimentista: (1) Doença Holandesa, o principal determinante da tendência à apreciação cambial; (2) a operação de uma âncora cambial, entendida como a utilização do câmbio para controlar a inflação; (3) política de crescimento via poupança externa; (4) populismo fiscal, quando o estado “gasta mais do que arrecada de forma irresponsável” (BRESSER-PEREIRA, 2015).

O principal argumento deste grupo de autores é que durante o processo de abertura comercial foram destruídos os mecanismos protecionistas capazes de neutralizar os efeitos da Doença Ho- landesa — ver seção 1.3.1 — no Brasil; a partir deste momento histórico se observaria uma sobrevalorização do câmbio acompanhada de uma regressão produtiva em direção a setores in- tensivos em recursos naturais e/ou mão de obra barata. Este processo de apreciação cambial ainda foi potencializado pelo crescimento da demanda interna observado a partir de 2003 bem como pelo aumento dos preços relativos das commodities (BRESSER-PEREIRA; MARCONI, 2010, p. 217)

A definição implícita de desindustrialização utilizada pelos novo-desenvolvimentistas não é su- ficientemente clara na maior parte dos textos abordados, apesar da frequente referência à defini- ção de Tregenna (2009), na prática a maior parte dos autores parece não imprimir muita ênfase à questão do emprego. Em termos dos indicadores mais frequentemente utilizados para carac- terizar a desindustrialização temos uma predominância das medidas pela ótica da produção — participação relativa da indústria no produto e no valor agregado — apesar de alguma atenção ser direcionada às medidas pela ótica do emprego. A ótica do comércio exterior é invocada como critério sinalizador do tipo de desindustrialização — positiva ou negativa — em curso.

Para os Novo-Desenvolvimentistas a Doença Holandesa figura como causa central de processos de desindustrialização negativa29sendo este tipo de desindustrialização entendido como aquele no qual a queda da participação da indústria no produto ou emprego não advém de ganhos de produtividade do trabalho e sim da perda efetiva de competitividade da mesma devido à taxa de câmbio de equilíbrio industrial se situar acima da taxa vigente.

Tanto Lara (2011) quanto Oreiro e Feijó (2010) argumentam em favor da regressão tecnológica ou primarização do SBPTC — saldos positivos se concentrando em setores pouco intensivos em tecnologia — como um indicador de ocorrência da Doença Holandesa; portanto, os números apresentados na figura 7 apontam para, caso seja aceita a tese de desindustrialização para o Brasil, o diagnóstico de que a variedade brasileira do fenômeno seria de cunho negativo/precoce e causada pela Doença Holandesa.

1996 1999 2002 2005 2008 −40 −20 0 20 40 Saldo Comercial (U$$ Milhões)

Alta e média-alta Média-baixa Baixa tecnologia Não industriais

Figura 7 – Saldos comerciais brasileiros por categoria tecnológica (1996–2008)

Fonte: Elaborado a partir de dados apresentados por Lara (2011, p.14)

O problema derivaria da sobrevalorização cambial que, segundo Marconi e Rocha (2012), nos força na direção de uma versão especialmente nociva da estratégia de crescimento “wage-led”30,

pois como o parte do ganho de poder de compra derivaria da apreciação cambial, parte da de- manda inevitavelmente seria atendida por um aumento nas importações. Assim, nesta versão particular da estratégia de crescimento “wage-led”, um quadro de restrição de balanço de pa-

29 “a participação da indústria no emprego e no valor adicionado pode se reduzir em função da transferência para o exterior das atividades manufatureiras mais intensivas em trabalho e/ou com menor valor adicionado. Se assim for, a desindustrialização pode vir acompanhada por um aumento da participação de produtos com maior conteúdo tecnológico e maior valor adicionado na pauta de exportações. Nesse caso, a desindustria- lização é classificada como ‘positiva’. No entanto, se a desindustrialização vier acompanhada de uma ‘re- primarização’ da pauta de exportações, [...] então isso pode ser sintoma da ocorrência de ‘doença holandesa’ [...] Nesse caso, a desindustrialização é classificada como ‘negativa’” (OREIRO; FEIJÓ, 2010, p.222) 30 “Economic growth (measured by the rate of capital accumulation) can be either wage-led or profit-led, de-

pending on whether the positive effect of a higher wage share on capacity utilization is strong enough to out- weigh the direct negative impact of lower profitability on investment.” (BLECKER, 2014)

gamentos — e ao crescimento — seria inevitável caso as exportações não se expandissem de forma a fornecer divisas suficientes para financiar o aumento nas importações.

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 201 1 2012 2013 2014 2015 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170 (% ) Tx. Câmbio Efet. Real

Tx. câmbio efetiva real

−5 −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 5 6 Bal. Com. (U $$ bilhões) Balança Comercial

Figura 8 – Taxa de câmbio efetiva real e balança comercial (2000–2015)

Fonte: Banco Central do Brasil

Em suma, para os novo-desenvolvimentistas o Brasil estaria percorrendo uma trajetória de desin- dustrialização precoce, causada pela Doença Holandesa em sua versão estendida — seção 1.3.1 — tendo como motor central a valorização cambial. Este quadro se refletiria em uma fragilização externa derivada de uma especialização regressiva: produtos de baixa intensidade tecnológica ganhando participação relativa na pauta exportadora e um aumento significativo das importa- ções de insumos e produtos para consumo final.

Segundo Bresser-Pereira (2015), o processo de valorização cambial brasileiro derivou de al- guns fatores: (1) da falta de políticas macroeconômicas que pudessem neutralizar a Doença Holandesa; (2) da política de crescimento com poupança externa; (3) da política de âncora cam- bial contra a inflação, que torna a economia nacional não competitiva como um subproduto do atendimento à meta de inflação. Para combater este quadro problemático seria imperativa uma desvalorização cambial capaz de aproximar as taxas de equilíbrio corrente e industrial — seção 1.3.1 —, atingida pela reinstituição de um sistema de tarifas aduaneiras31 capaz de neu-

tralizar a Doença Holandesa; e pelo encerramento do “populismo cambial” — fatores (2) e (3).