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Veja a seguir a canção Atirei o pau no gato (rearmonização 2) escrita para flauta, clarinete, oboé e fagote:

Faixa 7

Clique na partitura para acessar a faixa 7

EXEMPLO50

A melodia da canção está presente na flauta e a harmonização (realizada por meio de textura coral) está a cargo dos demais instrumentos. Observe que alguns acordes não estão completos:

GM7 = supressão da sétima maior, transformando o acorde para tríade de Sol maior (primeiro tempo do quinto compasso)

C = supressão da sétima menor, transformando o acorde para tríade diminuta de C#° (primeiro tempo do sétimo compasso). A sétima surge como nota de passagem do segundo para o terceiro tempo neste compasso (ver fagote)

40 Tais supressões ocorreram devido a demandas do arranjo, as quais envolvem:

(a) escolhas subjetivas e idiossincráticas do arranjador, isto é, o que sonoramente mais lhe agrada; e (b) demandas relacionadas à movimentação das vozes melódicas na harmonia. Mais do que preocupações de ordem vertical (associada à estrutura dos acordes), o arranjo aqui apresentado priorizou o aspecto horizontal, isto é, a linearidade entre as vozes melódicas.

Observe que, em algumas ocasiões, a melodia da canção (tocada pela flauta) completa a sonoridade do acorde. A nota Lá da melodia (presente no primeiro, segundo e terceiro tempo do segundo compasso), por exemplo, atua como quinta justa do acorde de DM7, completando a sonoridade deste acorde. Contudo, a omissão da quinta justa em acordes maiores ou menores não prejudica a identidade sonora destes. A utilização de terças e sétimas (no caso de tétrades) é suficiente para reconhecermos suas sonoridades. No compasso 6, por exemplo, os acordes de F#m7 e Bm7 são apresentados harmonicamente (pelo oboé, clarinete e fagote) sem a quinta justa.

Apresentamos a seguir a canção Terezinha de Jesus (rearmonização 4):

Faixa 8

Clique na partitura para acessar a faixa 8

EXEMPLO51

41 O arranjo apresenta textura coral e a melodia da canção está presente no oboé.

Os seguintes acordes sofreram alterações em suas vozes harmônicas:

Dm7 = supressão da quinta justa (primeiro e segundo compassos)

Gm7 = supressão da sétima menor, transformando o acorde para tríade de Sol menor (quarto compasso)

E = supressão da quinta diminuta (terceiro tempo do quinto compasso)

Dm7 = supressão da sétima menor, transformando o acorde para tríade de Ré menor (oitavo compasso)

Assim como no arranjo anterior, as supressões surgiram a partir das demandas (a) e (b) anteriormente citadas. Da mesma forma, a melodia da canção (tocada pelo oboé) completa ou ainda, neste caso, complementa a sonoridade do acorde. A nota Lá (presente no segundo tempo do sexto compasso) alcançada de forma descendente através da nota de passagem Sib, atua como terça maior do acorde de FM7 completando a sonoridade deste acorde. Da mesma forma, a nota Dó (presente no primeiro tempo do sexto compasso), pode ser interpretada como a nona maior do acorde BbM7, incluindo, assim, uma extensão harmônica que adiciona variedade a sonoridade deste acorde. As notas de tensão, bem como o emprego de inversões harmônicas, podem trazer um colorido sonoro importante à harmonização, é o que trataremos no capítulo a seguir.

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CAPÍTULO II:

Inversões e Extensões Harmônicas

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Inversões Harmônicas

CONDUÇÃODASVOZESHARMÔNICAS

Embora o estudo da harmonia utilize conceitos gerais e aplicáveis teoricamente em todos os instrumentos (como a estruturação e a função harmônica de determinado acorde dentro de um contexto tonal), na prática a realidade é outra. O idioma do instrumento, isto é, a sua maneira “pessoal” de transmitir a música, definirá como se dará a condução das vozes7 harmônicas. Uma progressão harmônica que utilize determinada condução entre suas vozes em um coro, por exemplo, pode não ter um resultado igualmente satisfatório se escrita (sem alterações) para violão, ou piano ou um conjunto de metais. Em alguns casos é impossível não utilizar mudanças na condução das vozes para que a progressão seja executável.

De uma maneira geral, o movimento linear entre as vozes harmônicas é desejável. Dois são os motivos: (a) a conexão entre os acordes é suavizada, e (b) as vozes que fazem parte de um acorde também formam uma melodia individual, ou seja, possuem um caráter sonoro individual. Se escrevermos cada voz de um acorde pensando apenas verticalmente (em sua relação com as demais vozes harmônicas), comprometeremos o sentido melódico de cada voz. Para atingir essa linearidade, empregamos o mínimo de saltos melódicos. Veja, abaixo, os tipos de movimentações usadas na escrita harmônica:

1. Movimento contrário: as vozes se movimentam em direções opostas:

EXEMPLO52

2. Movimento oblíquo: uma voz permanece imóvel enquanto a outra se move:

EXEMPLO53

7 Denominamos vozes as notas de um acorde ou de uma melodia, independentemente destas serem cantadas ou tocadas em um instrumento.

44 3. Movimento similar: ambas as vozes se movem na mesma direção, mudando

os seus intervalos:

EXEMPLO54

4. Movimento paralelo: ambas as vozes se movem na mesma direção, sem mudar os seus intervalos (os intervalos de terças e sextas são considerados paralelos, apesar da diferença entre intervalos maiores e menores):

EXEMPLO55

Ao analisar as movimentações acima, vemos que os movimentos contrário e oblíquo valorizam a independência entre as melodias, ao passo que os movimentos similar e paralelo tornam as vozes próximas melodicamente, sendo consideradas como uma simples voz duplicada. Sempre que procuramos escrever uma textura harmônica com vozes independentes, é importante evitar o emprego de movimentos paralelos e similares em sequência, principalmente os que empregam intervalos de quinta e oitava, já que estes tornam as vozes ainda mais próximas melodicamente do que o restante dos intervalos. Intervalos de quarta são usados quando suportados por intervalos de terça abaixo deles (formação do acorde na posição cerrada):

EXEMPLO56

Quando as vozes formam intervalos de oitava ou quinta através do movimento similar, temos o que chamamos de “oitavas ou quintas ocultas”. Esse tipo de movimentação também prejudica a independência das vozes na harmonia:

EXEMPLO57

45 É necessário observar algumas estratégias de condução de vozes que tornam a movimentação de um acorde para outro mais linear e interessante:

● Para que dois acordes se conectem da forma mais suave possível, as suas vozes devem andar em graus conjuntos8 utilizando o mínimo de graus disjuntos9:

EXEMPLO58

● Se dois acordes possuem notas em comum, essas notas são repetidas na mesma voz; as demais vozes movem-se o mais linearmente possível:

EXEMPLO59

Obs.: Nota-se no exemplo acima outro fato importante a mencionar: a resolução do trítono10. Esses intervalos característicos têm forte tendência à seguinte resolução:

sétima do acorde dominante → terça do acorde de tônica terça do acorde dominante → tônica do acorde de tônica

Na resolução acima a sétima (nota Fá) do acorde dominante (G7) resolve na terça (nota Mi) do acorde de tônica (C). Do mesmo modo, a terça (nota Si) do acorde dominante (G7) resolve na tônica (nota Dó) do acorde de tônica (C).

8 Saltos de tom e semitom.

9 Saltos acima de um tom.

10 No acorde dominante, o intervalo de quarta aumentada, formado entre a sétima e a terça do acorde (Fá e Si), é conhecido por trítono.

46 GRAUSTONAISEMODAIS

Chamamos os graus I, IV e V (tônica, dominante e subdominante) graus tonais, já que estão presentes tanto na tonalidade maior quanto na menor. São eles os responsáveis por definir o centro tonal. Os graus III e VI são graus modais, já que definem o modo e possuem pouco efeito tonal. O grau II é classificado como grau tonal, já que ele está presente em ambas as tonalidades e possui tanto característica subdominante quanto dominante. No entanto, ele não possui um peso tonal tão forte quanto os graus I, IV e V. O VII grau tem sua função diretamente relacionada com o acorde dominante (sensível), não possuindo a classificação dos graus acima:

EXEMPLO60

Uma progressão harmônica composta por graus tonais define mais claramente a tonalidade do que uma progressão composta por graus modais. Os graus modais são utilizados como variantes dos graus tonais para se obter maior diversidade nas progressões harmônicas. Um exemplo claro disso está na rearmonização funcional utilizada nas canções Atirei o pau no gato e Terezinha de Jesus presentes no capítulo I, em que os graus modais diversificam e dão variedade harmônica à progressão original. Assim, consideramos o termo movimento harmônico forte aquele em que se define claramente a direção tonal, e movimento harmônico fraco as progressões em que o centro tonal não fica tão estabelecido quanto no movimento anterior. Os saltos de 4ª e 5ª tendem a gerar movimentos harmônicos fortes, ao passo que os saltos de 3ª e 6ª tendem a gerar movimentos harmônicos fracos. Os saltos de 2ª e 7ª podem gerar tanto movimentos harmônicos fortes quanto fracos, dependendo da progressão usada. Em uma progressão podem estar presentes movimentos harmônicos fortes e fracos, o que proporcionará maior flexibilidade e evitará a singularidade e a obviedade de uma progressão composta inteiramente por movimentos harmônicos fortes:

Progressão original Variante

EXEMPLO61

47 O mesmo acontece ao invertermos um ou mais acordes em uma progressão harmônica. Damos variedade e flexibilidade no baixo dos acordes e enfraquecemos as resoluções cadenciais tonais:

Progressão original Variante

EXEMPLO62

INVERSÃODASTRÍADESETÉTRADES

EXEMPLO63

A cifragem gradual utiliza números arábicos para indicar as inversões. Na primeira inversão, o número 6 indica o intervalo de sexta entre a nota mais grave e a mais aguda. O mesmo se aplica à segunda inversão, porém aparece o número 4 indicando intervalo de quarta entre o baixo e a nota interna. Não devemos esquecer que, se o acorde for menor, o número em romano deve ser grafado em minúscula.

Na cifragem cordal, as inversões das tríades acima são representadas pela seguinte grafia: C/E e C/G.

EXEMPLO64

Nas tétrades, o procedimento aplicado na cifragem gradual é o mesmo das tríades: a relação intervalar entre o baixo e as notas adjacentes. A cifragem cordal das tétrades acima são representadas da seguinte maneira: CM7/E, CM7/G e CM7/B. As tríades maiores, menores e aumentadas são comumente invertidas. As tétrades e acordes de cinco ou mais sons também podem ser invertidos, mas deve-se sempre

48 observar se a inversão não resultará em um intervalo de segunda menor ou nona menor indesejável.

BAIXOLINEAR

As vozes extremas de uma progressão harmônica são as notas de maior destaque, pois tendem a ser mais facilmente identificadas auditivamente. Assim como as demais vozes, a voz mais aguda (chamada de soprano) e a voz mais grave (denominada baixo) formam uma relação intervalar entre elas:

EXEMPLO65

No exemplo 65 vemos uma sequência de blocos harmônicos em sequência, sem a preocupação com a interdependência de suas vozes, possibilitando, assim, a presença de quintas e oitavas paralelas. A voz do baixo está escrita na clave de Fá para melhor facilitar a visualização entre esta e as demais vozes harmônicas. Veja a seguir a relação entre o baixo e a soprano na condução dos acordes:

EXEMPLO66

49 Invertendo os baixos (com base na harmonia), criaremos uma linha melódica mais linear, formando um novo contraponto com a voz soprano:

EXEMPLO67

Harmonizando, temos:

EXEMPLO68

Pode-se compor um contraponto mais elaborado no baixo, com ritmo independente e baseado inteiramente nas inversões harmônicas:

Baixo independente:

EXEMPLO69

50 Harmonizando, temos:

EXEMPLO70

Observem que a independência rítmica do baixo, com relação às demais vozes harmônicas, descaracterizou sua função de “inversão harmônica”, configurando-o mais como uma melodia independente que atua em contraponto com as demais vozes.