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155 Ré# ou Si#-Mib, etc., e a relação sonora entre esse intervalo e a sua escrita ainda assim ficaria coerente. Por isso, utilizamos números inteiros para identificar os intervalos predominantes, pois considera-se aqui a relação intervalar entre as notas e não a hierarquia entre as notas em si. Veja:

0= uníssono

1= segunda menor, uníssono aumentado 2= segunda maior, terça diminuta

3= terça menor, segunda aumentada 4= terça maior, quarta diminuta 5= quarta justa, terça aumentada 6= quarta aumentada, quinta diminuta Etc.

Veja o exemplo:

EXEMPLO190

Podemos observar, no exemplo 190, um salto intervalar de três semitons entre Dó e Ré# (o sinal + indicando movimento ascendente). Também vemos um salto intervalar de nove semitons entre as notas Ré e Fá (o sinal – indicando movimento descendente). O intervalo na música serial, no entanto, é analisado de maneira mais abstrata, desconsiderando a direção (ascendente ou descendente) e oitavas. Além disso, os intervalos superiores ao trítono também são desconsiderados, pois são a inversão dos primeiros intervalos:

Oitava = uníssono (0 = zero semitom)

Sétima maior = segunda menor (1 = um semitom) Sétima menor = segunda maior (2= dois semitons) Sexta maior = terça menor (3 = três semitons) Sexta menor = terça maior (4 = quatro semitons) Quinta justa = quarta justa (5 = cinco semitons)

Quinta diminuta = quarta aumentada (6 = seis semitons)

EXEMPLO191

156 Na descrição dos intervalos acima, vemos que nenhum destes ultrapassa o número 6 e que as direções não são analisadas. Isso se deve à abstração inerente à análise de música pós-tonal; intervalos que ultrapassam a oitava são desconsiderados (o intervalo entre Fá e Fá# é analisado como salto de semitom);

intervalos acima de trítono são reduzidos às suas inversões (Ré e Fá descendente – sexta maior – reduzido a terça menor).

IDENTIFICANDOCONJUNTOS

Uma vez identificados os intervalos com suas devidas reduções, como vamos utilizar esses intervalos de modo que formem uma estrutura fixa, reconhecível e atuante composicionalmente? A resposta está no conjunto de classe de notas.

Um conjunto de classe de notas é uma coleção de notas com particularidades intervalares. A sua identidade é fixada não necessariamente pelas notas, mas pelos intervalos entre elas. Para entender melhor, vejamos o exemplo abaixo:

EXEMPLO192

O exemplo acima apresenta três notas separadas por segunda maior (Dó e Ré - Ré e Mi) e por terça maior (Dó e Mi). Transformando os intervalos em números teremos:

3-6(024)25

0 e 2 mostrando a relação de segunda maior;

2 e 4 mostrando a relação de segunda maior;

0 e 4 mostrando a relação de terça maior.

Todos os intervalos estão resumidos no conjunto 3-6 (024). Para visualizar melhor os intervalos utilizados, podemos montar um vetor intervalar, ou seja, uma série de seis números que apresenta o conteúdo da classe intervalar (1= segunda menor, 2 = segunda maior, 3= terça menor, 4 = terça maior, 5= quarta justa e 6=

trítono).

25 3-6 = o número três refere-se à quantidade de notas do conjunto; o número seis está relacionado ao lugar que o conjunto ocupa. A lista completa dos conjuntos e suas numerações específicas estão disponíveis no livro The Structure of Atonal Music, de Allan Forte.

157 Como já foi mencionado, intervalos superiores ao trítono são considerados como inversões. Não há necessidade em incluir as ocorrências da classe de intervalos 0, pois será sempre igual ao número de notas empregadas:

Classe de intervalos 1 2 3 4 5 6 Nº de ocorrências 0 2 0 1 0 0

Vetor intervalar: 020100

EXEMPLO193

O vetor intervalar do exemplo 193 nos mostra que há duas ocorrências de segunda maior e uma ocorrência de terça maior entre as notas Dó, Ré e Mi. Qualquer transposição ou inversão intervalar não anula a identidade básica desse conjunto de classe de notas:

EXEMPLO194

No exemplo 194 podemos ver algumas ocorrências do conjunto 3-6 (024): (a) em sua forma prima (Dó, Ré e Mi); (b) em sua transposição (Mib, Fá e Sol); e (c) em suas inversões transpostas (Sib, Láb e Dó = Láb, Sib e Dó / Si, Sol e Lá = Sol, Lá e Si).

Ao construirmos uma harmonia utilizando conjunto de classe de notas, a ordem intervalar com que é apresentada a harmonia ou melodia não altera sua identidade.

Assim, um acorde maior e um acorde menor que, no tonalismo, possuem funções e sonoridades distintas, no pós-tonalismo são parte da mesma classe de conjunto 3-11 (037), como mostra o exemplo abaixo:

Vetor intervalar: 001110

EXEMPLO195

158 Os conjuntos sempre são formados de modo que se priorizem os intervalos menores da esquerda para a direita: Dó, Mi e Sol forma (047); Dó, Mib e Sol forma (037). Três é menor que quatro; logo o conjunto na sua forma prima é 3-11 (037).

COMPONDOCONJUNTOS

Para construirmos uma harmonização estruturada em séries de conjuntos, primeiro temos que definir quais os intervalos (e a quantidade de repetições) que pretendemos utilizar nos conjuntos usados. Podemos usar esses conjuntos tanto harmônica quanto melodicamente, formando um contraponto com a melodia principal.

Para exemplificar, criaremos dois conjuntos com intervalos distintos para harmonizarmos uma determinada canção.

1. O primeiro utilizará os seguintes intervalos abaixo:

EXEMPLO196

Para podermos identificar qual a classe de conjunto a que o exemplo acima pertence, temos que organizar as notas em sua forma normal, ou seja, dispomos as notas de maneira ascendente e selecionamos o grupo de notas que apresente o menor intervalo entre a primeira e a última nota:

EXEMPLO197

Havendo dois grupos com o mesmo intervalo, selecionamos o grupo com o menor intervalo entre a primeira e a penúltima nota, e assim por diante:

EXEMPLO198

O exemplo acima nos mostra que o intervalo menor é o de terça maior (entre Sib e Ré). Analisamos a sucessão de intervalos da esquerda para direita e da direita para a esquerda: Sib, Dó, Ré e Fá# forma (0248); Fá#, Ré, Dó e Sib forma (0468). O grupo

159 que possuir o intervalo mais compacto (da esquerda para a direita) é o conjunto em sua forma prima; logo, o conjunto é 4-24(0248)26.

2. O segundo conjunto serial utilizará diferentes intervalos, contrastando com o primeiro conjunto:

EXEMPLO199

Organizando o grupo de notas acima na forma normal, temos:

EXEMPLO200

O primeiro grupo (Dó, Réb, Ré e Fá) é o conjunto na forma normal. Analisando o conjunto da esquerda para direita, temos (0125); da direita para a esquerda, temos (0345); logo, o conjunto na sua forma prima é 4-4(0125).

Uma vez que descobrimos as classes de conjuntos a que nossos intervalos escolhidos pertencem, podemos desenvolvê-los aplicando transposições e inversões intervalares:

EXEMPLO201

Os conjuntos apresentados no exemplo 201 podem ser inseridos em uma rearmonização (mesmo que a melodia seja tonal). A ideia não é formar uma composição totalmente estruturada em conjuntos seriais, e sim proporcionar mais uma alternativa de rearmonização. Essa, por formar uma sensação sonora antagônica com a melodia, irá afirmar a liberdade musical, sem, no entanto, se

26 4-24 = organização de Allan Forte, The Structure of Atonal Music.

160 desvincular de uma estruturação composicional. Esses conjuntos podem aparecer isoladamente ou juntos, criando um superconjunto que possuirá todos os intervalos apresentados em cada conjunto. Ao juntarmos o conjunto 4-24 (0248) e 4-4 (0125) criamos o superconjunto 6-16 (014568). Basta juntarmos o grupo A (Sib, Dó, Ré e Fá#) e o grupo B (Dó, Réb, Ré e Fá), omitimos as repetições, achamos a forma normal, e logo descobriremos a sua forma primária, ou seja, o conjunto 6-16 (014568). O hexacorde27 6-16 (014568) terá todos os intervalos comuns aos conjuntos 4-24 (0248) e 4-4 (0125). Além da relação de superconjunto há ainda a relação de subconjunto, que é exatamente o inverso. Se os conjuntos 4-24 (0248) e 4-4 (0125) têm como superconjunto o hexacorde 6-16 (014568), por compartilharem intervalos em comum, logo o hexacorde 6-16 (014568) tem como subconjuntos 4-24 (0248) e 4-4 (0125). Essa relação pode aparecer em diversos níveis; o conjunto 4-24 (0248), por exemplo, também pode ter seus subconjuntos:

3-6 (024), 3-8 (026), e 3-12 (048). Com isso, podemos criar acordes com três, quatro, cinco ou mais notas relacionadas entre si através de subconjuntos e superconjuntos. Podemos ainda inserir na harmonização a relação de complemento com esses conjuntos, ou seja, introduzimos todas as classes de notas que eles excluem. O grupo de notas que forma o conjunto 4-24 (0248) – Sib, Dó, Ré e Fá# – possui como complemento o grupo de notas – Si, Dó#, Ré#, Mi, Fá, Sol, Sol# e Lá.

Esse grupo de notas, depois de elaborados todos os procedimentos, resultará no conjunto 8-24 (0124568A)28, atuando como complemento do conjunto 4-24 (0248).

O mesmo procedimento pode ser feito nos demais conjuntos.

Indubitavelmente, muitos outros procedimentos composicionais da música do séc. XX foram aqui negligenciados. Porém, o material aqui abordado, apesar de introdutório, proporciona uma gama enorme de possibilidades de rearmonização.

Em meu entendimento, o que torna a rearmonização pós-tonal interessante no contexto deste trabalho, é justamente a possibilidade de ela ser aplicada em uma melodia simples e tonal, proporcionando, assim, uma curiosa mescla entre diferentes linguagens musicais, além de aumentar consideravelmente a paleta sonora disponível ao instrumentista, arranjador e compositor. Apenas para ilustrar essas possibilidades, apresentaremos a seguir as nossas canções folclóricas rearmonizadas com algumas das técnicas aqui apresentadas.

27 Hexacorde por se tratar de um conjunto com seis notas.

28 A letra “A” refere-se ao número 10, para não confundir com os demais números, já que possui dois algarismos. O mesmo para a letra “B”, referindo-se ao número 11. O número 12 é igual a 0, pois retorna o ciclo cromático (12= 0, 13=1, 14= 4, etc.)

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Arranjo Rearmonizado VI – Quinteto De Metais

Veja abaixo a rearmonização 27 sobre a canção Atirei o pau no gato, arranjado para quinteto de metais (trompete, flugelhorn, trombone, eufônio e tuba):

Faixa 39

REARMONIZAÇÃO27

Atirei o pau no gato

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163 Clique na partitura para acessar a faixa 39

EXEMPLO202

A primeira observação a ser feita diz respeito à armadura de clave. A música pós-tonal, por justamente se afastar do sistema tonal, frequentemente não utiliza armaduras de clave, uma vez que elas subtendem que o tonalismo está sendo utilizado. Realizam-se as devidas transposições em instrumentos transpositores sem, no entanto, utilizar armaduras de clave.

No que diz respeito ao material musical, eu começo o arranjo com uma introdução que apresenta uma ideia rítmica temática em quiálteras de três semínimas, ulteriormente alongadas para quiálteras de três mínimas.

Harmonicamente, eu utilizo na introdução uma harmonização quartal pós-tonal (incluindo uma inversão) e clusters (com a tuba tocando uma oitava abaixo):

Harmonia quartal

Cluster

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EXEMPLO203

Ao iniciar a melodia da canção (flugelhorn, compasso 8), a harmonização se utiliza da mutação cordal, dando ênfase ao movimento linear das vozes melódicas sem a preocupação em estabelecer uma estrutura harmônica vertical definida (mesmo que ainda seja possível “nomear” os acordes):

Exemplo de um dos trechos de mutação cordal (compassos 9 e 10)

EXEMPLO204

Durante a apresentação da canção, a ideia temática da introdução é reapresentada pelo trompete e pela tuba (compasso 11) e pelo trombone e tuba (compasso 13). A reapresentação temática realizada em segundo plano contribui para o estabelecimento formal do arranjo, possibilitando com que as ideias novas dialoguem com o material sonoro já apresentado. A coda final reexpõe a ideia temática inicial, finalizando o arranjo com a mesma formação harmônica quartal.

165 Veja abaixo a rearmonização 28 sobre a canção Terezinha de Jesus:

Faixa 40

REARMONIZAÇÃO28

Atirei o pau no gato

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167 Clique na partitura para acessar a faixa 40

EXEMPLO205

Essa rearmonização é serial, utilizando-se dos conjuntos 4-4 (0125) e 4-24 (0248) como base para sua construção e estruturação musical. O processo pré-composicional desta harmonização consistiu em selecionar previamente as notas de ambos os conjuntos de acordo com seus vetores intervalares, organizando tais notas em sua forma ascendente e descendente:

EXEMPLO206

Após esse processo, realizam-se todas as transposições com o objetivo de construir uma lista de possíveis conjuntos seriais a serem empregados harmonicamente:

4-4 (0125) 4-24 (0248)

Ascendente Descendente Ascendente Descendente

Dó - Dó# - Ré - Fá Dó - Si - Sib - Sol Do - Ré - Mi - Láb Dó – Sib – Láb - Mi Dó# - Ré - Mib - Fá# Si - Sib - Lá - Fá# Réb - Mib - Fá - Lá Si – Lá – Sol – Mib Ré - Ré# - Mi - Sol Sib - Lá - Láb - Fá Ré - Mi - Fá# - Lá# Sib – Láb – Solb – Ré Ré# - Mi - Fá - Sol# Lá - Láb - Sol - Mi Mib - Fá - Sol - Si Lá – Sol – Fá – Réb

168 Mi - Fá - Solb - Lá Láb - Sol - Solb - Mib Mi - Fá# - Sol# - Dó Sol# - Fá# - Mi – Dó Fá - Fá# - Sol - Sib Sol - Solb - Fá - Ré Fá - Sol - Lá - Dó# Sol – Fá – Mib – Si Fá# - Sol - Láb - Si Fá# - Fá - Mi - Dó# Fá# - Sol# - Lá# - Ré Fá# - Mi – Ré - Sib Sol - Sol# - Lá - Dó Fá - Mi - Mib - Dó Sol - Lá - Si - Mib Fá – Mib – Réb – Lá Sol# - Lá - Sib - Dó# Mi - Mib - Ré - Si Láb - Sib - Dó - Mi Mi – Ré – Dó – Láb

Lá - Sib - Si - Ré Mib - Ré - Réb - Sib Lá - Si - Dó# - Fá Ré# - Dó# - Si – Sol Sib - Si - Dó - Mib Ré - Réb - Dó - Lá Sib - Dó - Ré - Fá# Ré – Dó – Sib – Fá#

Si - Dó - Réb - Mi Réb - Dó - Si - Láb Si - Dó# - Ré# - Sol Dó# - Si – Lá - Fá

QUADRO31

O quadro 31 apresenta todas as transposições ascendentes e descendentes dos conjuntos utilizados na rearmonização. A quarta coluna, referente à forma descendente do conjunto 4-24 (0248), está grafado em azul devido ao padrão de repetição de notas. Este conjunto apresenta certa simetria que possibilita com que sua forma descendente apresente as mesmas notas de sua forma ascendente. A apresentação descendente do conjunto a partir da nota Dó (Dó – Sib – Láb – Mi), por exemplo, apresenta as mesmas notas de sua forma ascendente a partir da nota Láb (Láb, Sib, Dó – Mi). O mesmo acontece com as demais transposições.

A partir da seleção dos conjuntos seriais e de suas transposições, foram aplicados na rearmonização 28 tais conjuntos como base para sua construção harmônica. A introdução, por exemplo, apresenta o conjunto 4-4 (0125) melodicamente e o conjunto 4-24 (harmonicamente):

EXEMPLO207

169 Após a fermata é introduzido um Vamp rítmico-harmônico (termo que se refere a uma sequência musical que se repete por certo período) que atua como base harmônica que dá suporte à melodia da canção:

EXEMPLO208

O Vamp presente no exemplo 208 apresenta melodicamente e harmonicamente ambos os conjuntos seriais 4-24 (0248) e 4-4 (0125). Observe que a troca de um conjunto serial para outro é realizada de acordo com o desenvolvimento da melodia.

Aplico aqui um paralelo com a harmonização tonal-funcional, onde cada conjunto serial simboliza (de maneira figurativa, é claro) um acorde funcional. A escolha do grupo de notas presente no quadro 31 sofreu influência da melodia da canção, dando-se prioridade ao grupo de notas que compartilhasse as mesmas notas da melodia. Esse procedimento possibilitou com que as próprias notas da melodia se

170 incluíssem nos conjuntos seriais. Veja, por exemplo, que a nota Dó e Ré presente no trinado (ver quarto compasso do exemplo 208) estão inseridas no conjunto 0-24 (0248) (notas Sib, Dó, Ré, Fá#). A alteração da nota melódica Ré (presente na versão original) para a nota melódica Dó foi proposital, pois possibilita, através do trinado, a execução de ambas as notas Dó e Ré. Diversos outros excertos presentes no exemplo 208 também apresentam este procedimento. Por fim, a melodia inicial do arranjo [conjunto 4-4 (0125)] é reexposta enquanto o Vamp finaliza com o conjunto 4-4 (0248). A melodia tonal final da canção (notas Fá, Mi e Ré) é continuamente repetida e transposta oitavas abaixo:

EXEMPLO209

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